O que restou dos nossos amores?

Pode nem ser o melhor filme de Jia Zhang-ke, mas As Cinzas Brancas Mais Puras é outra vez prova de estar aqui um dos grandes cineastas dos nossos dias.

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Lembramo-nos que, no anterior filme de Jia Zhang-ke, Se as Montanhas se Afastam (2015), o “mote musical” era o Go West dos Village People em versão Pet Shop Boys. Agora, em As Cinzas Brancas mais Puras, é YMCA que é evocado – e, nesse encontro entre o kitsch moderno da cultura pop ocidental e a cultura de uma China em evolução acelerada, resume-se tudo aquilo que fez e faz o cinema de Jia Zhang-ke central nos nossos dias, a par da sua capacidade de (se) reinventar e de inserir novas nuances num mosaico que se move dentro de um mesmo território.

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Lembramo-nos que, no anterior filme de Jia Zhang-ke, Se as Montanhas se Afastam (2015), o “mote musical” era o Go West dos Village People em versão Pet Shop Boys. Agora, em As Cinzas Brancas mais Puras, é YMCA que é evocado – e, nesse encontro entre o kitsch moderno da cultura pop ocidental e a cultura de uma China em evolução acelerada, resume-se tudo aquilo que fez e faz o cinema de Jia Zhang-ke central nos nossos dias, a par da sua capacidade de (se) reinventar e de inserir novas nuances num mosaico que se move dentro de um mesmo território.

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À superfície, As Cinzas Brancas Mais Puras é uma história de amor, um melodrama clássico: Bing, o mafioso que manda em Datong, e Qiao, a sua garota, e o que acontece quando Qiao se sacrifica para lhe salvar a vida e vai cinco anos para a prisão. (Podia ser uma das velhas women’s pictures de Hollywood, na maneira como Jia filma a sua musa de sempre, Zhao Tao, e como lhe dá sempre o centro à volta do qual tudo orbita.) Mas há sempre mais qualquer coisa a trabalhar o cinema de Jia. As Cinzas Brancas Mais Puras divide-se em múltiplas linhas temporais que o cineasta baralha e reune sem esforço e sem nunca perder o espectador, saltando ao longo de 15 anos para perguntar, como dizia a canção, “que resta dos nossos amores?”, o que sobrou das amizades. Mas também o que sobrou desses anos formativos, o que restou de um país abalado pela sofreguidão do progresso (e as Três Gargantas voltam a ser farol de referência).

Podemos dizer, e não estaríamos muito longe da verdade, que este filme seria uma variação actualizada sobre Plataforma, mas aqui é menos o colectivo que interessa a Jia e mais o modo como Qiao e Bing mudam e vivem essa mudança. Com qualquer coisa de grande melodrama e com aquela pungente sensação de a vida estar a acontecer enquanto estamos preocupados com outras coisas, com a “musa” Zhao Tao a transportar o filme aos ombros com minuciosa e atenta delicadeza. As Cinzas Brancas Mais Puras não é só sobre a China, hoje; é sobre o mundo todo, hoje, sobre o que resta quando aquilo em que acreditámos tanto tempo ficou para trás. E Jia Zhang-ke continua a ser um dos grandes cineastas do mundo, capaz de nos fazer sentir porque é que uma canção pirosa com meio século ainda nos emociona.