Rico mas degradado, museu de Beja passa para a alçada da Cultura
Durante quatro décadas, os autarcas da região esgrimiram argumentos sobre quem deveria gerir o museu regional mas a resposta agora encontrada, que o transfere para a alçada nacional, está a provocar celeuma.
Quando a cultura é encarada como “um gasto”, a gestão do património acaba por revelar o “desleixo” com que sucessivos executivos municipais e intermunicipais encararam a gestão do Museu Regional Rainha D. Leonor, instalado no Convento Nossa Senhora da Conceição, em Beja, e que é monumento nacional. A crítica foi formulada por Florival Baiôa, presidente da Associação para a Defesa do Património Cultural de Beja (adpBEJA), na quarta-feira, durante o debate que se realizou na biblioteca municipal para discutir a transferência da gestão do museu regional para o Ministério da Cultura. E alguns receiam que esta decisão leve à transferência de parte do valioso acervo do museu.
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Quando a cultura é encarada como “um gasto”, a gestão do património acaba por revelar o “desleixo” com que sucessivos executivos municipais e intermunicipais encararam a gestão do Museu Regional Rainha D. Leonor, instalado no Convento Nossa Senhora da Conceição, em Beja, e que é monumento nacional. A crítica foi formulada por Florival Baiôa, presidente da Associação para a Defesa do Património Cultural de Beja (adpBEJA), na quarta-feira, durante o debate que se realizou na biblioteca municipal para discutir a transferência da gestão do museu regional para o Ministério da Cultura. E alguns receiam que esta decisão leve à transferência de parte do valioso acervo do museu.
A decisão foi tomada em Conselho de Ministros no dia 7 de Fevereiro com a aprovação do decreto-Lei que estabelece o regime jurídico de autonomia de gestão dos museus, monumentos e palácios. No caso do Museu Regional Rainha D. Leonor, haverá uma gestão partilhada entre a Câmara de Beja e a Direcção Regional de Cultura do Alentejo (DRCA).
A opção da tutela surpreendeu o próprio presidente da Câmara de Beja, Paulo Arsénio. No entanto, ao longo das últimas 40 décadas, as críticas à gestão, primeiro distrital, depois intermunicipal, do museu regional era um tema recorrente quando se analisava a progressiva degradação da estrutura que acolhe um rico e vasto espólio nomeadamente, colecções de pintura, arqueologia, azulejaria, escultura, ourivesaria, cerâmica utilitária, numismática metrologia e ferragens. Destaca-se, ainda, o núcleo de pintura que reúne obras produzidas em Portugal, Espanha e Holanda, entre os séculos XV e XVIII.
A Comunidade Intermunicipal do Baixo Alentejo (Cimbal) é a principal visada nas críticas de Florival Baiôa por ser a entidade que geria, desde Março de 2015 o museu regional. Antes era a Assembleia Distrital de Beja, que foi extinta pelo anterior Governo. “A Cimbal sempre se quis libertar do museu. Nem os presidentes de câmara iam às reuniões”, criticou o presidente da adpBEJA.
O presidente da Cimbal e autarca de Mértola, Jorge Rosa, justificou que uma comunidade intermunicipal, que integra 14 municípios do Baixo Alentejo, “não tem condições para gerir convenientemente um museu com a dimensão e a importância que tem” a estrutura instalada na capital do distrito. Jorge Rosa tem sob sua gestão 13 núcleos museológicos e um dos mais importantes acervos patrimoniais do país, que classificam Mértola como a Vila Museu.
O autarca considera o futuro modelo de gestão como a decisão “ideal para que o museu seja valorizado como merece”.
No mesmo sentido se pronunciou o Secretariado do Partido Socialista de Beja que, através de comunicado de imprensa, realçou “o importante momento que Beja está a atravessar com a transferência do Museu Regional para a tutela da Direcção Regional de Cultura do Alentejo”.
O acervo fica em Beja?
O PS de Beja acredita que a solução encontrada levará o património concentrado em Beja a um público “muito mais alargado”, através da rede nacional de museus, e que terá “um enorme impacto para o turismo”.
Também o PCP, através do deputado João Dias, se pronunciou sobre a decisão do Ministério da Cultura, reclamando um esclarecimento mais preciso sobre a gestão partilhada, lembrando que o museu de Beja “sempre foi muito mal-amado”. O deputado assinala que a “degradação” do equipamento “tem sido o caminho seguido” ao longo dos últimos 40 anos, 35 dos quais com executivos municipais e intermunicipais de maioria comunista.
Menos optimista, o presidente da Câmara de Beja, entidade que é responsável por 60% dos encargos que a Cimbal suporta com a gestão do museu, interroga-se: “A Direcção Regional de Cultura do Alentejo tem melhores condições que a câmara? Não há certezas absolutas sobre se esta é a melhor solução.”
Por outro lado, e respondendo à questão que maior celeuma está a provocar na comunidade: o que poderá acontecer ao espólio do museu. Paulo Arsénio assume: “Não posso garantir que o acervo não possa ir temporariamente para outros museus.” No entanto, espera que o novo modelo de gestão “traga mais turistas a Beja.”
Ana Paula Amendoeira, directora Regional de Cultura do Alentejo, garantiu, no debate organizado pela adpBEJA, que “não há nenhuma razão para recear a transferência dos acervos. Ninguém vai tocar no acervo do museu nem espoliá-lo para outro sítio. Isso não pode acontecer.”
De entre as peças mais importantes do acervo patrimonial do museu de Beja destaca-se a imagem recentemente identificada de uma das mais raras cabeças do 1.º Imperador romano Júlio César, executada em mármore, e a mais antiga pintura do Ecce Homo conhecida em Portugal.
Num balanço cronológico que fez dos últimos anos para superar a indefinição que tem marcado a gestão do museu regional, Paula Amendoeira destacou várias iniciativas junto de ministros e secretários de Estado da Cultura para encontrar um modelo de gestão eficaz uma vez que os autarcas garantiam não ser capazes de a assegurar, por escassez de verbas, sobretudo no caso da necessária recuperação de um edifício que revela progressivos sinais de degradação.
Florival Baiôa lembrou “o caos que se passa nos outros museus da rede do Ministério da Cultura”, o que o leva a admitir que “o caos vai ser o mesmo” no Museu de Beja. E diz ter receio que “pontos de atracção (acervo) possam desaparecer”.