O Governo tem de intervir em Pedrógão – e já
Alguém acredita que se se repetir uma tragédia da dimensão de 2017 a generosidade dos portugueses voltará a ser igual enquanto as pessoas se lembrarem das reportagens da TVI?
A TVI não pode continuar a empilhar reportagens sobre Pedrógão Grande, tal como a câmara empilha colchões e electrodomésticos ao abandono, e o Governo continuar a fingir que não se passa nada. Sim, o Ministério Público está a investigar. Mas isto não é apenas um problema de justiça. É, antes de mais, um gravíssimo problema político. E um gigantesco escândalo público. E uma das mais vergonhosas manifestações de incúria, insensibilidade ao sofrimento e desprezo pela solidariedade a que já assisti na minha vida.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
A TVI não pode continuar a empilhar reportagens sobre Pedrógão Grande, tal como a câmara empilha colchões e electrodomésticos ao abandono, e o Governo continuar a fingir que não se passa nada. Sim, o Ministério Público está a investigar. Mas isto não é apenas um problema de justiça. É, antes de mais, um gravíssimo problema político. E um gigantesco escândalo público. E uma das mais vergonhosas manifestações de incúria, insensibilidade ao sofrimento e desprezo pela solidariedade a que já assisti na minha vida.
Não é possível que o senhor presidente Valdemar Alves, mais o seu vasto séquito de funcionários e familiares, continue todos os dias a frequentar as instalações da Câmara Municipal de Pedrógão Grande como se nada tivesse acontecido. Não é possível que a comunicação social, que tem desempenhado um papel fundamental de escrutínio perante a passividade do Estado, seja ameaçada por funcionários públicos com a linguagem da máfia napolitana. E não é possível que António Costa continue a assobiar para o lado como se isto não fosse nada com ele.
Valdemar Alves foi eleito pelas listas do Partido Socialista nas últimas eleições autárquicas, numa badalada transferência do PSD para o PS. Não é propriamente um zé-ninguém – é unha com carne com Tomás Correia, esse grande presidente da Associação Mutualista Montepio Geral, que acumula o cargo com a presidência da Assembleia Municipal de Pedrógão Grande (há maravilhosas coincidências neste mundo). Existem até bonitas fotografias de António Costa a dar abracinhos ao senhor, cheios de cumplicidade política. Com certeza que o primeiro-ministro não tem de responder pela honorabilidade de todas as pessoas que abraçou na vida (estaria, aliás, bem tramado), mas, que se saiba, Costa ainda é secretário-geral do PS. Talvez ele pudesse começar por fazer aquilo que até agora o PS sempre recusou: retirar a confiança política a Valdemar Alves.
A seguir, arranjava forma de alguma instituição funcional do Estado (ainda haverá algumas) tomar conta dos donativos de Pedrógão e acabar com aquele regabofe de uma vez por todas. Eu não sei se o senhor Valdemar e os seus amigos andam a meter dinheiro ao bolso ou não, mas disto tenha absoluta certeza: a Câmara de Pedrógão Grande não tem qualquer capacidade para gerir uma logística tão complexa. Ainda que não se descubram crimes, os meros efeitos de tamanha incompetência têm um impacto brutal no país. Alguém acredita que se se repetir uma tragédia da dimensão de 2017 a generosidade dos portugueses voltará a ser igual enquanto as pessoas se lembrarem das reportagens da TVI?
O escândalo de Pedrógão bate fundo, porque coloca a nu todos os problemas do país, da forma mais confrangedora possível: a falta de qualidade política de muitos autarcas; a falta de escrúpulos de funcionários camarários; a mais descabelada endogamia e nepotismo do microcosmos municipal (o filho do presidente é o responsável pela gestão dos donativos dos incêndios, e ainda há quem questione que mal tem um Governo estar pejado de familiares); a incapacidade de instituições como a Cruz Vermelha para reagirem competentemente à incompetência da câmara; e a passividade e desinteresse do Estado, como um tudo, perante falhas tão gritantes quanto estas. Uns dizem que é um problema da justiça; outros dizem que é um problema autárquico; outros ainda dizem que é um problema das IPSS. Só nunca – nunca! – é o raio de um problema que alguém seja realmente capaz de resolver.