Associação pede proibição da venda de herbicidas à base de glifosato
Análises à urina de 44 voluntários portugueses mostra exposição aos herbicidas à base de glifosato mas a própria Plataforma Transgénicos Fora reconhece que não é um estudo científico.
A Plataforma Transgénicos Fora apelou ao Governo para que proíba a venda de herbicidas à base de glifosato, apoie os agricultores e torne obrigatória a pesquisa deste contaminante nas análises à água para consumo. O uso de glifosato, e outros produtos fitofarmacêuticos, é proibido em espaços públicos desde Março de 2017. Mas a sua venda é permitida a portadores do cartão de aplicador profissional de fitofármacos.
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A Plataforma Transgénicos Fora apelou ao Governo para que proíba a venda de herbicidas à base de glifosato, apoie os agricultores e torne obrigatória a pesquisa deste contaminante nas análises à água para consumo. O uso de glifosato, e outros produtos fitofarmacêuticos, é proibido em espaços públicos desde Março de 2017. Mas a sua venda é permitida a portadores do cartão de aplicador profissional de fitofármacos.
O apelo da plataforma, que junta doze associações nacionais em defesa de uma agricultura sustentável, surge na sequência da divulgação dos resultados de um estudo não científico feito em 2018 para testar a presença de glifosato em voluntários portugueses. A plataforma alega que existe “uma exposição recorrente ao herbicida" e aponta para “uma contaminação generalizada por glifosato em Portugal". No entanto, a amostra reduzida e a própria metodologia associada a um processo voluntário em que eram os próprios participantes a recolher e entregar as amostras não permite que se tirem conclusões científicas nem se façam comparações, explica a bióloga Margarida Silva, membro da plataforma.
As análises de urina contaram com a participação de 62 voluntários em Julho – que pagaram o custo das análises (78,20 euros). Destas, 44 fizeram novas colheitas em Outubro. O número de inscritos ficou aquém daquilo que os responsáveis da plataforma esperavam inicialmente. A ideia era fazer um estudo científico, com, pelo menos, uma centena de participantes, em que metade fosse consumidor de produtos biológicos. “Não conseguimos chegar a esse número de inscritos, por isso este estudo não é científico”, esclarece também Alexandra Azevedo, coordenadora da campanha Autarquias Sem Glifosato/Herbicidas. Os resultados não foram comprovados cientificamente – não foram publicados numa revista da especialidade, nem validados por outros cientistas.
Os resultados permitem, ainda assim, que a plataforma conclua que há uma "exposição recorrente ao herbicida" em Portugal, tendo em conta que a maior parte do glifosato ingerido ou inalado é eliminado pelo organismo através da urina em menos de 24 horas. Isto significa que os valores registados na segunda ronda de análises provieram de novos contactos com herbicidas, diz. "Se detectarmos a contaminação ao longo do tempo, quer dizer que há uma exposição permanente", justifica Alexandra Azevedo.
O glifosato é o herbicida mais usado em Portugal, diz a plataforma num comunicado divulgado esta segunda-feira, e está classificado pela Organização Mundial de Saúde como carcinogéneo provável para o ser humano. Embora a Comissão Europeia tenha chegado a conclusões diferentes, as informações recentes mostram que avaliação científica resultou de graves conflitos de interesses, diz a plataforma.
Os resultados das análises da plataforma mostram que em Julho o valor médio de contaminação das amostras de urina foi de 0,35 ng/ml e valor máximo rondou 1,39ng/ml. No mês de Outubro, a média foi de 0,31ng/ml e o valor mais alto de 1,20ng/ml, "o que corresponde a cerca de 300% acima do valor legal na água para consumo", de acordo com o comunicado.
Os participantes no estudo, a maioria residentes em Lisboa e no Porto, “são pessoas altamente motivadas" para o consumo de alimentos biológicos e, por isso, à partida, "menos expostas a este contaminante", salienta Margarida Silva. É uma diferença relevante face ao estudo semelhante que a plataforma realizou em 2016, altura em que nenhum dos 26 voluntários, todos da Área Metropolitana do Porto, "consumia agricultura biológica ou estava ligado a alguma corrente ou preocupação particular com a alimentação", o que poderá explicar o facto de as suas análises terem revelado níveis de contaminação “significativamente menores”.
“Por outro lado a alimentação não é o único veículo de contaminação: a água e o ar são fontes igualmente relevantes e a época do ano também tem influência (usa-se mais glifosato no início da Primavera, precisamente a altura em que as análises de 2016 tiveram lugar)”, nota a plataforma. Esta disponibilizou online algumas sugestões para diminuir a exposição a estes herbicidas.
Contactado pelo PÚBLICO, o Ministério da Agricultura dá conta da diminuição das vendas de glifosato em 22,7% entre 2014 e 2017. De acordo com os dados do Governo, ainda continuavam a ser vendidos 1,3 milhões de quilos de glifosato em 2017. Foi em Março desse ano que pesticidas e herbicidas deixam de poder ser utilizados em espaços públicos, salvo excepções autorizadas pela Direcção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV).
Análises obrigatórias
A plataforma pede ao Governo que torne obrigatória a pesquisa de glifosato nos parâmetros de qualidade nas análises à água de consumo, algo que, adianta o Ministério da Agricultura, já foi recomendado pela DGAV à Agência Portuguesa do Ambiente, a entidade responsável pela fiscalização da água para consumo público.
Quanto à possibilidade de o Governo se responsabilizar pela realização de um estudo "para aferir, de forma conclusiva, os níveis de contaminação da população portuguesa", como pretende a plataforma, a tutela salienta que a European Food Safety Authority se comprometeu a levar a cabo "um estudo alargado e aprofundado sobre os efeitos do glifosato e dos respectivos resíduos na saúde humana". Para esse estudo, "o Governo manifestou total disponibilidade para prestar colaboração".
"Pode dar-se o caso da contaminação ter origem unicamente na água ou ser localizada em zonas muito específicas do país. Não sabemos. Só o Governo poderá fazer este tipo de estudo de forma sistemática e bem financiada", aponta Margarida Silva.
Actualmente os “produtos fitofármacos de uso profissional só podem ser adquiridos e aplicados por portadores do cartão de aplicador profissional de fitofármacos", lembra o gabinete de Luís Capoulas Santos. Com Margarida David Cardoso
Notícia corrigida às 19h45, com declarações de membros da Plataforma Transgénicos Fora que explicam que o estudo que fizeram não é um estudo científico e detalham o número de participantes no mesmo.