Farfetch: o “segundo capítulo” é conquistar a China

A empresa de José Neves já tem a app de moda de luxo ocidental mais popular na China. O top 1% de clientes é responsável por 26% das vendas globais.

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Pedro Nunes/Reuters

Se a história da Farfetch fosse uma trilogia, o segundo capítulo poderia ter como título “À conquista da China”. É isso que fica subentendido na análise que o fundador da empresa fez aos resultados de 2018, que foram apresentados na quinta-feira.

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Se a história da Farfetch fosse uma trilogia, o segundo capítulo poderia ter como título “À conquista da China”. É isso que fica subentendido na análise que o fundador da empresa fez aos resultados de 2018, que foram apresentados na quinta-feira.

José Neves falou aos analistas de quatro pilares para a próxima década. Nenhum deles tem a palavra China. Mas o empresário, cuja fortuna volta a colocá-lo na lista de multimilionários da Forbes, bateu forte nessa tecla.

As acções da empresa chegaram a valorizar 27% na sessão desta sexta-feira, face à cotação de fecho do dia anterior, tendo fechado a valorizar 17,1%, nos 28,8 dólares. Durante a sessão, ultrapassaram a cotação de 30 dólares, fasquia que só tinha sido atingida nos dias de euforia que marcaram a admissão dos títulos da empresa na bolsa nova-iorquina. O que demonstra que as contas da Farfetch, apresentadas no último dia de Fevereiro, foram muito bem recebidas. Para José Neves, que fundou a empresa há uma década, tiveram um sabor especial.

“Isto marca os nossos primeiros dez anos, aos quais eu gosto de chamar o capítulo um”, disse Neves, no início da conference call com diversos analistas que seguem a empresa em Wall Street. “São as bases para as oportunidades incríveis que temos pela frente na próxima década, o nosso capítulo dois”.

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José Neves, fundador e CEO da Farfetch, criou um império dedicado ao luxo no retalho online Eric Gaillard/Reuters/Arquivo

Na primeira prestação de contas após a entrada na bolsa de Nova Iorque, a Farfetch deu indicações claras sobre o crescimento que continua a marcar o dia-a-dia da empresa que tem sede em Londres, mas cujo cérebro operacional está baseado no Porto e em Guimarães. A facturação bruta ultrapassou pela primeira vez a barreira dos mil milhões de dólares (1407 milhões de dólares para ser mais exacto). Traduz um crescimento de 55% face ao ano precedente.

Neves sublinhou que a empresa que lidera (detém 15% das acções, mas controla 77% dos direitos de voto) “está a crescer mais do que qualquer outra” de artigos de luxo. “Crescemos o dobro do que o mercado online de luxo e até acima das nossas expectativas, tendo em conta as recentes incertezas macro-económicas”, insistiu.

A plataforma da Farfetch terminou 2018 com 1,35 milhões de clientes activos, reúne mais de um milhar de boutiques de moda de luxo, e a operação expandiu-se com escritórios em todas as geografias. Porém, o foco está virado para a China, pelo menos durante os próximos episódios.

Em primeiro lugar porque “o mercado chinês representa actualmente a principal força de crescimento da indústria do luxo”. Depois, porque as alianças que a Farfetch estabeleceu naquele país colocam a empresa “numa situação sem rival”.

“Gostaria de sublinhar a importância desta iniciativa para cimentar o nosso papel enquanto plataforma global para a indústria do luxo. A China representa hoje um paradoxo: é o mercado com o crescimento mais rápido e de longe o mais difícil de conquistar. Para qualquer marca de luxo, há uma prioridade estratégica que se destaca: conquistar os millennials chineses”.

Na visão do empresário, “isto já não pode ser conseguido através de uma rede de lojas físicas”. O caminho para conquistar a China é “dominar os canais digitais chineses”.

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Um trabalhador num armazém da JD.com em Langfang. A empresa é um parceiro estratégico para a Farfetch China Jason Lee/Reuters

Uma aliança imprescindível

É neste contexto que a aliança com a JD.com, que investiu 397 milhões na Farfetch no Verão de 2017, assume suprema relevância e, eventualmente, uma vantagem competitiva face à concorrência. Porque o parceiro chinês permite expandir 300 vezes o horizonte da empresa de Neves – a JD.com tem 300 milhões de utilizadores, a Farfetch 1,35 milhões –, conhece o mercado chinês e cobre o país com uma cadeia logística que eleva ainda mais a proposta de valor da plataforma tecnológica gerida a partir dos arredores do Porto.

Outra vantagem nesta equação é a Toplife, empresa daquele grupo chinês que passa para o controlo da Farfetch China. E com isso, a Farfetch obtém o chamado acesso “Nível 1” na app da JD.com, que é a segunda maior plataforma de retalho electrónico naquele país asiático. “Este acordo imprime maior velocidade à nossa estratégia para a China e vai requerer mais investimento em 2019 de modo a permitir mais crescimento naquele mercado em 2020”, sublinhou José Neves. 

Segundo a equipa de research do banco suíço UBS, a aplicação da Farfetch já é a app ocidental dedicada ao luxo mais popular na China. Os estudos de mercado, como sublinha o gestor, avaliam o mercado de luxo em 500 mil milhões de euros. A taxa de penetração da venda online neste valioso negócio deve mais do que duplicar na próxima década, passando de 10% para 25%. O que significa que a Farfetch estaria na corrida por um mercado potencial de 100 mil milhões. Estes números são estimativas – mas se se confirmarem, a Farfetch quer uma fatia de leão.

“Nós temos o arsenal necessário para aproveitar esta enorme oportunidade”, garante o empresário. “Só iremos substituir a Toplife dentro de alguns meses. Antes disso, temos de fazer a integração tecnológica e investir na equipa que vai gerir esse canal”, explicou aos analistas, mostrando acreditar que “os investimentos feitos agora são a chave para conseguir um crescimento acima do esperado em 2020 e depois”.

O responsável financeiro da Farfetch, Elliot Jordan (CFO), confirmou que a empresa terá o encargo com comissões a pagar aos chineses, mas recusou-se a revelar a percentagem. Destacou, pelo contrário, que as contas de 2018 fecham um ciclo de dez anos em que a facturação bruta cresceu mais de 50%, todos os anos, e confirmou que 90% dessa facturação é gerada nas vendas da plataforma. Porém, também disse que vão continuar a investir na linha de negócios B2B – onde reúnem agora 17 clientes, entre as quais a LMVH (dona de uma multiplicidade de marcas de luxo no sector das bebidas, da moda, da relojoaria e joalharia, perfumes, entre outros.

José Neves, por seu lado, revelou que os clientes mais valiosos (1% do universo) é responsável por 26% das vendas. E anunciou que “nas próximas semanas” será desvendada a nova estratégica de marketing desenvolvida para fortalecer a marca Farfetch.