Os inconvenientes deslizes das marcas de moda
Três marcas (Prada, Gucci e Katy Perry Collections) num espaço de dois meses causaram incómodo através de produtos que, graficamente, lembram a caricatural blackface. Em 2019. As lições (afinal) não foram poderosas.
Zara, Umbro, Moncler, H&M, Prada, Gucci. Esta é a versão curta da lista de marcas que, nos últimos anos, provocaram reacções negativas por parte dos consumidores devido a produtos que, de uma forma ou de outra, se assemelham a símbolos gráficos que remetem a períodos terríveis da História e que vão buscar à memória ícones de intolerância e discriminação.
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Zara, Umbro, Moncler, H&M, Prada, Gucci. Esta é a versão curta da lista de marcas que, nos últimos anos, provocaram reacções negativas por parte dos consumidores devido a produtos que, de uma forma ou de outra, se assemelham a símbolos gráficos que remetem a períodos terríveis da História e que vão buscar à memória ícones de intolerância e discriminação.
Seria de esperar que, tal como pudemos ler em todos os comunicados das marcas após ondas colossais de publicidade negativa, estas fossem lições poderosas para as equipas por detrás das grandes organizações. Mas não são. Se fossem, não teríamos três marcas (Prada, Gucci e Katy Perry Collections) num espaço de dois meses a causar incómodo através de produtos que, graficamente, lembram a caricatural blackface. Em 2019. As lições (afinal) não foram poderosas.
São poderosas para um público que vive online e que é, cada vez mais, exigente, literado, sensível e com barreiras cada vez mais ténues no que concerne a outras culturas e realidades. Não esquece, não perdoa e não tolera a intolerância. Porém, com esta proximidade cultural não quero afirmar que apenas se observa a atenuação do preconceito, a celebração da tolerância ou a aposta no enriquecimento multicultural. Esta é uma faca de dois gumes. Se, por um lado, a Internet facilita a aproximação, o conhecimento e as dinâmicas, por outro lado também facilita a propagação do preconceito, o aprofundamento do ódio e manifestações de intolerância. É preciso visão global, bagagem histórica, sensibilidade estética e inteligência cultural para navegar neste e-mundo.
Parece essencial que as grandes organizações repensem as pessoas que as representam. A solução parece estar nas equipas, nas pessoas que fazem parte dos bastidores destas empresas que comunicam, em grande parte, para um público da Net, das redes sociais, das comunidades e fóruns. O que falta às marcas é exigirem e formarem equipas com inteligência cultural.
As empresas que comunicam globalmente têm que saber comunicar globalmente, agir globalmente e crescer globalmente. Para que esta comunicação aconteça de forma clara, eficaz e inequívoca, é necessário que as pessoas que criem a mensagem sejam capazes de entender e ultrapassar barreiras geográficas, religiosas, organizacionais, estruturais e históricas. É preciso pessoas que conheçam, reconheçam e definam os limites do que é a multiculturalidade com tudo o que este conceito abraça. São precisas pessoas que compreendam as feridas, os costumes, que sejam criativas, inspiradoras e que vejam por cima do espaço da generalização.
Karl Lagerfeld faleceu no dia 19 de Fevereiro de 2019. Um génio criativo deixou-nos. Mas deixou-nos também uma pessoa com uma essência negativa, preconceituosa, misógina e retrógrada. Um génio criativo deixou-nos, uma mente à frente do tempo dela, um enfant terrible. Algo deixou Lagerfeld permanecer em frente aos nossos olhos durante tanto tempo intacto, ainda que com a sua essência (como dizer?) desrespeitosa. Essa coisa foi o tempo. O tempo em que viveu. Se nascesse hoje não teríamos espaço para ele. Nem para aqueles que continuarem a criar falácias, a eternizar estereótipos e a aprofundar preconceitos. Repensem-se as mentes por detrás das estruturas. Não estamos num tempo em que tenhamos tempo para dar espaço a estes deslizes inconvenientes.