Um cinco estrelas para tornar Vila Real de Santo António grande outra vez

Durante anos esquecida pelos turistas que enchiam a vizinha Monte Gordo, Vila Real de Santo António desperta agora, novamente orgulhosa da sua história e urbanismo iluminista. A reabertura do Hotel Guadiana, agora Grand House Algarve, é um dos símbolos deste renascimento.

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Tiago Paula de Carvalho

Nos anos 20 do século passado, o Grande Hotel Guadiana erguia-se, majestoso, em frente ao rio que lhe dá o nome, na marginal de Vila Real de Santo António. Era a época de ouro da indústria conserveira no Algarve e a família Ramirez, que fora pioneira do negócio, tendo criado a primeira fábrica em 1853, voltava a mostrar-se visionária ao encomendar ao arquitecto de origem suíça Ernesto Korrodi o projecto para aquele que seria o primeiro grande hotel a sul do Tejo. Em 1926, o Grande Hotel Guadiana abria as portas, em grande estilo.

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Nos anos 20 do século passado, o Grande Hotel Guadiana erguia-se, majestoso, em frente ao rio que lhe dá o nome, na marginal de Vila Real de Santo António. Era a época de ouro da indústria conserveira no Algarve e a família Ramirez, que fora pioneira do negócio, tendo criado a primeira fábrica em 1853, voltava a mostrar-se visionária ao encomendar ao arquitecto de origem suíça Ernesto Korrodi o projecto para aquele que seria o primeiro grande hotel a sul do Tejo. Em 1926, o Grande Hotel Guadiana abria as portas, em grande estilo.

Com ele “nunca mais a estalagem algarvia, sempre problemática, meterá medo aos forasteiros”, escrevia a imprensa da época. “Nunca mais haverá desculpa para todo o português, que se preze de conhecer a sua terra, de ignorar esse extremo e adorável rincão do antigo reino dos Algarves.”

A publicidade a este “hotel de primeira ordem, em edifício especialmente construído para esse fim”, apresentava-o como “o mais cómodo do Sul do país”, com descontos especiais para “famílias, hóspedes permanentes e viajantes comerciais”, numa piscadela de olho ao facto de Espanha estar a poucos quilómetros – com Ayamonte mesmo do outro lado do Guadiana. Aliás, logo em 1929, Sevilha organizou a Exposição Universal, que trouxe muitos visitantes e terá certamente animado a vida do hotel.

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A marina e o Grand House Tiago Paula de Carvalho

Durante as décadas seguintes, este foi um dos edifícios mais emblemáticos da vila fundada em 1774 por ordem do Marquês de Pombal no local da antiga Santo António de Arenilha. Mas, com o passar do tempo, tal como Vila Real de Santo António entrou num certo adormecimento e foi assistindo à morte lenta da indústria das conservas (até a fábrica Ramirez acabou por se mudar para o Norte), também o Hotel Guadiana atravessou momentos menos bons.

Agora, reabre como Grand House, ostentando cinco estrelas, e com o objectivo de fazer renascer não apenas o edifício, que durante muitos anos esteve fechado e ao abandono, mantendo como únicos habitantes os pombos, mas também de ajudar Vila Real de Santo António a conquistar o lugar devido no mapa do turismo nacional (o Grupo Pestana está igualmente atento e já anunciou a construção da uma Pousada na praça principal).

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Imagem antiga do Grande Hotel Guadiana dr

Se, no passado, a proximidade com Espanha foi um grande trunfo, inclusive para a indústria conserveira, os novos donos do Grand House acreditam que hoje continua a ser. Tal como a história e o desenho urbano muito particular daquela que é tantas vezes chamada a “pequena Lisboa”.

A estrutura do hotel não mudou, continuamos a poder subir a bonita escadaria principal desenhada por Korrodi, a percorrer os corredores, descobrindo recantos e outras escadas mais pequenas que nos levam, por exemplo, a um terraço (que pertence a um dos quartos) de onde temos uma vista que abarca o Guadiana, a marina e a avenida principal. roof top do hotel oferece, por seu lado, a vista oposta, a da cidade iluminista, de linhas rectas e edifícios baixos, imaginada pelo Marquês, tendo, no centro, a ampla Praça Real, hoje Praça Marquês de Pombal. 

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A partir do interior do hotel, seja dos quartos (31, sendo 15 duplos, três suítes e 13 quartos individuais), seja do bar ou do restaurante, o elemento dominante são as janelas, cada uma com padrões geométricos ligeiramente diferentes das outras. Na suíte em que a Fugas ficou, a luz do sol e o azul do rio e do céu entram por três grandes janelas, acompanhando a esquina arredondada do edifício.

Vemos em fotografias de há dois ou três anos o estado em que se encontrava o interior antes da remodelação, com a decoração datada, em tons de rosa, a tentar manter uns restos de dignidade enquanto a sujidade provocada pelos pombos se acumulava. As obras tiveram, por isso, que ser profundas.

