Uma aula de fake news
A Direcção-Geral da Educação tem até um projecto, SeguraNet, em que procura ensinar as crianças a detectar notícias falsas. Mas há um longo caminho a fazer mesmo dentro do próprio Ministério da Educação.
Uma sondagem da Comissão Europeia, divulgada esta semana, concluiu que metade dos portugueses tem dificuldade em identificar notícias falsas. Suspeito que o número tenderá a aumentar nos próximos anos. Principalmente se continuarmos a ensinar às nossas crianças que essa maravilha chamada Internet (e não, não estou a ser sarcástica) veio substituir as enciclopédias.
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Uma sondagem da Comissão Europeia, divulgada esta semana, concluiu que metade dos portugueses tem dificuldade em identificar notícias falsas. Suspeito que o número tenderá a aumentar nos próximos anos. Principalmente se continuarmos a ensinar às nossas crianças que essa maravilha chamada Internet (e não, não estou a ser sarcástica) veio substituir as enciclopédias.
Um dos manuais escolares do 2.º ano que tiveram o aval do Ministério da Educação e que foi adoptado por várias escolas de todo o país trata de explicar como o mundo mudou entre o tempo dos pais e o tempo das crianças que têm hoje oito anos. "Quando a mãe era pequena", "havia um telefone fixo na entrada da casa", os trabalhos de casa eram feitos "numa máquina de escrever", "não havia Internet" e "quando se queria saber onde ficava a Arménia ou quem tinha sido a Padeira de Aljubarrota, procurava-se nas enciclopédias, que são grandes colecções de livros, onde está tudo escrito". Depois deste texto, o manual Plim! propõe que os alunos escrevam numa coluna como era "no tempo da mãe" e como é agora no seu tempo. À frase "pesquisava-se em enciclopédias", deve-se completar o agora "pesquisa-se na... Internet". Esta, segundo o manual, é a resposta correcta. Mas, esperem lá, quantas falácias tem esta afirmação? É com raciocínios assim que muitas crianças (e adultos) acabam a dizer que a Internet é um sítio que "dá notícias" ou a dizer "soube daquilo porque li na Internet".
Vamos lá ver se nos entendemos. Não é a Internet que "dá notícias", são os sites de jornais ou os jornais online que dão notícias. Não se "lê na internet", lê-se no site do Parlamento Europeu, no site de uma associação ambientalista, num blogue, etc. Em Portugal, o Ministério da Educação pede a várias instituições de ensino que avaliem os manuais escolares em função de uma série de critérios (tudo devidamente explicitado no seu site) para escolher os que merecem ser certificados e adoptados pelas escolas públicas. Este passou no exame que lhe foi feito, fiquei a saber, pela Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Viseu.
Depois do alerta da Comissão Europeia, o PS entregou esta quarta-feira um projecto de resolução na Assembleia da República a recomendar ao Governo uma série de medidas para ajudar a combater a desinformação. A preocupação é geral. A Direcção-Geral da Educação tem até um projecto, SeguraNet, em que procura ensinar as crianças a detectar notícias falsas. Mas há um longo caminho a fazer mesmo dentro do próprio Ministério da Educação.
Já a Texto Editores podia distribuir gratuitamente a todos os seus colaboradores o livro Os primeiros passos na Internet, publicado por outra editora do mesmo grupo. Ou, já agora, recomendar a confiável Enciclopédia Britânica que disponibiliza gratuitamente online todas as suas informações e que em 2006 já se indignava com comparações com a Wikipédia. Pois, 13 anos depois, a iliteracia digital faz literalmente escola!