Pedro Marques: “A alternativa a taxas europeias é aumentar impostos nacionais”
Em entrevista, o cabeça de lista do PS às europeias defende que “a resposta à crise financeira contribui para afirmar os nacionalismos porque dividiu os europeus”.
O ex-ministro do Planeamento Pedro Marques diz que o regresso ou a recusa dos nacionalismos é o que realmente vai a votos nestas eleições europeias. Na entrevista PÚBLICO/Renascença, que pode ouvir esta quinta-feira às 12 horas, o socialista admite que a resposta da Europa à crise financeira foi uma razão para o aumento dos populismos, nacionalismos e extrema-direita.
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O ex-ministro do Planeamento Pedro Marques diz que o regresso ou a recusa dos nacionalismos é o que realmente vai a votos nestas eleições europeias. Na entrevista PÚBLICO/Renascença, que pode ouvir esta quinta-feira às 12 horas, o socialista admite que a resposta da Europa à crise financeira foi uma razão para o aumento dos populismos, nacionalismos e extrema-direita.
No sábado estava notoriamente contente. Por que é que esta escolha o deixou tão contente?
É uma enorme responsabilidade. Tenho toda a vontade e disponibilidade de afirmar o projecto político que executámos em Portugal e procurar afirmá-lo na Europa. O aumento do emprego através do investimento, a redução das desigualdades, como as políticas que foram acompanhando o aumento do salário mínimo, o aumento das pensões, a reposição de rendimentos e ao mesmo tempo com contas certas. Esta tríade ‘emprego, menos desigualdades, contas certas’ é todo um projecto político. E é essa satisfação que esta candidatura representa para mim.
Mostrar Portugal como exemplo para a Europa, vai ser essa a onda da sua campanha?
É certamente um dos elementos mais fortes desta campanha. No início diziam que não era possível, cá em Portugal os partidos de direita anunciavam o diabo, o quarto resgate.
A convenção de sábado também consagrou a saída de Francisco Assis. Como vê esta saída e o futuro de Assis no PS?
Francisco Assis interpretou plenamente aquilo que é ser socialista no Parlamento Europeu (PE). O PS entendeu, e tem sido sempre assim, renovar. O secretário-geral do PS já o disse: contamos certamente com o Francisco Assis, como ele próprio já afirmou estar disponível, para a unidade e para o futuro da acção política do PS.
Para a unidade em termos de eleições europeias. Mas como vê o futuro de Assis cá dentro, dentro do PS?
Vejo com normalidade que alguém que afirmou algumas discordâncias, como o Francisco Assis, exerça a sua acção política cá.
António Costa disse que eram as eleições mais importantes desde que votamos para o PE... Como vai fazer com que as pessoas votem mesmo para o PE e não para premiar ou castigar o Governo?
Temos uma mensagem muito diferente da direita europeia sobre as políticas que queremos executar na Europa, mas para isso é preciso força no PE. E precisamos de uma grande coligação de europeístas e progressistas a defender o projecto europeu. Existe o risco do regresso aos nacionalismos, em partidos de extrema-direita estamos a falar mesmo de xenofobia e isso é completamente contrário ao projecto europeu. E é isso que vai a votos quando votarmos nas eleições para o PE.
Como é que os socialistas europeus, que sempre foram irmãos gémeos do PPE na defesa do Tratado Orçamental e das regras draconianas da União Europeia (UE) podem combater os nacionalismos e dizer “nós somos diferentes"? Podemos estar em vésperas de uma recessão, a Alemanha e a Itália estão em situações complexas, que armas é que os socialistas têm para dizer “nós temos uma alternativa se vier uma crise"?
Não temos só armas, temos o exemplo do que fizemos aqui em Portugal. Havia quem dissesse que não seríamos capazes de executar as políticas que defendíamos sem pôr em causa as contas públicas ou então que para cumprir as regras europeias não iríamos fazer nada do que tinha sido prometido. Nós podemos dizer à Europa agora: “sim, é possível”. Emprego, combate à pobreza e contas certas - esta é a mensagem do Partido Socialista Europeu (PSE). Enquanto estávamos a fazer isto em Portugal, a direita europeia continuava a dizer que não era possível e os candidatos da direita a dizer que Portugal estava a caminho do quarto resgate. Não temos entre os nossos figuras como Órban, que estão a fechar a Hungria, que estão a tentar fechar a Europa, que estão a afirmar nacionalismos exacerbados, a dizer mal da Europa. Nós não temos desses entre os nossos. É uma grande diferença.
