Read my lips: “Não há margem”
Centeno fez-me lembrar George Bush (pai) quando, em 1988, disse aos eleitores: “Read my lips: no new taxes” (Leiam os meus lábios: não haverá novos impostos”).
Li as declarações do ministro das Finanças, Mário Centeno, ao Expresso, como se o estivesse a ouvir e a ver. “Não há margem nenhuma para acomodar novos aumentos de despesa”. Fez-me lembrar aquele momento que ficou para a história das campanhas presidenciais americanas em que George Bush (pai) disse aos eleitores: “Read my lips: no new taxes” (Leiam os meus lábios: não haverá novos impostos”). Estávamos em 1988, em plena Convenção Nacional Republicana, em Nova Orleans, e Bush conseguiu ser eleito. Mas não cumpriu o prometido.
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Li as declarações do ministro das Finanças, Mário Centeno, ao Expresso, como se o estivesse a ouvir e a ver. “Não há margem nenhuma para acomodar novos aumentos de despesa”. Fez-me lembrar aquele momento que ficou para a história das campanhas presidenciais americanas em que George Bush (pai) disse aos eleitores: “Read my lips: no new taxes” (Leiam os meus lábios: não haverá novos impostos”). Estávamos em 1988, em plena Convenção Nacional Republicana, em Nova Orleans, e Bush conseguiu ser eleito. Mas não cumpriu o prometido.
Agora, num momento em que a campanha eleitoral está lançada e o Governo é pressionado à esquerda e à direita, por professores, enfermeiros, técnicos auxiliares de diagnóstico, funcionários públicos, etc., Mário Centeno sai-se com uma espécie de “read my lips”, só que em vez de prometer que não sobrecarregará os portugueses com mais impostos, assegura que não pode ceder às suas exigências. Leiam os meus lábios: “não há margem”. Não pode haver aventuras, nem excessos, é preciso razoabilidade e contenção. E o ministro acrescenta: “A meta do défice [0,2%] é para manter”.
É impossível não ler Centeno sem pensar no fim do primeiro governo de Pedro Passos Coelho, quando se dizia que a austeridade estava a acabar, mas que era preciso ir com calma porque a nossa credibilidade internacional dependia ainda de um factor: o cumprimento das metas impostas por Bruxelas. Na altura, como agora, o executivo acenava com o fantasma do regresso do socratismo e da bancarrota para controlar os ímpetos despesistas do eleitorado. Em 2015, a estratégia funcionou - Passos liderava a coligação (com Portas) que venceu a eleições. Mas o resultado não foi suficiente para conseguir governar. Voltará a funcionar? Será suficiente?
Passaram, desde então, mais de três anos com o Governo sempre a regozijar-se de ter quebrado recordes sucessivos de défices baixos. Com Mário Centeno a assumir que quer chegar ao fim da legislatura com a dívida à volta dos 100% do PIB. E com Costa a gabar-se de ter reposto rendimentos e de ter melhorado a vida dos portugueses. Mais de três anos a garantirem, ambos, que o Diabo não viria. Um país cor-de-rosa que só existia na ideia do primeiro-ministro, dizia a oposição, acenando com o acumular de queixas na saúde, por exemplo. Mais de três anos de desafogo para chegarmos aqui e ouvirmos que a (dura) realidade é que não nos podemos constipar sob pena de apanharmos uma pneumonia. "A economia a crescer não dá tudo para todos e já", explicou o primeiro-ministro. E a culpa é outra vez da economia, que está a desacelerar na Europa.
O discurso do Governo que não quer ser aventureiro pode não ser uma boa estratégia para a maioria absoluta (António Costa até já diz que é uma impossibilidade), mas que limita o discurso da oposição, limita. E também colide com promessas já feitas como a de que a Função Pública poderá ter aumentos em 2020 se se mantiver a trajectória definida.
Quem apanhou bem estas nuances discursivas do Governo foi Ricardo Araújo Pereira, num dos últimos programas Gente que não sabe estar. "Parece um método de hipnose. Virámos a página da austeridade! Virámos a página da austeridade! Quando eu estalar os dedos, o teu nível de vida estará muito melhor", brincou o humorista, fingindo hipnotizar os telespectadores. "O grande trunfo político de António Costa é que as pessoas acreditaram nele. E agora, qual é o problema de António Costa? É que as pessoas acreditaram nele."