Nas hackathons corre-se para solucionar um problema social — ou criar empregos

O objectivo é claro: encontrar uma solução para um problema. As hackathons reúnem equipas de profissionais diversos e são utilizadas como “continuação do brainstorming” por algumas empresas. Mas também há eventos onde a maratona digital é protagonista. E os temas são tão vastos quanto as possibilidades.

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Jessica Rinaldi/Getty Images

A meta está cada vez mais próxima, há palmas sincronizadas e a audiência rejubila, os dentes do atleta rangem por um hercúleo esforço final e… Ufa! A maratona está, finalmente, terminada. A interjeição de alívio pode ser utilizada com igual necessidade noutro tipo de maratona — uma em que as pernas dão o lugar aos dedos e a pista é o teclado. Nas hackathons, corre tudo menos o ser humano. O verbo to hack perde a conotação que por vezes lhe é associada: aqui, programa-se e altera-se software para resolver uma questão. Junte-se a isso marathon e temos o neologismo que dá nome a diversos eventos que têm vindo a conquistar terreno em Portugal.

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A meta está cada vez mais próxima, há palmas sincronizadas e a audiência rejubila, os dentes do atleta rangem por um hercúleo esforço final e… Ufa! A maratona está, finalmente, terminada. A interjeição de alívio pode ser utilizada com igual necessidade noutro tipo de maratona — uma em que as pernas dão o lugar aos dedos e a pista é o teclado. Nas hackathons, corre tudo menos o ser humano. O verbo to hack perde a conotação que por vezes lhe é associada: aqui, programa-se e altera-se software para resolver uma questão. Junte-se a isso marathon e temos o neologismo que dá nome a diversos eventos que têm vindo a conquistar terreno em Portugal.

“É uma tendência crescente”, afirma Celso Martinho, 47 anos, da organização da Pixels Camp, evento de tecnologia onde a hackathon é um dos momentos altos. A “transformação digital e as mudanças internas das empresas” são factores auxiliares para o aparecimento de cada vez mais eventos deste tipo por Portugal fora. Podem ser maratonas de programação organizadas por grandes empresas — como aquela sobre mobilidade e blockchain que a Mercedes fez acontecer em 2018 em Lisboa. Ou então algo mais “doméstico”, como as que acontecem por vezes na Turbine Kreuzberg, em busca de novos talentos. Raquel Ponte, desta empresa de comércio digital de Faro, sintetiza o que se passa numa hackathon: “É programar em modo maratona”.

A administradora de negócios de 38 anos vê-a como “uma celebração da inovação”, que se apresenta como “uma espécie de continuação do brainstorming”, reunindo profissionais de diversas áreas. A definição de Celso é semelhante, mas há algo mais: “É um processo livre de metodologias rígidas.” Soltam-se códigos tela fora e as ideias fluem de um lado para o outro. E o tempo é mesmo relativo: estas maratonas podem durar até 48 horas e o próprio nome aponta para uma actividade demorada. Contudo, os hackers “conseguem ter, em horas”, ideias que poderão “levar meses ou anos” a surgir dentro de uma empresa, realça Raquel. Podia ser um sprint, mas a maratona já pegou por cá.

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Pixels Camp

Tanto que quem as organiza já não procura apenas soluções empresariais. No fundo, uma hackathon pode servir qualquer propósito — e ainda contribuir para soluções de desafios sociais, como a aplicação Nursing Assistant Platform, que surgiu numa maratona informática. O mesmo propósito serviu de inspiração para Inês Boski, de 27 anos. Voltou de Talin, Estónia, na altura do incêndio de Pedrógão Grande, em 2017. Perturbou-a o conformismo latente em conversas sobre o assunto: “Notei que, ao longo dos anos, as pessoas viam os incêndios como um mal que tinha de ser aceite.” Por isso, quis ajudar no renascer das cinzas da floresta portuguesa. Sentiu “uma enorme vontade em contribuir para a resolução do problema” e começou a preparar-se para organizar a Fénixhack, que aconteceu em Loulé em Julho de 2018.

Daquela maratona algarvia saíram alguns projectos como o FenixMap, “uma aplicação de acompanhamento para as equipas de bombeiros no terreno”, que pode ainda reduzir riscos “através de um mapa interactivo, mostrando diferentes indivíduos e as suas localizações em tempo real”. “Inteiramente operacional” está o FireLog, que detecta “incêndios no mundo inteiro”, usando para isso a “informação dos satélites infravermelhos da NASA”. Os dois projectos encontram-se no GitHub, uma plataforma online para guardar projectos e que permite, através do sistema git, a edição dos mesmos em tempo real por várias pessoas.

