Corrupção, violência e impunidade: o Brasil está mudando?
A responsabilidade das lideranças políticas e sociais neste momento decisivo para o país é imensa e deve estar associada com a correspondente clareza técnica e jurídica.
A população brasileira clama por mudanças. O atual cenário envolvendo a corrupção, a violência urbana e a impunidade no Brasil são críticos.
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A população brasileira clama por mudanças. O atual cenário envolvendo a corrupção, a violência urbana e a impunidade no Brasil são críticos.
Quando o tema é corrupção, o Brasil vai cada vez pior. Em 2017, caiu da 79.ª para a 96.ª posição no ranking mundial da corrupção realizado pela Transparência Internacional. Mais uma queda em 2018, passamos da 96.ª para a 105.ª posição no índice. Hoje estamos ao lado de países com problemas institucionais graves como Arménia, El Salvador, Peru, Timor-Leste.
A realidade é ainda mais devastadora ao entrarmos pela vereda da violência. Em 2017 foram registadas 63.880 mortes violentas, o maior número de homicídios da história recente do país. Os dados indicam que foram assassinadas 175 pessoas por dia, registando elevação de 2,9% em comparação com 2016.
O chamado Projeto de Lei Anticrime proposto pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública trata o combate ao crime organizado e à corrupção como problemas conexos e inova nos seguintes pontos:
– Prisão após julgamento em segunda instância: trata-se de execução provisória da sentença penal. É uma previsão inovadora que segue exemplos de países como Estados Unidos, França, Inglaterra e até mesmo Portugal.
– Perdimento de bens e leilão público: a regulamentação adequada que traz mais celeridade e efetividade nos procedimentos relacionados com o perdimento dos bens proveniente das ações ilícitas do crime organizado em favor do Estado ou das vítimas lesadas;
– Multas: regulamenta a forma de pagamento das multas no direito penal a fim de torná-las efetivas e não apenas mera previsão legal sem condições de exequibilidade em prazo razoável como permanece. Introduz assim prazo de dez dias, com possibilidade de parcelamento mensal.
– Tribunal do júri: encerra prolongadas discussões sobre a chamada decisão de pronúncia que é a decisão que determina que um acusado deverá ser julgado pelo procedimento do júri.
– Redução de recursos dilatórios: reduz o efeito retardatário de recursos meramente dilatórios como os embargos infringentes, que são opostos havendo alguma divergência entre os juízes componentes da turma ou câmara de julgamento. Na prática, este recurso fazia o processo ser julgado duas vezes na sua integralidade, mesmo que a divergência fosse apenas referente a um pequeno detalhe.
– Legitima defesa policial: traz um estatuto jurídico a fim de regulamentar a ação policial em confronto armado com criminosos. Atualmente não existe clareza jurídica sobre qual é o critério utilizado para aplicar o conceito de legítima defesa nas ações policiais e isso tem gerado insegurança jurídica para a população e para a polícia.
– Restrição à progressão de regime prisional: o projeto endurece benefícios legais para condenados reincidentes e que demonstrem conduta pessoal inadequada ou habitualidade na prática delituosa. Sendo que réus comprovadamente pertencentes à organização criminosa deverão cumprir a sua pena em estabelecimento prisional de segurança máxima.
– Restrição para soltura de criminosos habituais: trata-se de regulamentação que permite ao juiz verificar se o agente é reincidente ou que está envolvido na prática criminosa habitual, ou que integra organização criminosa e, com base nisso, denegar a liberdade provisória ao condenado criminalmente.
– Conceito de organização criminosa: a nova lei muda o conceito de organização criminosa para fins de enquadrar a associação de quatro ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas para fins de obtenção de lucros ilícitos, ou sejam de caráter transnacional e se valham da violência ou da força de intimidação do vínculo associativo para adquirir, de modo direto ou indireto, o controle sobre a atividade criminal.
– Videoconferência: a inovação facilita a realização do interrogatório do réu preso. Será introduzido o sistema de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real. Tornando assim desnecessário o deslocamento do réu para a comarca do juiz.
– Banco nacional de perfil genético: surge com a finalidade de instrumentalizar melhor a polícia científica tendo em vista que somente 6% dos homicídios dolosos (com intenção de matar) são solucionados no país. Em termos comparativos: Reino Unido soluciona 90% de crimes desta natureza, França 80% e EUA 65%.
– Tipificação do crime de fuga de informação: quem descumprir determinação de sigilo das investigações que envolvam a captação ambiental ou quem revelar o conteúdo das gravações enquanto mantido o sigilo judicial será processado por crime privativa de liberdade com pena de dois a quatro anos.
– Criminalização do “caixa 2” eleitoral: atualmente, não há, no ordenamento jurídico brasileiro, um tipo penal especificadamente desenhado para a conduta do “caixa 2”. O projeto pretende tipificar o crime de contabilidade paralela à contabilidade exigida pela legislação eleitoral, com pena privativa de liberdade de dois a cinco anos
“Whistleblower” (denunciante): trata-se da inserção de uma estratégia de combate à corrupção reconhecida pela comunidade jurídica internacional. O termo refere-se a toda a pessoa que espontaneamente leva ao conhecimento de uma autoridade informações relevantes sobre um ilícito civil ou criminal. No projeto estão previstos benefícios para o denunciante como a proteção contra retaliação e recompensas.
Os debates constitucionalmente garantidos pelo devido processo legislativo vão calibrar adequadamente este conjunto de propostas legais de combate ao crime cada vez mais impune no Brasil. A responsabilidade das lideranças políticas e sociais neste momento decisivo para o país é imensa e deve estar associada com a correspondente clareza técnica e jurídica.