"Lista negra" de Neto de Moura tem 20 nomes
O polémico juiz está a decidir quem, numa lista de 20 pessoas e entidades, irá processar por ofensas à honra pessoal e profissional. Sindicato de juízes diz que houve excesso nas críticas. Teixeira da Mota acha “muito difícil restringir a liberdade de expressão" nestas questões. Ricardo Araújo Pereira diz: “Ele tem o direito de se sentir ofendido, eu tenho o direito de dizer coisas que potencialmente o ofendem."
O juiz Joaquim Neto de Moura, autor de controversos acórdãos que desvalorizam a violência doméstica, tem uma lista de 20 nomes, entre pessoas e entidades, que quer processar por ofensas à honra pessoal e profissional, confirmou ao PÚBLICO o seu advogado Ricardo Serrano Vieira. O Expresso noticiou este sábado a intenção do juiz de recorrer a acções cíveis como resposta a comentários sobre si nos media e nas redes sociais.
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O juiz Joaquim Neto de Moura, autor de controversos acórdãos que desvalorizam a violência doméstica, tem uma lista de 20 nomes, entre pessoas e entidades, que quer processar por ofensas à honra pessoal e profissional, confirmou ao PÚBLICO o seu advogado Ricardo Serrano Vieira. O Expresso noticiou este sábado a intenção do juiz de recorrer a acções cíveis como resposta a comentários sobre si nos media e nas redes sociais.
Ricardo Serrano Vieira referiu que estão a analisar alguns dos comentários para tomar uma decisão sobre quem efectivamente irão processar, mas avançou que já decidiram fazê-lo em relação a Mariana Mortágua, Joana Amaral Dias, Fernanda Câncio ou aos humoristas Ricardo Araújo Pereira, Bruno Nogueira, João Quadros e Diogo Batáguas. “Estamos a fazer o levantamento dos casos que consideramos que são realmente relevantes e excessivos”, disse.
Referiu que Neto de Moura “respeita quem possa ter uma decisão jurídica diferente da dele ou até mesmo o cidadão que se insurja”, mas que nestes casos não se tratou de críticas, mas sim de ofensas.
Neto de Moura irá pedir uma indemnização, afirmou ainda. “Não podemos aceitar que num Estado de direito se enxovalhe uma pessoa, nem que se ofenda — isso não é liberdade de expressão. Não vale tudo.” Como exemplo do conteúdo que considera injurioso refere: “Ofensa é chamar besta ou corno ou dizer que a mulher dele foi abusada ou que é um perigo para as mulheres”, exemplificou.
Liberdade de expressão é "difícil de restringir"
Ricardo Araújo Pereira disse no programa da TVI Gente que Não Sabe Estar: “Uma advertência destas faria sentido se for enrolada, enfiada no rabo do juiz. Pode parecer chocante, o juiz se calhar discorda, mas há um precedente bíblico. Em Levítico 3: 17, o Senhor disse a Moisés: e enrolarás a advertência e enfiá-la-ás no rabo do juiz”.
Ao PÚBLICO, o humorista comenta: “Ele tem o direito de se sentir ofendido, eu tenho o direito de dizer coisas que potencialmente o ofendem. Há pessoas que acham que têm o direito a não ser ofendidas. É impossível não ofender pessoas. Ele ofende-me com as considerações que faz nos acórdãos. E tem todo o direito de se sentir ofendido com o que eu digo. Vivemos numa sociedade aberta e isso é mesmo assim!" Ricardo Araújo Pereira refere que irá continuar a falar sobre o juiz. "É o meu trabalho”.
Bruno Nogueira, no programa Tubo de Ensaio, disse. "Como é que um animal irracional de um juiz destes anda à solta num tribunal? Precisa é de uma coleira e de uma trela e açaime".
Para Francisco Teixeira da Mota, advogado do PÚBLICO e especialista em liberdade de expressão, “a crítica não pode ser medida com uma régua”, afirma. “A ironia, o humor, o sarcasmo e a paródia têm sempre que ultrapassar a crítica bem comportada, têm que ter excesso, contundência e desmesura, sob pena de serem ineficazes.”
O advogado — ele próprio autor de um artigo sobre o juiz — considera que é “muito difícil restringir a liberdade de expressão no âmbito da discussão das questões de interesse público e de crítica às figuras públicas, como tem sido entendida pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem".
Ao “escrever aqueles acórdãos”, o juiz “expõe-se à crítica social”. “Tendo em conta a matéria que está em causa, a repercussão pública que tem e o facto de este acórdão não ser o primeiro em que toma decisões e utiliza expressões polémicas e, no meu entender, violentas, deve entender-se que ele próprio tem, também, que suportar a polémica e a violência verbal de terceiros que se sentem agredidos pela sua linguagem, nomeadamente ao minimizar objectivamente o crime de violência doméstica.”
