Rui Paixão: palhaço português, palhaço “selvagem” do Cirque du Soleil

Descobriu o poder do riso na escola: em vez de ser gozado, decidiu gozar com ele próprio. Criou um Godot (que afinal era um palhaço) e agora anda a tentar descobrir “de que raio se riem os chineses”. À boleia do Cirque du Soleil.

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Dois americanos, um francês, um italiano e um português. Até poderia ser o início de uma anedota, e apostamos que Rui Paixão não tem nada contra anedotas, mas neste caso o início é o fim – que é um início. Se Rui Paixão está por estes dias na China, e aí vai permanecer durante dois anos, foi porque o final de um casting foi o início de uma aventura no Cirque du Soleil. “Procuravam actores físicos e palhaços”, recorda, e a audição, em Las Vegas, foi “a parte mais divertida” (e também a sua primeira formação em clowning). Sobraram essas cinco pessoas e o português era ele.  “Seleccionaram-me para ficar em consideração para ser criador original numa futura nova obra do Cirque du Soleil”, conta. Era Novembro de 2015 e o futuro chegou em Maio de 2017. Um e-mail anuncia que tinha sido escolhido para integrar uma nova criação, a estrear na China em 2019, ele aceitou na hora. “Vou estar em cena quase todo o espectáculo”, explica. Pediram-lhe uma “personagem inspirada no universo do arlequim e do clown contemporâneo, com alguns conhecimentos em acrobacia de solo”, que encontre momentos “para aliviar a tensão e provocar o riso”. Para ser o palhaço, portanto – do Cirque du Soleil.

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Dois americanos, um francês, um italiano e um português. Até poderia ser o início de uma anedota, e apostamos que Rui Paixão não tem nada contra anedotas, mas neste caso o início é o fim – que é um início. Se Rui Paixão está por estes dias na China, e aí vai permanecer durante dois anos, foi porque o final de um casting foi o início de uma aventura no Cirque du Soleil. “Procuravam actores físicos e palhaços”, recorda, e a audição, em Las Vegas, foi “a parte mais divertida” (e também a sua primeira formação em clowning). Sobraram essas cinco pessoas e o português era ele.  “Seleccionaram-me para ficar em consideração para ser criador original numa futura nova obra do Cirque du Soleil”, conta. Era Novembro de 2015 e o futuro chegou em Maio de 2017. Um e-mail anuncia que tinha sido escolhido para integrar uma nova criação, a estrear na China em 2019, ele aceitou na hora. “Vou estar em cena quase todo o espectáculo”, explica. Pediram-lhe uma “personagem inspirada no universo do arlequim e do clown contemporâneo, com alguns conhecimentos em acrobacia de solo”, que encontre momentos “para aliviar a tensão e provocar o riso”. Para ser o palhaço, portanto – do Cirque du Soleil.

Rui Paixão, agora com 23 anos, descobriu o poder do riso na escola. Diz que calhou nascer “com características para ser alvo do julgamento dos amigos”. Era “gordinho”, péssimo em desporto – jogou basquetebol: “num jogo cheguei a passar a bola ao árbitro, acreditando que era um colega de equipa” –, nunca teve qualquer afinidade com jogos e não tinha roupas de marca. “Percebi que em vez de ser 'gozado' poderia ser eu a gozar comigo mesmo. E encontrei um espaço na turma, o cómico”, reflecte. Compreenderia mais tarde que o que já mais o entusiasmava nessa altura “era o poder da transgressão”. “E considero um poder, sim.” O "cómico" da turma tinha o direito de perturbar o normal funcionamento da sala de aula; o palhaço profissional, actor, artista, performer, como se considera, também: “Nunca mais vou esquecer a sensação extraordinária de invadir uma praça de uma cidade com a permissão de inverter toda a ordem estabelecida”. Foi em 2015, no festival Imaginarius, em Santa Maria da Feira, onde nasceu e cresceu.

Por essa altura já tinha passado pela Academia Contemporânea de Espectáculo (ACE). Os pais, “já que era tão cómico”, decidiram que devia tentar o teatro amador. O “bichinho” apanhou-o. No 9.º ano transferiu-se para a ACE e o teatro passou de forma de integração e de bem-estar pessoal a palco para questões existenciais, políticas, sociais e religiosas. Três anos volvidos, desencanto com o mundo do teatro no Porto: “Queria tanto fugir, viajar, renovar-me.” Como não tinha dinheiro, decidiu construir um espectáculo de rua e vendê-lo a festivais por todo o mundo. De uma frustração, portanto, nasceu a personagem do palhaço de cabelo verde e sujo: primeiro era o Cão à Chuva, depois passou a Godot, inspirado em Samuel Beckett (para Rui a personagem da peça, que nunca chega, é um palhaço).

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Rui Paixão na China com alguns elementos da equipa do Cirque du Soleil Foto cedida pelo Cirque du Soleil

Com ele viajou os últimos quatro anos “por toda a Europa e arredores” (na ilha da Reunião chegou a nadar com tartarugas, mais perto, nas Canárias, visitou um vulcão). Envolveu-se numa criação original produzida pelo Imaginarius e pelo Fira Tàrrega, Ferida, passou um mês em São Paulo com a companhia Radar 360 no festival de rua SESC Circuito de Artes, criou Hanno, com a bailarina Catarina Marques – tudo experiências “na rua”. “Sou um viciado em viagens”, confessa, “gosto de me sentir desconfortável em lugares que não me pertencem e de absorver ideias e culturas diferentes”. Sobretudo se viaja em contexto de trabalho, percebendo que “os países reagem de forma diferente ao mesmo espectáculo”.

Agora, Rui Paixão está ansioso por descobrir “de que raio riem os chineses”. É no que pensa quando se passeia pelas ruas de Hanzghou (seis milhões de habitantes), quase dois meses após a chegada e quando já se sente a adaptar-se à cidade e às pessoas. “Vai ser um desafio”, assume, “fazer rir os chineses” – que o surpreenderam, revelando-se “um povo muito hospitaleiro e entusiasmado”. O ritmo de vida, contudo, é demasiado acelerado para o seu gosto. “Mas como palhaço posso tentar acalmá-los um pouco”, brinca. E nem todos o necessitarão. Rui conta que um destes dias foi às montanhas e cruzou-se com um homem que levava os seus pássaros e cantava com eles. “Disse-me que era tradição, todos os fins-de-semana sobe às montanhas com os passarinhos e depois liberta-os... No resto do tempo espera que voltem a casa.”

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A nova produção do Cirque du Soleil, que estreará em “Julho, Agosto”, é precisamente sobre a união dos mundos ocidental e oriental. Quando a Fugas fala com Rui paixão, os ensaios começaram há dez dias, a sua rotina antes – muito treino diário, “cardio, preparação muscular, piscina e avaliações...”, enumera. Isto depois de já ter começado a preparação física em 2018, com aulas de acrobacia, desenvolvimento de novos movimentos, formação de arlequim... “A minha personagem vai ter uns quantos desafios que envolvem voo com arnês e quedas a altas altitudes”, explica. Entretanto, chegou ao primeiro esboço da personagem (inspiração em movimentos de macaco e no kung-fu) e do seu solo no espectáculo – “com muita água e interacção com o público”, desvenda.

É a primeira vez que Rui trabalha num circo e logo num que faz parte da história do movimento do novo circo. “Costumo dizer que a rua é como a selva e o teatro como o jardim zoológico”, nota. E é o que sente no Cirque du Soleil, é mais um desafio para ele: “Imaginem que chegam ao jardim zoológico e um dos animais solta os instintos e sai da jaula. Eu quero ser esse palhaço selvagem aqui...”