Deve a UE sancionar países como a Hungria e a Polónia de forma mais veemente para evitar essas derivas ou as sanções podem ser contraproducentes e aumentar os sentimentos anti-europeus?
Tem sido feita uma pressão muito grande em relação à Hungria e à Polónia por parte da UE. O PSE tem denunciado de forma muito forte essa atitude em relação à situação da democracia interna. Tenho algumas dúvidas de que tentar pôr em causa os apoios da coesão em relação a esses países seja o caminho que devemos percorrer.
Ficamos só com a condenação verbal?
No contexto das instituições europeias temos vindo a condenar politicamente e recusar essa visão xenófoba e nacionalista. Já a retirada de fundos de coesão aos cidadãos da Europa, porque alguns dos seus líderes afirmam esse tipo de visão, pode exacerbar os nacionalismos nesses países. Julgo que há um debate para continuar, mas há sobretudo uma condenação política e um afirmar claro, do lado do PSE e do PS português que esse caminho nunca será o nosso. Eu nunca vi essa clareza da parte da direita portuguesa que, aliás, aceitou a permanência de Órban no PPE.
Não acha que a Europa também fez o possível para o crescimento do eurocepticismo? A maneira como a Europa lidou com a crise foi trágica.
A resposta à crise parece-me hoje consensual e até o presidente da Comissão Europeia que vem do PPE reconhece que foi uma resposta errada porque exacerbou as desigualdades que a crise já estava a produzir. Nós, no PSE, não acreditamos nessa resposta à crise e defendemos um modelo muito mais próximo daquilo que estamos a implementar em Portugal nestes anos.
Uma sondagem divulgada esta semana pela UE dava menos de 50% ao PSE e ao PPE nas eleições europeias. Acha ainda possível inverter isto?
As perspectivas vão dando a ideia de alguma pulverização do PE, mas os dois blocos dominantes continuam a ser o PSE e o PPE, com um papel importante dos liberais europeus. Há de facto uma sobre-representação em relação ao passado de alguns blocos antieuropeístas. Reconheço, de facto, que a resposta à crise, em termos europeus, contribuiu para a afirmação desses nacionalismos porque não aproximou os europeus, antes os dividiu. Entretanto, a Europa arrepiou caminho, com o Banco Central Europeu, com a União Bancária, com a aprovação em Dezembro do princípio do caminho para a constituição do orçamento da zona euro. Isto são boas notícias que acredito que nos ajudarão a garantir que aqui em Portugal e na Europa afirmaremos mais a mensagem dos europeístas.
Nesta campanha tem-se falado muito dos impostos europeus. O PS defende o aumento das contribuições para a Europa, tem o CDS em cima.
Não vale a pena agitar papões da criação de impostos europeus que nem sequer estão previstos nos tratados. Defendemos o aumento das receitas próprias da UE que é a única forma de ter um orçamento europeu mais ambicioso sem estarmos a pedir mais impostos aos cidadãos ou às empresas portuguesas. Não consigo compreender a posição do CDS que veio dizer “não”, mas ao mesmo tempo defende mais ambição para o orçamento europeu. Então provavelmente está a defender mais impostos para os portugueses. O orçamento europeu não se financia do éter. Ou se financia com receitas nacionais transferidas para a Europa ou com receitas próprias da UE. Estamos disponíveis para discutir receitas próprias da UE que correspondam a novas contribuições de empresas do sector digital ou das transacções europeias. Aliás, nunca conseguiremos taxar essas empresas se avançar um país individualmente. Se determinarmos que taxamos essas multinacionais que hoje pagam pouco ou quase nada em sítio nenhum, fazendo dessa uma receita europeia, não temos que criar nenhum imposto adicional ou aumentar impostos no país. Todos lutamos pelo mesmo, mais ambição para o orçamento europeu. Mas depois há os que acham que é possível haver receitas próprias europeias para não taxar os cidadãos nacionais e há os outros que, ao não dizer a primeira coisa, provavelmente estão a defender mais impostos em Portugal, como talvez seja o caso do CDS.
Acha que o pacote financeiro ainda pode ficar fechado antes das europeias ou vai ser o ponta de lança dessa negociação?
