Vai encerrar a Tema, a internet dos anos 90
A emblemática loja especializada em revistas e publicações internacionais vai encerrar esta quinta-feira devido a falta de clientes. Culpa dos computadores? Ou da ausência de movimento de portugueses na Avenida da Liberdade em Lisboa?
Já houve um tempo em que os computadores não serviam para espreitar o mundo. Nos anos 90, além do que a comunicação social portuguesa decidia divulgar, sobravam umas janelinhas: umas lojas, aqui e ali, onde chegavam as revistas e jornais estrangeiros. Mas uma destacava-se dada a diversidade de olhares que oferecia. “Era a internet da altura”, refere Tiago Costa, um dos funcionários da Tema, nos Restauradores, em Lisboa, que fecha nesta quinta-feira.
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Já houve um tempo em que os computadores não serviam para espreitar o mundo. Nos anos 90, além do que a comunicação social portuguesa decidia divulgar, sobravam umas janelinhas: umas lojas, aqui e ali, onde chegavam as revistas e jornais estrangeiros. Mas uma destacava-se dada a diversidade de olhares que oferecia. “Era a internet da altura”, refere Tiago Costa, um dos funcionários da Tema, nos Restauradores, em Lisboa, que fecha nesta quinta-feira.
Eduardo vai anunciando aos clientes que religiosamente visitam a Tema acerca do seu encerramento. À notícia, os fiéis reagem com surpresa. E tristeza. Afinal, é uma relação de anos que se quebra.
Os proprietários originais assumiram a loja há 30 anos, quando uma outra loja de revistas que ocupava o mesmo espaço declarou falência. Vendo uma oportunidade de expansão num país que ainda mostrava sinais de estar fechado sobre si próprio, os proprietários arriscaram abrir um espaço que desse “acesso às revistas e informação que não haviam na altura em Portugal”.
Especializada em revistas estrangeiras mas também nacionais, esta loja, mais recentemente conhecida por Sunrise Press devido à mudança de proprietários em 2013, contém uma variedade delas, expostas ao longo das prateleiras que ainda dão vida às duas paredes da loja.
Situada precisamente entre a Praça dos Restauradores e o início da Avenida da Liberdade, esta loja foi das pioneiras no país a vender imprensa estrangeira.
Os temas das revistas que acolhe são tão diversos quanto os clientes que a frequentam. Desde história, moda, design, música, cinema, viagens, culinária, ciências e política, às temáticas mais polémicas como canábis, erotismo, pornografia e até látex, há todo um mundo por descobrir.
“Uma vez recebemos uma revista, a Bizarre, que tinha conteúdo erótico quase pornográfico, mas com coisas extremamente estranhas. Lembro-me de uma fotografia que me ficou na memória de um homem que não tinha um olho, e ele conseguia pôr a língua de tal maneira que se conseguia ver parte da língua pelo buraco do olho”, conta o funcionário.
Da Rússia aos Estados Unidos da América, da música ao modelismo de comboios, a diversidade sempre esteve na essência deste estabelecimento que, aquando da sua abertura, não contava com a concorrência que hoje enfrenta.
O baixo número de vendas é o reflexo da ausência do movimento que outrora fervilhava na Avenida da Liberdade e está na origem do fecho da loja, ela que é um evidente sinal dos tempos de mudança que hoje se vivem.
“O problema não reside no facto de vendermos versões impressas da informação, até porque o suporte em papel está a ter um regresso”, o problema está na deslocalização de muitas empresas e moradores que ali se fixavam para passarem a residir e trabalhar noutras zonas mais periféricas da cidade, diz. “Antes as pessoas passavam por aqui na sua hora de almoço, e o facto de a loja fechar às 23h permitia que também cá viessem quando saíam do trabalho”.
Mesmo que haja turistas a passear pela avenida mais cara do país, “não têm interesse em pagar sete ou oito euros por uma revista que lhes custa muito menos no seu país de origem”.
O declínio fez-se sentir desde o início do ano passado. “A Avenida da Liberdade já não é a mesma”, afirma. “Houve um êxodo, havia muita gente a morar e a trabalhar aqui na zona, mas quando começou a haver o boom turístico, as rendas dispararam e as pessoas deslocaram-se”.
Desde Dezembro que subalugaram parte da loja e partilham o espaço com uma pequena loja de souvenirs “para ajudar com as contas” mas, refere Tiago, nem isso ajudou a reverter a situação.
Ainda consideraram a hipótese de se deslocarem também mas, quando o fizeram, já não tinham “capital e havia dívidas em atraso a alguns fornecedores”, o que impossibilitou o investimento.
Para os clientes habituais, esta loja “era uma segunda casa” e até ponto de encontro. Criaram-se ligações e relações ao longo daqueles corredores e também dos anos. Tiago desabafa que há uma senhora que é mais que sua avó e um senhor que é um terceiro pai.
À saída, um cliente de longa data lamenta a “triste notícia”. “Despeço-me e espero que as coisas se componham, sobretudo pelos senhores mas também por esta ser uma instituição lisboeta - faz-me pena”, afirma. Quando termina a frase, caem umas revistas que compilam os melhores álbuns de 2018, o que serviu para aliviar o peso da despedida. “Está a ver?! É a queda do ano. Se caiu 2018 vai-se erguer 2019! É para ter um fim feliz”.
Texto editado por Ana Fernandes