Mais exames e rankings ou o retorno à autonomia e prestígio profissional dos professores?
Insistir em construir rankings é manter a indução de mecanismos de mercado na própria escola pública.
As questões de avaliação pedagógica estiveram durante longo tempo circunscritas aos espaços da sala de aula, preocupação apenas de professores e alunos, nem sempre incluídas em programas de formação docente e raramente objeto de reflexão sistemática de pedagogias específicas. A forma oral do exame, como forma de avaliação qualitativa, já era usada pela pedagogia dos Jesuítas, antes do séc. XVII, como forma de emulação. Nada tinha a ver, portanto, com a emergência dos modernos exames formais, mensuráveis quantitativamente, analisados criticamente por M. Foucault como fazendo parte de um sistema de controlo e de vigilância, aos quais K. Marx já tinha chamado o “batismo burocrático do saber”.
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As questões de avaliação pedagógica estiveram durante longo tempo circunscritas aos espaços da sala de aula, preocupação apenas de professores e alunos, nem sempre incluídas em programas de formação docente e raramente objeto de reflexão sistemática de pedagogias específicas. A forma oral do exame, como forma de avaliação qualitativa, já era usada pela pedagogia dos Jesuítas, antes do séc. XVII, como forma de emulação. Nada tinha a ver, portanto, com a emergência dos modernos exames formais, mensuráveis quantitativamente, analisados criticamente por M. Foucault como fazendo parte de um sistema de controlo e de vigilância, aos quais K. Marx já tinha chamado o “batismo burocrático do saber”.
Em Portugal, durante o longo período não democrático, os exames nacionais foram uma forma de controlo centralizado do Estado, apoiados por uma pedagogia diretiva e autoritária e por um sistema de vigilância ideológica sobre os professores, com conotações de tal forma negativas que rapidamente foram abolidos com a revolução de abril.
Anteriormente, o que transpirava da escola para as famílias e para a sociedade local acontecia por altura dos exames nacionais, e os seus resultados não eram indiferentes para a imagem do regime e dos seus docentes. A revolução democrática, no início dos anos setenta do século XX, permitiu a prática de outras pedagogias, a expressão de outras autonomias e o exercício de formas de avaliação mais democráticas e participativas.
Não mais do que uma década depois, exauridas que foram as energias utópicas da revolução, em meados dos anos oitenta, logo a seguir à nossa integração na então CEE, começam a ser mais claros os sinais de aproximação a um novo ciclo internacional, constituído pelas agendas educativas neoconservadoras e neoliberais, então emergentes em alguns países capitalistas centrais. E algumas das expressões mais forte destas agendas, com especificidades em cada caso, foram precisamente os ataques à escola pública e a defesa da privatização, a liberdade de escolha apoiada por mecanismos de mercado (como os rankings), maior controlo central sobre o currículo, o cerceamento à autonomia das escolas e dos professores, e a adoção dos exames nacionais.
Estávamos no primeiro período do Estado-avaliador (se dermos um significado mais abrangente à expressão seminal de Guy Neave), e se com isso também quisermos significar que ainda vivíamos um período em que o Estado nacional detinha uma margem significativa de autonomia relativa na definição da agenda educativa.
Não defendendo a existência de uma qualquer sequencialidade linear ou evolutiva, uma vez que há coexistências e temporalidades diversas e contraditórias nos diferentes contextos em que essas políticas ocorreram e ocorrem, pode dizer-se que uma outra etapa do Estado-avaliador é a que se caracteriza pelo crescente protagonismo das organizações internacionais como a OCDE, através de programas de avaliação comparada, de que o PISA é o exemplo paradigmático. Portanto, os exames nacionais, da iniciativa do Estado, e as avaliações comparativas internacionais, da iniciativa de organizações como a OCDE, continuam a coexistir. Quer uns, quer outros, servem várias funções manifestas e latentes.
Os exames nacionais externos, que agora são provas estandardizadas, produzem resultados que servem para finalizar um ciclo de estudos e, no caso do ensino secundário, também são usados parcialmente para acesso ao ensino superior. Em ambos os casos, há ponderação com avaliações internas. Outras provas estandardizadas existem no nosso sistema educativo, com objetivos mais genéricos e de aferição da suposta qualidade das aprendizagens.
É um direito inquestionável do Estado querer saber (também por esse meio) o que se passa com o ensino e a aprendizagem nas escolas. Neste caso, apenas questiono o facto de não serem provas por amostragem – isso seria suficiente para os objetivos anunciados e evitaria a eventualidade de se prestarem a outras funções.
Insistir em construir rankings (mesmo que cautelosamente elaborados e com critérios que não se restrinjam a notas e classificações independentes dos contextos e dos atores) é manter a indução de mecanismos de mercado na própria escola pública, e levar gestores escolares a adotar estratégias de marketing na fabricação e divulgação da imagem escolar.
Enquanto isso, a renovação na confiança no trabalho dos professores, o seu prestígio social como profissionais e os compromissos com uma escola que não seja apenas de qualidade científica, mas também de qualidade pedagógica e qualidade democrática, continuam adiados.