Acho difícil que o acordo do quadro financeiro plurianual ocorra até às eleições europeias. Acredito que seja depois das eleições que se feche esse acordo. Não posso deixar de salientar o trabalho que foi feito para que a primeira proposta da Comissão Europeia já fosse melhor, em termos de evolução relativa, do que aquilo que foi o acordo final do quadro comunitário anterior e que essa primeira proposta da comissão já cumprisse integralmente o acordo que celebrámos com o PSD, apesar de agora Paulo Rangel dizer coisas diferentes sobre a matéria. Lutámos muito, mas não estamos satisfeitos com essa primeira proposta. Mesmo que tenhamos conseguido uma evolução adequada na política de coesão a preços correntes, por comparação com o quadro anterior, não nos satisfaz. E também não nos satisfaz aquilo que foi a proposta para o segundo pilar da Política Agrícola Comum (PAC).
Foi agora criado o Ministério do Planeamento. Parece que o primeiro-ministro não quis dar os fundos a Pedro Nuno Santos...
A afirmação do Ministério do Planeamento como ministério autónomo é a afirmação da centralidade da política de planeamento e desenvolvimento regional e do financiamento europeu às políticas nacionais por parte do primeiro-ministro na orgânica do Governo. Trabalhámos muito para garantir um nível adequado de execução do Portugal 2020. Conseguimos que Portugal esteja em primeiro lugar na execução dos fundos comunitários, entre os países com envelopes financeiros relevantes. Os relatórios oficiais têm lá acima de 7 mil milhões de euros, isto para deixar toda a gente esclarecida. Conseguimos também que Portugal alcançasse um acordo dificílimo de reprogramação do Portugal 2020, que acrescentou só na área das empresas mais 5 mil milhões de euros para o investimento que pode ser financiado por fundos comunitários, para continuarmos o caminho que fizemos desde que chegámos ao Governo.
A Europa está preparada para uma nova crise financeira? Há quem diga que não está e vemos sinais de desaceleração, as situações da Alemanha e Itália...
A Europa fez um caminho importante na preparação de estímulos económicos mas também dos instrumentos de estabilidade que possam vir a ser necessários no caso de acontecer uma outra crise assimétrica como aconteceu em 2008. Os instrumentos para a estabilidade do sector financeiro e das dívidas soberanas são hoje de uma outra escala, embora ainda estejam incompletos, nomeadamente na questão da estabilidade do sector financeiro. Os instrumentos foram criados a meio da crise anterior, de forma apressada, para tentar ir respondendo aos problemas e com todas as consequências que tiveram, nomeadamente na nossa dívida soberana. Hoje temos instrumentos muito mais robustos. O orçamento da zona euro tem de ser promotor da convergência. Alguns países europeus têm vindo a defender, e nós estamos preparados para fazer esse debate, também instrumentos de estabilização da zona euro em contexto de crise. Espanha e França têm falado muito dessa situação. A Europa tem de continuar a preparar-se bem. Dá agora um passo enorme com o orçamento da zona euro. E tem de continuar a fazer caminho naquilo que são os instrumentos de apoio ao investimento.
A Europa vai poder gastar mais em caso de crise?
Há vários países da UE com excedentes orçamentais. E nós estamos mais bem preparados porque temos um défice a caminho de zero. Se se confirmar uma situação de abrandamento económico prolongada, os países que têm excedentes orçamentais devem certamente fazer mais pelo recuperar dessa situação. E esperamos que os planos de investimento da Europa estejam disponíveis para ajudar a acelerar o crescimento e evitar um abrandamento prolongado.
Não receia que a tensão social que existe contamine a campanha?
Encaro com normalidade que as pessoas tenham expectativas de uma continuidade do processo de melhoria da sua situação. Ao longo da crise anterior, uma das razões por que as pessoas se afastaram dos partidos europeístas é porque não viam resultados concretos de acção da Europa para melhorar as suas vidas. Mas ao longo da legislatura toda a acção do Governo foi para melhorar a vida dos portugueses. O que não está o Governo a fazer é a dar aquilo que não pode. Talvez em algumas situações as pessoas tivessem a expectativa de que fosse dado aquilo que nem sequer foi prometido.
Mas o Governo disse 25 mil vezes que foi virada a página da austeridade.
Mas virar a página da austeridade é recuperar rendimentos perdidos, diminuir significativamente o IRS, aumentar os abonos de família, as pensões, o salário mínimo nacional. Isso é sair da austeridade. Mas não é dar passos maiores do que a perna. Os portugueses não esperam de nós que demos passos maiores do que a perna porque se o abrandamento económico vier, se houver consequências que são sempre possíveis sobre a situação económica, a situação das contas públicas... Os portugueses não esperam de nós aventureirismos. Nem que o Governo entregue aquilo que não pode dar, porque se não pomos outra vez em causa todo o esforço dos portugueses nestes anos.