Por que é que as baleias e golfinhos dormem à vez só com metade do cérebro?
São famosos pela inteligência e agora uma equipa portuguesa descobriu a razão por que os cetáceos e os manatins dormem de forma tão curiosa, permitindo-lhes um estado de repouso e vigilância em simultâneo.
As baleias, os golfinhos e os manatins têm uma forma muito peculiar de dormir: um sono onde cada hemisfério do cérebro descansa alternadamente. A razão para esta forma de dormir foi agora revelada numa investigação do Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental (Ciimar) da Universidade do Porto: estes animais marinhos desactivaram os genes responsáveis pela produção de melatonina, hormona que controla os períodos de sono. Como trocaram a terra pela água há milhões de anos, evoluíram de forma a se libertarem de genes desnecessários ao meio aquático.
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As baleias, os golfinhos e os manatins têm uma forma muito peculiar de dormir: um sono onde cada hemisfério do cérebro descansa alternadamente. A razão para esta forma de dormir foi agora revelada numa investigação do Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental (Ciimar) da Universidade do Porto: estes animais marinhos desactivaram os genes responsáveis pela produção de melatonina, hormona que controla os períodos de sono. Como trocaram a terra pela água há milhões de anos, evoluíram de forma a se libertarem de genes desnecessários ao meio aquático.
“Os mamíferos ancestrais que deram origem às baleias e aos golfinhos eram mamíferos terrestres. A adaptação a um ambiente aquático colocou desafios muito grandes, que passaram por reorganizar os genes que estão presentes no genoma destas espécies e, em muitos casos, a solução adoptada foi descartar genes que a maioria dos mamíferos tem”, explica ao PÚBLICO Filipe Castro, investigador do Ciimar e um dos coordenadores do estudo publicado na revista Genes.
Para este trabalho só com autores portugueses, foram estudados genomas de 12 espécies de cetáceos (como a baleia-cinzenta, a baleia-da-gronelândia, o golfinho roaz-corvineiro e a orca) e, ainda, uma subespécie de manatim – um mamífero marinho herbívoro. Todos estes mamíferos marinhos revelaram uma característica pouco comum: não produzem melatonina, uma hormona que, no entanto, está presente na maioria dos mamíferos para regular os ciclos de dormir e acordar.
A melatonina, para além de ser um importante antioxidante, funciona também como uma hormona que controla os ritmos circadianos (diários) da maioria dos mamíferos. Produzido pela glândula pineal, localizada no cérebro, é responsável pelos períodos de sono e responde a estímulos de luz, atingindo o pico de produção durante a noite. “Por este motivo, a fraca qualidade do sono é muitas vezes associada à exposição a ecrãs ou à luz artificial”, nota Raquel Ruivo, investigadora do Ciimar que também coordenou o estudo.
Sabendo-se já que as baleias, golfinhos e manatins dormiam assim, qual é então a novidade trazida por estudo? “O nosso trabalho estabelece um paralelo entre esse comportamento e base genética da sua evolução”, responde a investigadora.
Os animais estudados perderam os genes relativos à produção de melatonina que lhes permite manter um estado de repouso e vigilância simultâneo essencial nos ambientes marinhos. “Os hemisférios cerebrais dormem de forma alternada, permitindo-lhes descansar sem comprometer o estado de vigilância, a manutenção da respiração ou mesmo da temperatura corporal, que normalmente diminui durante o sono”, refere um comunicado do Ciimar sobre o trabalho.
Apesar de partilharem o mesmo habitat, os golfinhos e as baleias não partilham um antepassado comum com os manatins, também conhecidos como “vacas do mar”. “Enquanto os cetáceos são mais aparentados, de um ponto de vista evolutivo, com ruminantes, as vacas do mar são mais próximas dos elefantes, ou seja não partilham um ancestral comum directo”, contextualiza Raquel Ruivo. Ainda assim, os investigadores detectaram a desactivação dos mesmos genes nos três grupos de mamíferos marinhos. “O facto de terem perdido quase os mesmos genes significa que provavelmente a exigência do meio aquático lhes impôs a mesma solução, que é manter um sistema de vigilância permanente”, explica Filipe Castro.
Um aparente paradoxo
Mesmo com as enzimas produtoras de melatonina silenciadas, os investigadores portugueses encontraram estudos anteriores que apresentavam vestígios desta hormona no sangue de golfinhos. Com os genomas analisados e as conclusões tiradas, esse estudo sobre os golfinhos dificultou o trabalho da equipa portuguesa. Mas por pouco tempo: a melatonina não é produzida apenas pela glândula pineal, uma vez que também está presente nos alimentos.
“A melatonina que circula no meu sangue tem uma origem endógena: é produzida pela glândula pineal que tenho no cérebro. Mas, em muitas circunstâncias, pode também resultar da minha alimentação”, expõe Filipe Castro. Esta foi a explicação que solucionou o mistério dos vestígios desta hormona nos golfinhos. “Foi um achado paradoxal, mas que, num certo contexto, faz sentido.”
Estes curiosos animais também podem vir a dar pistas sobre a saúde humana. “Podemos usar esses organismos e o que aprendemos com eles para desenvolver soluções mais eficazes para patologias como a disfunção do sono”, conclui o investigador. “As baleias e os golfinhos têm uma pele fantástica do ponto de vista adaptativo. Também achamos que, estudando o genoma, podemos perceber por que é que a pele é diferente e por que mudou ao longo do tempo”, acrescenta.
Este tipo de investigações também pode ajudar estes animais a enfrentar os desafios de conservação e de destruição do seu habitat. “É muito importante conhecer a sua biologia [cetáceos e manatins] para os poder conservar e proteger”, nota Filipe Castro.
Encantando adultos e crianças por todo o mundo, estes mamíferos marinhos são assim um verdadeiro exemplo de quem “dorme acordado”.
Texto editado por Teresa Firmino