Neto de Moura, um desembargador às direitas?
Seria importante conhecermos o mundo do juiz desembargador Joaquim Neto de Moura. O seu passado, onde estudou, o meio familiar, os seus gostos e desgostos.
No nosso país, falar dos juízes enquanto pessoas concretas, dos seus gostos, das suas preferências e diferenças, do seu passado é praticamente uma heresia. Os juízes são todos iguais. O ideal mesmo seria convencermo-nos que são inodoros, incolores e insípidos.
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No nosso país, falar dos juízes enquanto pessoas concretas, dos seus gostos, das suas preferências e diferenças, do seu passado é praticamente uma heresia. Os juízes são todos iguais. O ideal mesmo seria convencermo-nos que são inodoros, incolores e insípidos.
Nos EUA, o passado e o presente dos juízes é discutido nos mais diversos fóruns. Não só dos juízes que são eleitos a nível dos estados como dos juízes federais que são nomeados. Há, naturalmente, juízes conservadores e juízes liberais e as suas decisões são conhecidas e publicamente elogiadas ou criticadas. No nosso país, só sabemos um pouco mais sobre a vida dos nossos juízes quando se metem pelo mundo do futebol ou quando assumem a qualidade de arguidos.
E, no entanto, seria importante, dada as relevantes funções que desempenham na nossa sociedade, conhecermos, por exemplo, o mundo do juiz desembargador Joaquim Neto de Moura. O seu passado, onde estudou, o meio familiar, os seus gostos e desgostos. Estamos, no entanto, limitados aos acórdãos que escreve para conhecermos a sua mundividência. E, verdade seja, dita, já não é pouco.
Deixando de lado o famoso acórdão de finais de 2017 em que, a título recreativo, entre outras coisas, invocava a lapidação das mulheres adúlteras, parece claro que uma das suas características é a desvalorização objectiva e em concreto do crime da violência doméstica seja através da minimização da gravidade das ofensas seja pela perspectiva benévola e confiante com que encara os agressores.
Neste último acórdão de 31 de Outubro do ano passado, Neto de Moura, não erra propriamente na aplicação do direito positivo. Pode mesmo dizer-se que a decisão de mandar retirar a medida de vigilância de pulseira electrónica pelo facto de o juiz da 1.ª instância não ter fundamentado a aplicação de tal medida, está correcta. No entender de muita gente, no entanto, Neto de Moura podia e devia ter entendido que essa falta de fundamentação era uma nulidade e devolvido o processo ao tribunal da 1.ª instância para suprir essa falha. Mas para o fazer teria de... não ser Neto de Moura.
Ficou provado no processo que, desde 2013 até meados de 2017, pelo menos uma vez por semana, após o consumo excessivo de bebidas alcoólicas, o arguido dizia, aos gritos, que a mulher era “uma puta, uma vaca, que só tinha amantes, porca e que ela não valia nada” e, por vezes, também berrava: “eu mato-te!”. Ficou igualmente provado que, durante o referido período, em momentos não concretamente apurados, o arguido agrediu fisicamente a mulher mediante bofetadas, que a atingiam na cabeça e membros superiores, ao mesmo tempo que a insultava, resultando para a mulher hematomas, edemas, escoriações e dores. Ficaram também provadas as ameaças com um objecto – eventualmente uma pistola -, os murros que perfuraram o tímpano da mulher e as ameaças com uma catana.
Para Neto de Moura, contudo, a única situação, devidamente concretizada de violência física foi aquela em que o arguido desferiu vários socos na mulher atingindo-a nas diferentes zonas da cabeça, incluindo os ouvidos, provocando-lhe perfuração do tímpano esquerdo. E acrescenta, lapidar: "todas as outras situações são de ofensas verbais e ameaças”. As bofetadas, ao longo dos anos, terão sido verbais? E os hematomas, edemas, escoriações e dores, terão sido o resultado das ofensas verbais ou das ameaças?
Ou ainda: a certa altura, o desembargador Neto de Moura afirma que se, em tempos, a violência doméstica era desvalorizada, actualmente “têm-se acentuado os sinais de uma tendência de sentido contrário, em que a mais banal discussão ou desavença (dentro do casal) é logo considerada violência doméstica”. Para demonstrar esta tendência acrescenta Neto de Moura: “Repare-se que, neste caso, está descrito como um acto de violência doméstica sobre a mulher o facto de o arguido, na presença dela, se queimar com cigarros e cortar-se “para demonstrar que não tinha medo de morrer”. Isto é, para Neto de Moura o facto de alguém se cortar e se queimar com cigarros perante o companheiro para demonstrar que não tem medo de morrer, faz parte de uma banal discussão ou desavença dentro do casal.
Independentemente das questões jurídicas, é um estranho e preocupante mundo o do juiz desembargador Neto de Moura.