Em Famalicão há uma galeria que está na “ala da frente” da arte portuguesa

Jorge Molder, Rui Chafes, José Pedro Croft, Pedro Cabrita Reis e Alberto Carneiro já expuseram na cidade. O curador António Gonçalves mostra que é possível divulgar o melhor da arte contemporânea fora dos grandes centros.

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Desde o passado dia 9 de Fevereiro e até 18 de Maio, o visitante pode fazer uma espécie de viagem entre o céu e o inferno, entre torres (de Babel) e moinhos (de Brueghel), através de uma banda de 29 desenhos a carvão sobre papel de Alexandre Conefrey (n. Lisboa, 1961). Anima Mea é o título da exposição que abre o calendário deste ano da Ala da Frente, a galeria municipal instalada em 2015 numa das salas do Museu Bernardino Machado, em pleno centro urbano de Vila Nova de Famalicão.

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Desde o passado dia 9 de Fevereiro e até 18 de Maio, o visitante pode fazer uma espécie de viagem entre o céu e o inferno, entre torres (de Babel) e moinhos (de Brueghel), através de uma banda de 29 desenhos a carvão sobre papel de Alexandre Conefrey (n. Lisboa, 1961). Anima Mea é o título da exposição que abre o calendário deste ano da Ala da Frente, a galeria municipal instalada em 2015 numa das salas do Museu Bernardino Machado, em pleno centro urbano de Vila Nova de Famalicão.

A pregnância do gesto e as potencialidades do desenho como forma de inquirição da alma humana são uma das marcas da obra de Alexandre Conefrey, que tem já uma carreira firmada entre Portugal e a Europa, num eixo mais vincado entre Lisboa e Londres.

A presente exposição em Famalicão – e que em 2016 fora já apresentada em Vila Nova da Barquinha – sucede às “fantasmagorias” de Adriana Molder, num calendário que foi aberto, em Maio de 2015, pelo seu pai, Jorge Molder, mas que contou já também com mostras de Rui Chafes, José Pedro Croft, Pedro Cabrita Reis ou Alberto Carneiro.

“A Ala da Frente nasceu com o objectivo de mostrar artistas com um percurso firmado na arte contemporânea em Portugal”, disse ao PÚBLICO António Gonçalves (n. Famalicão, 1975), o curador responsável pela programação da galeria, na véspera da inauguração de Anima Mea.

Artista plástico formado na Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto (FBAUP), Gonçalves foi durante 17 anos, até ao Verão passado, o director artístico do Centro Português do Surrealismo, na Fundação Cupertino de Miranda.

Em 2015, o presidente da Câmara de Famalicão, Paulo Cunha, desafiou-o a elaborar uma proposta de galeria municipal que permitisse mostrar na cidade o que de melhor se vem fazendo na arte portuguesa dos nossos dias. “Entre os espaços disponíveis, achei que esta sala, até por se encontrar já num equipamento cultural municipal e também no centro da cidade, seria a mais adequada”, diz António Gonçalves.

Na verdade, a Ala da Frente é uma sala de apenas 50 metros quadrados à entrada do histórico edifício, o Palacete Barão de Trovisqueira, que agora acolhe o Museu Bernardino Machado – outra figura ilustre da terra, que foi o 3.º e o 8.º Presidente da 1.ª República.

Mas nesse espaço exíguo tanto cabem os 29 desenhos de Alexandre Conefrey, como anteriormente couberam mostras constituídas por apenas três obras de Rui Chafes ou as quatro de Gil Heitor Cortesão. “Cada artista gere o espaço como bem entender”, realça António Gonçalves, acrescentando que alguns deles optaram mesmo por manter abertas as três altas janelas que dão para a rua.

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Paulo Pimenta

Também o curador teve, desde o início, total liberdade para escolher os artistas a expor em Famalicão. “Achei que uma galeria destas, fora dos grandes centros urbanos do país, seria uma oportunidade para desafiar artistas a sair de Lisboa e do Porto e, simultaneamente, mostrar aqui projectos a que normalmente só temos acesso nessas cidades”, diz o curador. E os artistas têm correspondido. “Interessou-me trabalhar no contexto da arte contemporânea portuguesa, com a ambição de trazer nomes que já não suscitam dúvidas”, justifica Gonçalves, lembrando que “Jorge Molder foi a primeira escolha”. “Ao fazer-lhe o convite, e ao pensar noutros artistas para uma primeira programação, com toda a honestidade, não sabia se eles iriam aceitar”. Mas Molder aceitou de imediato, e isso funcionou como “uma chave de entrada para outros artistas e para o projecto”, reconhece o comissário, acrescentando que muitos dos convidados têm mesmo apresentado obras inéditas em Famalicão.

Até ao presente, António Gonçalves não recebeu nenhuma recusa, apenas um ou outro caso em que teve de acertar a sua lista com as datas disponíveis dos artistas contactados. E também já conviveu com coincidências felizes, como o facto de Rui Chafes ter conquistado o Prémio Pessoa e de José Pedro Croft ter sido designado representante de Portugal na Bienal de Veneza quando tinham exposições na Ala da Frente.

Livros dos artistas

Outra marca distintiva do projecto Ala da Frente é todas as exposições serem acompanhadas por um livro, publicado numa parceria da Câmara Municipal de Famalicão com a Documenta, de Manuel Rosa, que “abraçou o desafio também desde a primeira hora”. Não se trata, no entanto, de um catálogo, mas de um livro que, de algum modo, prolonga o espaço físico da galeria, sendo sempre constituído com aquilo que o artista decidir, e não necessariamente com a reprodução das obras em exposição.

“A única coisa rígida é o formato do livro, que é sempre o mesmo”, para permitir que, a cada seis números, se possa fazer um invólucro em cartão – como já aconteceu com os dois primeiros conjuntos de seis volumes completados por Alexandre Conefrey.

António Gonçalves assegurou também desde o início, e com o acordo do autarca famalicense, que estes livros ficariam libertos dos habituais textos institucionais, do presidente, do vereador e mesmo do curador da galeria. “Estas edições são muito limpas, são só os artistas que estão a ajudar a fazer este acontecimento”, nota, realçando que, “ao fim de doze livros e outras tantas exposições”, a programação da Ala da Frente está a permitir “uma catalogação e discussão sobre a arte portuguesa contemporânea a partir das contribuições dos próprios artistas”.

Até final do ano, a Ala da Frente vai mostrar obras (e editar livros) de Francisco Tropa e de Manuel Rosa, num alinhamento que dá continuidade ao programa original de António Gonçalves, que, mais do que um curador, tem gerido e vivido este projecto “mais como um artista que, ao observar o trabalho dos outros, se permite reflectir sobre o seu próprio trabalho”.

Excluindo liminarmente a possibilidade de expor em nome próprio na Ala da Frente – “É uma questão de ética”, justifica –, António Gonçalves trabalha agora para uma nova exposição sua, a mostrar no final do mês de Agosto numa nova galeria que vai abrir em Lisboa, a Cisterna.