Teixeira da Mota lembra que, no entender do TEDH, a crítica à actuação de magistrados deve ser mais contida do que em relação, por exemplo, aos políticos, “tendo em conta a necessidade de salvaguardar a independência e imparcialidade do poder judicial”, até porque “os juízes estão obrigados ao dever de reserva, não devendo pronunciar-se publicamente sobre os processos judiciais”.
Sindicato afirma: “Direito de crítica não permite o insulto”
Numa linha idêntica à do advogado de Neto de Moura, Manuel Soares, presidente da Direcção da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, refere que o “direito de crítica não permite o insulto”. “Acho que houve abuso e exagero na forma como o criticaram. Uma coisa é dizer que o juiz não tem condições para exercer as suas funções, outra é achincalhá-lo”.
Não se trata de impedir a crítica, defende, até porque sendo uma figura pública o juiz está sujeito a ela. Mas “há uma grande diferença entre chamar incompetente ou palhaço”. Como qualquer cidadão, Neto de Moura está a recorrer à justiça para defender “o direito à honra”. “Um juiz também tem direitos, não é apenas um saco de pancada”, diz.
Manuel Soares é juiz desembargador no Tribunal da Relação do Porto e co-autor de um acórdão sobre o caso de violação de uma jovem que estava inconsciente na casa de banho de uma discoteca, por dois dos funcionários, onde se alega que existiu "mediana ilicitude" e "um clima de sedução mútua".
A posição de Neto de Moura não surpreende Joana Amaral Dias, que escreveu no Facebook: "Este magistrado do Tribunal da Relação do Porto é um perigo para a segurança pública". Diz ao PÚBLICO: “Conhecemos as posições do juiz Neto de Moura, não espanta que seja alguém que conviva muito mal com a liberdade de expressão e de opinião e tenha esta atitude persecutória para com alguém que se pronunciou, num comentário político, contrário a este tipo de acórdão”.
Já Mariana Mortágua, que escreveu no Twitter "a presença de Neto de Moura nos tribunais é uma ameaça à segurança das mulheres", "respondeu" igualmente no Twitter: “Um juiz machista que coloca em causa a segurança das mulheres não deixa de ser um juiz machista que coloca em causa a segurança das mulheres só porque se ofende que digam que é um juiz machista que coloca em causa a segurança das mulheres.”
Também a coordenadora do Bloco de Esquerda, Catarina Martins, considerou este sábado que as recentes decisões do juiz Neto de Moura são "um insulto a todos os magistrados deste século". E criticou: "O que é grave é que alguém como Neto de Moura continue a ser um juiz. Eu acho que, com todo o respeito pela separação de poderes, a magistratura tem de olhar para este caso, porque Neto de Moura continuar a produzir as sentenças que tem produzido é um insulto a todos os magistrados deste século", afirmou.
A 5 de Fevereiro o Conselho Superior da Magistratura (CSM), o órgão de supervisão dos juízes, determinou punir Neto de Moura com uma advertência, por ter desvalorizado uma agressão grave praticada pelo marido contra a “mulher adúltera”, num acórdão de Outubro de 2017. O juiz vai recorrer.
Neto de Moura retirou a pulseira electrónica a um homem que rebentou um tímpano à mulher ao soco de uma mulher, medida que os colegas de primeira instância lhe tinham aplicado para garantirem que não se voltava a aproximar da vítima, depois de o terem condenado a uma pena suspensa.
Noutro caso, o juiz escreveu: “O adultério da mulher é uma conduta que a sociedade sempre condenou e condena fortemente (e são as mulheres honestas as primeiras a estigmatizar as adúlteras) e por isso vê com alguma compreensão a violência exercida pelo homem traído, vexado e humilhado pela mulher.” Escreveu ainda noutro acórdão: “Uma mulher adúltera é uma pessoa dissimulada, falsa, hipócrita, desleal, que mente, engana, finge. Enfim, carece de probidade moral”, caracteriza o relator. “Não surpreende que recorra ao embuste, à farsa, à mentira para esconder a sua deslealdade e isso pode passar pela imputação ao marido ou ao companheiro de maus tratos.”
O advogado de Neto de Moura, Ricardo Serrano Vieira, num comentário à publicação da sua mulher no Facebook criticando a associação feminista Capazes, escreveu: "Lambedoras de cri... dá nisto".
com Ana Sá Lopes