Anacom propõe baixar custos "incomportáveis" com fidelizações
A actual legislação permite que as compensações pela denúncia antecipada do contrato no final do sexto mês possam superar os mil euros no caso dos pacotes de serviços mais completos, diz a Anacom. Regulador quer mudar as regras para baixar custos aos clientes, operadores contestam e dizem que preços vão subir.
A Anacom entregou este mês ao Governo e à Assembleia da República (AR) um conjunto de propostas de alteração à Lei das Comunicações Electrónicas que toca em vários temas. De todos, o que promete vir a causar mais polémica, pela reacção da Apritel, a associação que representa os operadores, é novamente o tema das fidelizações nos contratos.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
A Anacom entregou este mês ao Governo e à Assembleia da República (AR) um conjunto de propostas de alteração à Lei das Comunicações Electrónicas que toca em vários temas. De todos, o que promete vir a causar mais polémica, pela reacção da Apritel, a associação que representa os operadores, é novamente o tema das fidelizações nos contratos.
O regulador, João Cadete de Matos, foi ouvido na quarta-feira no Parlamento e apresentou aos deputados alguns dados para justificar porque é que considera que a legislação sobre as compensações por denúncia antecipada do contrato – que entrou em vigor em Junho de 2016 – é um entrave à mudança de operador.
No cerne da questão não está a existência de prazos de fidelização (que a Anacom defende que se devem manter), mas sim o modo como as compensações são calculadas. A Anacom propõe que os encargos passem a ter um limite máximo definido em função de uma percentagem das mensalidades vincendas: 20% na primeira metade do período de fidelização e 10% na segunda metade do período de fidelização.
O que se pretende com esta “proposta equilibrada” é “tornar claras as regras associadas aos contratos” e garantir que as compensações “não atinjam valores incomportáveis”, embora continuando a “existir um compromisso, tendo em conta a média dos custos dos operadores”, disse Cadete de Matos na comissão parlamentar de Economia (onde foram desenhadas as regras que actualmente estão em vigor e que voltará a discutir o tema, pois existem propostas de alteração do PEV, do Bloco de Esquerda e do PSD).
Para as empresas, que se queixam de não terem sido ouvidas pelo regulador, o que aí vem (se o legislador acatar as recomendações) tem “consequências muito graves”. Segundo a posição divulgada pela Apritel, “pôr fim à fidelização levará, inevitavelmente, ao aumento dos custos de activação e instalação a suportar pelos clientes no momento inicial da adesão ao serviço, ao aumento das mensalidades e à diminuição da quantidade de produtos e de descontos oferecidos”. Diz a associação que, “contrariamente ao que se pretende”, a mudança “conduzirá a menos mobilidade dos clientes”.
"Sem a possibilidade de alguma estabilidade contratual, o sector não vai conseguir ter preços compatíveis com o poder de compra em Portugal",afirmou à TSF a secretária-geral da Apritel, Daniela Antão.
O regulador explicou aos deputados que a Anacom fez um “diagnóstico à aplicação da lei” e concluiu que já houve “um incremento dos custos com taxas de activação e instalação e que em muitos casos foram equivalentes ao que se procurou corrigir”, que era que a compensação pela cessação antecipada não podia equivaler às mensalidades vincendas.
Pelas contas do regulador, “no caso das actuais ofertas, os encargos a suportar pelos assinantes em caso de denúncia antecipada de contratos com fidelização podem atingir, por exemplo”, em caso de denúncia ao fim de seis meses, “valores superiores a 600 euros no caso de ofertas 3P [televisão, Internet e telefone]” e no caso das ofertas que só têm serviço móvel, o valor pode rondar os 200 euros. Contudo, se o consumidor tiver contratado um pacote 4P ou 5P (que acrescentam ao 3P o serviço móvel e a Internet móvel e que podem abranger vários equipamentos por assinante), então a denúncia do contrato no final do sexto mês pode resultar em encargos de “valores superiores a 1000 euros”, diz a entidade reguladora.
Na prática, o que a Anacom pretende é uma espécie de regresso à casa de partida, ou seja, que o valor das compensações “deixe de estar associado às vantagens que justificam a fidelização”, para voltarem a ser calculadas com base nas mensalidades vicendas – com a grande diferença de que passa a haver um tecto.
Por exemplo, para um cliente com uma oferta 4P (e fidelização de 24 meses) a quem tenha sido atribuído um valor total de descontos e vantagens de 611 euros, sem IVA (a Anacom diz que se trata de um caso real), o custo actual de rescindir ao fim do sexto mês seria de 458,41 euros e, ao fim do 13º mês, de 280,14 euros. Mas aplicada a fórmula dos limites de 20% e 10% das mensalidades vincendas (e assumindo neste caso que a mensalidade são 66,99 euros), o encargo desceria para 241,17 euros e 73,69 euros, respectivamente. Ou seja, as compensações poderiam cair 47% e 74% num caso e noutro.
“Aumento artificial das vantagens”
Antes da mudança legislativa, a prática habitual dos operadores era a de cobrarem automaticamente o somatório das mensalidades restantes até ao final do contrato. Agora a compensação não pode ser superior aos custos de instalação e deverá ser proporcional à vantagem que foi conferida (um equipamento, descontos pelo débito directo, ofertas de canais premium, ou mesmo a oferta ou descontos da taxa de instalação e/ou activação, por exemplo) e identificada e quantificada logo à partida no contrato.
Como “consequências” desta mudança "houve um aumento artificial das vantagens que passaram a equivaler aos encargos vincendos”, nomeadamente pelo “aumento dos custos de instalação e activação atribuídos como vantagem”, diz a Anacom. Não só se introduziram na lei “conceitos indeterminados e dificilmente determináveis” (como a identificação dos custos com a instalação do serviço), como se criaram “situações de informação pouco clara sobre o leque de vantagens” usados para calcular o valor da compensação. Diz ainda o regulador que algumas destas vantagens, como por exemplo “a taxa de instalação e activação cobrada aos clientes que não se fidelizam”, “foram, aparentemente, inflacionadas após a alteração” à lei, em 2016.
Tomando como exemplo (no gráfico divulgado por Cadete de Matos na AR) a evolução da taxa de instalação e de activação para um pacote 3P desde a alteração legislativa, a Anacom refere que houve um aumento médio de 46%. No caso da Nos e da Meo, o valor da taxa era de 300 euros (valores com IVA) em Junho de 2016 e agora está nos 400 euros e 350 euros, respectivamente. Na Vodafone o valor passou de 120 para 270 euros e na Nowo (que apenas agravou a taxa a partir de Setembro passado), de 150 para 250 euros.
A Anacom defende que as suas propostas são “orientadas para a necessidade de se obter um compromisso e um justo equilíbrio” entre o equilíbrio concorrencial entre empresas, protecção dos consumidores, liberdade contratual e “estabilidade e remuneração dos investimentos nas infra-estruturas e equipamentos”.
Mas as empresas asseguram que esta “proposta tão disruptiva” não é mais do que “uma forma dissimulada de acabar ou restringir severamente” um instrumento “que tem permitido aos consumidores ter acesso a produtos e serviços com elevada qualidade e aos melhores preços” e sustentam que isso “reduzirá a capacidade de inovação e de investimento dos operadores” e “ficará comprometido o investimento na tecnologia 5G e a digitalização de Portugal a 100%”.