As hackathons são para todos

Projectos como estes encerram algo mais do que códigos. A programação é parte integral, sim, mas há que adaptar os membros de cada equipa à solução que se procura. Na FénixHack participaram — além de programadores — activistas, peritos académicos, engenheiros ambientais ou seguradoras. Isto porque “a solução se encontra através de um grupo que é diverso, viável e interessante”. “Ninguém espera que só os programadores consigam chegar ao objectivo. É sempre preciso consultar outros profissionais — de designers a desenvolvedores de negócios”, explica a organizadora da hackathon. E há lugar para quase todos: “As pessoas têm de perceber que podem contribuir. É um esforço cívico.” Igual mote segue a Hack For Good, organizada pela Fundação Calouste Gulbenkian. Na edição de 2018 foi premiado um add-on (quase como uma ferramenta) para smartphones que ajuda no diagnóstico precoce da doença de Parkinson, o EyeBrain. No ano anterior, fez-se maratona para ajudar os refugiados

Já dá para perceber que a abrangência de temas é quase uma norma nas hackathons. E não existem grandes limites para as organizar: o importante é ter vontade de fazer acontecer. Um evento destes pode ganhar forma a partir das ideias do empresário com décadas de experiência ou do estudante interessado. Esse é o caso de José Gomes, um dos organizadores da 6.ª edição da Shift APPens, marcada para Abril de 2019, em Coimbra. O aluno de 22 anos da academia conimbricense, no quarto ano de Design e Multimédia, assegura que o ambiente da hackathon que organiza é “descontraído”. O evento é também organizado pela sua colega de curso Catarina Lopo Mendes, de 21 anos, da jeKnowledge, empresa júnior da universidade.

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Catarina Lopo Mendes, da jeKnowledge DR

“Não procuramos tanto o produto final, mas antes a diversão. E fazer com que os participantes aproveitem Coimbra”, explica. Apesar de o evento não ser “exclusivo para estudantes”, é neles que o evento se foca; assim, há também espaço para palestras. Conforto é palavra-chave e existem espaços para “alimentação, higiene e descanso” — até porque, no meio da diversão, pode haver oportunidades para os jovens académicos. “Nota-se um crescimento de participantes, mas também de empresas, que podem apostar nestes eventos para observar alguns talentos”, refere.

Novos desafios, novas soluções — até no recrutamento

Na volta, há empresas como a de Raquel Ponte a investir em hackathons. “Faz parte da nossa cultura. É uma forma de recrutar ou de descobrir novos talentos”, diz. E quando não as organizam com esse intuito, fazem-no para “dar azo à criatividade dentro da empresa”. A nível empresarial, pode ser uma opção “para a melhoria e expansão do seu modelo de negócio”. “Os hackers apercebem-se muito melhor dos problemas externos: de modo figurativo, é como se vislumbrassem todo o ecossistema organizacional”. Umas voltas no teclado durante largas horas e, regra geral, aparecem soluções — mas as novas ideias “costumam surgir apenas quando os desafios são, também eles, novos”.

Para Celso Martinho, também presidente executivo da Bright Pixel (a empresa por detrás da Pixels Camp), o maior propósito é “estar perto da comunidade de talento em Portugal”, que “cada vez tem mais procura do que oferta”. Contudo, difere da opinião de que as hackathons podem ser utilizadas como forma de recrutamento — pelo menos em eventos como aquele que organiza: “Não é sequer a forma mais eficiente. O público participante não gosta muito de processos agressivos. Vai-se a uma hackathon pelo interesse e pela tecnologia.”

O público da Pixels Camp costuma ser “muito jovem, até porque o segmento mais dominante é o dos universitários ou recém-formados”. Seja pela curiosidade ou pela procura de emprego, há medidas “de prevenção” a tomar quando se participa numa hackathon. Raquel Ponte alerta para as maratonas digitais organizadas “por grandes empresas tecnológicas” com o “único intuito de suprir as suas próprias necessidades, aproveitando-se de ideias, criatividade e mão-de-obra gratuitas”. Inês Boski refere que situações como esta podem “dar uma conotação dúbia às hackathons”, já que alguns participantes acabam por “trabalhar de graça”.

Para a organizadora da Fénixhack (que não tem data prevista para uma segunda edição), o objectivo das hackathons deve passar por tornar a tecnologia “acessível, transparente e flexível e saber como isso pode ajudar nas demandas de diferentes factores”. É correr para atingir um objectivo. Na maratona olímpica, uma medalha de ouro. Nas hackathons, uma solução que deixe o júri ou os colegas de trabalho surpreendidos e que seja uma mais-valia. Cordões apertados, ideias e criatividade afinadas: uma hackathon pode correr com qualquer problema.