Kintsugi e Wabi Sabi: a perfeita imperfeição dos japoneses
Em Wabi Sabi: Sabedoria Japonesa para uma Vida Perfeitamente Imperfeita e Bem-estar Kintsugi, as autoras Beth Kempton e Candice Kumai, respectivamente, ensinam a viver de forma mais equilibrada.
Para os japoneses uma taça ou uma jarra pode tornar-se mais bonita depois de partida e reparada. Tanto que têm uma tradição dedicada ao restauro de cerâmica, o kintsugi. O objectivo não é devolver o objecto ao seu estado imaculado — pelo contrário: as fissuras são realçadas com uma mistura de laque e ouro em pó. Tornam-se assim objectos novos, com uma beleza própria.
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Para os japoneses uma taça ou uma jarra pode tornar-se mais bonita depois de partida e reparada. Tanto que têm uma tradição dedicada ao restauro de cerâmica, o kintsugi. O objectivo não é devolver o objecto ao seu estado imaculado — pelo contrário: as fissuras são realçadas com uma mistura de laque e ouro em pó. Tornam-se assim objectos novos, com uma beleza própria.
Por outras palavras, são “perfeitamente imperfeitos” — um termo emprestado de Beth Kempton, que publicou recentemente Wabi Sabi: Sabedoria Japonesa para uma Vida Perfeitamente Imperfeita. Nele, a autora britânica descreve como aceitar a imperfeição nos pode ajudar com os desafios da vida, com base nesse conceito japonês.
“Aceitação não tem que ver com desistir ou ceder” e “não é uma desculpa para nem sequer nos darmos ao trabalho”, explica Kempton, ao PÚBLICO. “Coloca o foco em 'fazer o melhor', em vez de 'ser o melhor', pois aquilo que outras pessoas fazem está fora do nosso controlo”. Ao mesmo tempo, a autora lembra que o perfeccionismo pode ser um obstáculo — um mecanismo de defesa ou uma resposta extrema às críticas, por exemplo.
Em separado, os termos wabi e sabi constam ambos do dicionário japonês: o primeiro refere-se à beleza na simplicidade e à riqueza espiritual no desapego do mundo material, enquanto o segundo alude à passagem do tempo e à forma como todas as coisas crescem e entram em decadência. O que o dicionário não oferece é uma junção das duas palavras — essa “habita nas mentes e nos corações [da população japonesa] e não no papel”, escreve a autora.
“Na sua essência o wabi sabi é uma resposta intuitiva à beleza”, observa Kempton. Uma das lições mais importantes do wabi sabi prende-se com a procura de beleza “recorrendo a todos os nossos sentidos”. “Significa afastarmo-nos da busca constante por mais, para conseguirmos perceber o que já existe no nosso campo de visão.” No mundo ocidental, o termo wabi sabi tem sido usado como adjectivo para descrever a beleza natural ou imperfeição de certas peças (por exemplo uma cadeira desgastada), algo que não acontece no Japão.
O que é que a beleza tem a ver com a aceitação da imperfeição? “Quando [a pessoa] percebe que [algo] é perfeitamente imperfeito, tem menos necessidade de adquirir coisas para melhorar a imagem que tem de si próprio”, explica a autora. Através destes princípios, ensina-nos a viver com a natureza, aceitar o passado, futuro e presente, reformular o fracasso, desfrutar do percurso profissional, e valorizar os momentos. Ou seja, a lidar com as vicissitudes da vida.
Já a guru do bem-estar norte-americana de ascendência japonesa, Candice Kumai, contextualiza o wabi sabi como uma parte daquilo a que chama Bem-estar Kitsungi — o título que deu ao seu mais recente livro. Para a autora, kitsungi é “a cola que usamos para juntar os conceitos japoneses do bem-estar”.
Assim, no livro, vai dissecando partes da sabedoria e cultura japonesa: Gaman significa viver com resiliência; ki o tsukete é uma expressão equiparável a “sê amável contigo próprio”; ganbatte é dar sempre o nosso melhor; shikata ga nai deriva da expressão “não te queixes, avança!” e tem a ver com o aceitar o que não tem resolução; yuimaru é um conceito que celebra o valor da união; kansha significa cultivar a gratidão e osettai é ser prestável para com os outros.
Um dos capítulos — que representa quase metade do livro — é dedicado inteiramente à nutrição (eiyōshoku) e ao acto de cozinhar (ryōri) — “a única forma de arte que recorre aos cinco sentidos”, assevera Kumai.
Claro que nenhum destes conceitos vive isolado. Enquanto no livro estão organizados por capítulos, na prática têm de ser vividos em simultâneo. À primeira vista podem até parecer contraditórios. “Enquanto o kintsugi nos ensina que há beleza nas dificuldades, o ganbette diz que também há beleza no esforço”, escreve a autora. “Não tem necessariamente a ver com um ponto de vista ou com outro, mas antes uma aceitação e aprendizagem de que há muitas maneiras de viver e aceitar a vida”, explica ao PÚBLICO.
Desde o enorme sucesso internacional do hygge — a palavra sem tradução exacta que explicava o segredo para a felicidade dos dinamarqueses — que o léxico internacional do bem-estar tem crescido. Seguiram-se o lagom (sueco para a medida certa das coisas), o sisu (que descreve a atitude de persistência e determinação dos finlandeses) e o ikigai (o segredo japonês para uma vida mais longa).