Uma das poucas coisas que, no interior, sobreviveu do hotel original foi o móvel do bar em madeira escura trabalhada. Com a decoração actual, da responsabilidade do atelier White & Kaki, sofás e cortinados têm agora riscas brancas e azuis e todo o espaço ganhou um certo ar colonial, evidente, por exemplo, no salão de refeições, onde ventoinhas se agitam sobre as nossas cabeças.

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O grupo que investiu na recuperação do Grand House quer que este espírito contagie Vila Real de Santo António e, por isso, o projecto inclui dois outros espaços: o Beach Club, que abriu no Verão e recupera uma antiga base militar também abandonada, à beira do Guadiana; e o Grand Café, com abertura prevista para o Outono noutro dos grandes edifícios históricos da vila, o da Alfândega, na frente ribeirinha, a dois passos do hotel.

Marita Barth, directora do hotel, alemã a viver no Algarve há muitos anos (e a trabalhar também há muito na hotelaria de luxo algarvia), convida-nos a espreitar a Alfândega, abrindo a grande porta com uma chave enorme, vinda de outros tempos.

Central no plano do Marquês, para permitir a cobrança de impostos e combater o contrabando, a Alfândega tem a fachada principal virada para o rio e a de trás voltada para o edifício da Câmara Municipal que, por sua vez, dá para a antiga Praça Real (onde, à direita e fora deste eixo principal, surge a Igreja).

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O edifício da Alfândega Tiago Paula de Carvalho

Aqui será o Grand Café, ao estilo dos finais do século XIX, inícios do século XX, aberto à cidade. Noutra sala, na parte das traseiras, haverá uma loja com objectos de diferentes designers. E no primeiro andar pretende-se fazer nascer um clube privado, para clientes do hotel e sócios, com, exemplifica Marita, uma sala de cinema que pode ser usada para reuniões ou pequenas conferências e outra sala para “charutos e Porto”.

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O Beach Club Tiago Paula de Carvalho

A completar o trio, está, na Ponta da Areia, o Beach Club, mais descontraído, com uma pequena piscina e espreguiçadeiras de onde se pode ficar a olhar a foz do Guadiana, e, a meio caminho entre Portugal e Espanha (aqui era um importante ponto de controlo fronteiriço, daí a existência de uma base militar), uma língua de areia que se pode alcançar de barco, levando um piquenique preparado pelo restaurante.

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“Queremos pôr Vila Real de Santo António no mapa da Europa”, diz Marita. Isso significa não apenas oferecer aos visitantes um hotel de cinco estrelas, mas apresentar-lhes uma terra a partir da qual se pode num dia visitar Espanha (Sevilha fica a uma hora e meia de distância) e comer tapas e no outro ver os flamingos no sapal de Castro Marim. Nos anos 20 diríamos que é uma oportunidade para descobrir “esse extremo e adorável rincão do antigo reino dos Algarves”. Mas, em pleno século XXI, Marita opta por citar o mote de todo este projecto, mais curto e em inglês: “Ain’t life Grand?”.

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Quando um chef alemão se converte aos produtos do Algarve

O chef Jan Stechemesser é um alemão já muito português. Chegou pela primeira vez em 2002 para trabalhar no Vila Joya, mas passou depois por vários outros restaurantes, do também algarvio São Gabriel (ainda antes de Leonel Pereira) ao Marriot, em Lisboa, passando pelo Longevity, em Monchique. Agora assumiu as cozinhas do hotel Grand House e do Beach Club, dois espaços diferentes, um com uma cozinha mais de autor, o outro mais descontraído, mas ambos com a mesma preocupação: usar ingredientes algarvios e servi-los da forma que mais valorize os sabores de cada um.

No Grand House, por agora há apenas menu de degustação, que pode ter três ou cinco pratos e começa por um couvert que inclui muxama de atum, típico do Algarve, depois uma ostra com Bloody Mary e maçã Granny Smith, ravioli com camarão tigre e salmonete, e um prato de peixe, com salmonete, funcho, puré de couve-flor, e o prato de carne, com carne maturada.

No Beach Club, que é também um bar de cocktails, explica o chef, encontra-se mais comida de conforto, servida durante o almoço e a tarde (começará a servir jantares quando o tempo estiver mais quente). Há pizzas, com bons ingredientes, pode-se pedir uma burrata (a burrata e o vinagre balsâmico são italianos mas os diferentes tomates que os acompanham são portugueses) ou um ceviche.

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Mas também se pode optar por pratos mais portugueses, como os choquinhos à algarvia ou o polvo, que Jan Stechemesser gosta de servir o mais simples possível: na grelha, com um bom azeite (usa o algarvio Monterosa), flor de sal também da região (Salmarim) e ervas frescas da pequena horta nas traseiras do restaurante. E até na sobremesa, o que pode parecer um normal leite-creme tem laranja do Algarve, para não esquecermos onde nos encontramos.