Sérgio Conceição, o mesmo gajo de sempre
Os primeiros tempos como treinador, em Liége e em Olhão.
Moldado por um início de vida complicado, Sérgio Conceição nunca foi nada menos que frontal e com atracção pelo choque. Nunca deixa nada por dizer ou por fazer. Foi assim como jogador, é assim como treinador. Tome-se como exemplo um episódio que o actual treinador do FC Porto contou ao PÚBLICO, em 2010, dos tempos em era um jogador em início de carreira no Felgueiras de Jorge Jesus: “Estava a jogar no lado direito, fui queixar-me ao treinador que tinha dois adversários para marcar no meu flanco e dei um pontapé numa garrafa de água. No balneário, travámos um aceso duelo verbal e, na semana seguinte, fui treinar com os juniores.”
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Moldado por um início de vida complicado, Sérgio Conceição nunca foi nada menos que frontal e com atracção pelo choque. Nunca deixa nada por dizer ou por fazer. Foi assim como jogador, é assim como treinador. Tome-se como exemplo um episódio que o actual treinador do FC Porto contou ao PÚBLICO, em 2010, dos tempos em era um jogador em início de carreira no Felgueiras de Jorge Jesus: “Estava a jogar no lado direito, fui queixar-me ao treinador que tinha dois adversários para marcar no meu flanco e dei um pontapé numa garrafa de água. No balneário, travámos um aceso duelo verbal e, na semana seguinte, fui treinar com os juniores.”
Isto era Conceição em 1995. Na década e meia seguintes, o rapaz de Ribeira de Frades tornar-se-ia um dos jogadores de referência do futebol português, um extremo-direito que apaixonou os adeptos de todos os clubes por onde passou, pela qualidade e pelo carácter. De Coimbra ao Porto, passando por Roma, Milão, Salónica ou Liége, o beirão Sérgio Paulo Marceneiro Conceição foi fazendo a sua aprendizagem junto a treinadores como Jesus, António Oliveira, Eriksson, Mancini, Mourinho e Fernando Santos – também trabalhou com Scolari na selecção, mas o brasileiro excluiu-o antes do Euro 2004.
Mas nenhum terá tido tanta influência na sua entrada na profissão como Dominique D’Onofrio, o treinador italo-belga que o orientou nos tempos em que foi jogador no Standard Liége e que o contratou como adjunto do clube belga em 2010. Conceição era um ídolo no Standard pelas três épocas que lá passara entre 2004 e 2007 – foi expulso no primeiro jogo que fez, 11 minutos depois de ter entrado em campo, sai como capitão de equipa. D’Onofrio, irmão do empresário Luciano D’Onofrio, foi buscar o seu antigo pupilo, que já tinha pendurado as botas para ser director-desportivo do PAOK, para ser o seu “número 2”.
Essa foi uma campanha que quase deu título de campeão, apenas perdido no último jogo da época, mas deu uma Taça da Bélgica. Era uma equipa que tinha jogadores como Mangala, Defour (futuros jogadores do FC Porto, Axel Witsel, Mehdi Carcela (futuros jogadores do Benfica), Michy Batshuayi ou Cristian Bentenke, alguns ainda eram do tempo de Conceição como jogador. D’Onófrio não tinha dúvidas de que Conceição iria ser treinador e Conceição, depois da época na Bélgica, também já não voltaria atrás. Também foi no Standard que Conceição se reencontrou com um antigo colega de equipa, Siramana Dembélé, um antigo médio francês, também chamado por D’Onofrio para a equipa de Liége, e que tem acompanhado o português na sua carreira.
"Parabéns por este artigo. És um idiota"
Entre vários episódios que a imprensa belga da altura relata, há um que soa familiar. Em Março de 2011, Conceição surgiu na sala de imprensa com um jornal na mão e dirigiu-se nestes termos a um jornalista do Dernière Heure por causa de um artigo que questionava opções da equipa técnica e a citar jogadores: “Parabéns por este artigo. És um idiota (em francês, “connard”) por ter escrito um artigo destes. És um jornalista de merda […]. Os meus jogadores dizem-me que és um mau jornalista.” Quatro meses depois, Conceição deu uma entrevista, em jeito de despedida, ao jornalista que tinha insultado. O incidente não foi referido. O que Conceição disse foi que, aqueles meses como adjunto no Standard valeram como “cinco anos de experiência”.
Conceição acompanhou D’Onofrio na saída do Standard e continuaram próximos (passaram férias juntos várias vezes), apesar de nunca mais terem trabalhado juntos. Falou-se do PAOK e até do Benfica, mas o desafio seguinte de Conceição foi pegar num aflito Olhanense, que apenas tinha ganho quatro jogos em 19 na primeira metade de 2011-12. Rui Duarte era um dos jogadores mais experientes dessa equipa, pouco mais novo que Conceição, e marcou um golo em cada um dos dois primeiros jogos de Conceição à frente dos algarvios. “Era um treinador de exigência e de cobrança, mas sempre com um espírito saudável. Lutávamos em cada jogo como uma verdadeira família. Isso era dele. Dava para perceber que era um líder com personalidade forte. E era uma identidade que precisávamos na altura”, refere ao PÚBLICO o antigo médio, que esteve até meio da presente época a treinar o Farense.
Djalmir, emblemático avançado brasileiro do clube algarvio, também recorda um treinador “cinco estrelas” que teve de ultrapassar muitas dificuldades quando aterrou em Olhão. “Era uma pessoa que queria tudo perfeito, mas o Olhanense, naquele momento, não lhe dava as condições que ele pretendia. Ele fazia tudo para que nós pudéssemos trabalhar melhor. Adorei conhecê-lo, tem um grande coração”, conta Djalmir, que continua a jogar, aos 42 anos, no também algarvio Almancilense (enquanto completa a formação como treinador), e que transitou para a época seguinte como director desportivo, a pedido do próprio Conceição.
“Episódios? Houve, houve muitos, mas não vou contar. Sem dizer nomes? Houve um jogador com quem ele contava muito, ele queixou-se de uma dorzinha e o Sérgio sentiu que ele podia ter ajudado mais, e o Sérgio foi um bocado duro, muito directo, sem rodeios. E com o presidente foi a mesma coisa”, conta o brasileiro. Conceição saiu a mal do Olhanense na época seguinte, em conflito com o presidente Isidoro Sousa. O mesmo aconteceria com José António Simões na Académica ou António Salvador no Sp. Braga, um homem preparado para o choque. É assim que Djalmir, à distância, o vê, “o mesmo gajo de sempre”.