O inverno demográfico e a política de subfinanciamento da Saúde
A degradação do SNS tem sido paulatina, mas é evidente. A este facto não pode ser alheia a diminuição da despesa, por melhor que seja a gestão de recursos.
O inverno de janeiro e fevereiro e a discussão da Lei de Bases da Saúde levam-me a pensar no “inverno demográfico” que atravessamos e no Serviço Nacional de Saúde que nos preocupa. Este inverno, o demográfico, é muito grave e não há maneira de começarmos a pensar em soluções! Ou seja, fica ainda mais grave e mais preocupante porque toda a gente disfarça e teima em não ver a baixíssima natalidade que temos em Portugal desde há anos, sempre a decrescer desde o ano 2000.
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O inverno de janeiro e fevereiro e a discussão da Lei de Bases da Saúde levam-me a pensar no “inverno demográfico” que atravessamos e no Serviço Nacional de Saúde que nos preocupa. Este inverno, o demográfico, é muito grave e não há maneira de começarmos a pensar em soluções! Ou seja, fica ainda mais grave e mais preocupante porque toda a gente disfarça e teima em não ver a baixíssima natalidade que temos em Portugal desde há anos, sempre a decrescer desde o ano 2000.
O frio do inverno climático, agressivo como o conhecemos, não é uma novidade, apesar do rigor de medidas de proteção que exige e da atenção de cada um que merece. Mas temos uma certeza: o inverno climático vai passar mais semana, menos semana, e só volta no próximo ano.
Mas o “inverno demográfico” que atravessamos é muito mais grave! E não vai passar em semanas ou meses. Vai durar anos. Pelo menos uma geração é já inevitável. Ou mais grave ainda: será possível pensar que Portugal vai sair deste inverno demográfico?
Pois bem, é neste contexto de “inverno demográfico” que se discute a Lei de Bases da Saúde e se põe em causa o desenvolvimento do nosso Serviço Nacional de Saúde. E alguém se dá ao trabalho de olhar para os recursos financeiros investidos e gastos em saúde? Como é que tem evoluído a despesa na saúde?
Desde 2009 que a despesa em saúde em % do PIB não pára de descer! Depois de uma descida rápida de 2011 a 2013, continuamos a diminuir a despesa entre 2014 e 2017. Mas mais grave é a descida da despesa em cuidados de saúde em valor absoluto. Em cinco anos – de 2009 a 2014 – diminuímos 1716 milhões de euros na despesa em saúde em valores absolutos. Em 2013 estávamos com a despesa em saúde semelhante à de 2006, ou seja, pouco mais de 15 mil milhões de euros. Como é que se pode resistir a esta delapidação da saúde?! Que política é esta?!
Não é muito difícil apreciar o desenvolvimento do Serviço Nacional de Saúde em todas as suas dimensões, quer na perspetiva da solidariedade, da equidade, do acesso, da proximidade, quer na leitura da qualidade, da inovação, da segurança, da transparência. Há evoluções evidentes em muitas áreas, mas não é muito difícil ver a dificuldade crescente na prestação de cuidados nas nossas unidades de saúde, que o digam os doentes. Os médicos de família sentem dificuldades no exercício das suas atividades no seu quotidiano, tal como os colegas de outras especialidades. O mesmo acontece com profissionais de saúde de outras áreas. A degradação do Serviço Nacional de Saúde tem sido paulatina, mas é evidente. A este facto não pode ser alheia a diminuição da despesa, por melhor que seja a gestão de recursos!
O envelhecimento da população e o aumento de doentes crónicos cada vez mais dependentes obrigam a mais cuidados de saúde. É difícil superar as necessidades de cuidados de saúde com menos despesa. Por isso sentimos tantas necessidades no nosso dia a dia. O “inverno demográfico” tem custos e vamos ter que os assumir. A Lei de Bases da Saúde tem que contar com estes factos se quisermos ser realistas e atuais. Mas mexer na Lei de Bases para precarizar ainda mais a prestação de cuidados de saúde, esquecendo as realidades sociais e escondendo o subfinanciamento, é arriscado. Esquecer António Arnaut e João Semedo é uma irresponsabilidade política com consequências graves.
Os efeitos das intervenções no sector da saúde são habitualmente visíveis apenas alguns anos depois. É fácil verificar os efeitos oito ou dez anos após a sua implementação. Ou seja, os efeitos em saúde são sentidos dois ou três ministros à frente! Mas nós, que vivemos o dia a dia com os nossos doentes, sabemos ver e sentimos bem no presente a degradação sucessiva vivida no Serviço Nacional de Saúde. Os ministros passam... Os doentes continuam!
O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico