Psicadélicos imitam a serotonina no cérebro
Há hoje um interesse renovado dos neurocientistas no estudo de substâncias psicadélicas.
Para Zachary Mainen, co-director do Champalimaud Research, Centre for the Unknown, da Fundação Champalimaud, a acção das drogas psicoactivas continua a ser “algo misterioso”. Contudo, as semelhanças químicas entre substâncias psicadélicas e a serotonina, um dos mensageiros químicos presentes no cérebro, levantam muitas questões. “Actualmente temos aquilo que, pelos parâmetros científicos actuais, é uma classe inteira de moléculas com um potencial poderoso e efeitos psicológicos muito interessantes, mas que está ainda pouco explorada.”
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Para Zachary Mainen, co-director do Champalimaud Research, Centre for the Unknown, da Fundação Champalimaud, a acção das drogas psicoactivas continua a ser “algo misterioso”. Contudo, as semelhanças químicas entre substâncias psicadélicas e a serotonina, um dos mensageiros químicos presentes no cérebro, levantam muitas questões. “Actualmente temos aquilo que, pelos parâmetros científicos actuais, é uma classe inteira de moléculas com um potencial poderoso e efeitos psicológicos muito interessantes, mas que está ainda pouco explorada.”
Como se explica o interesse crescente, por parte de centros de investigação em neurociências em todo o mundo, pelos efeitos das substâncias psicadélicas no cérebro?
Quando os psicadélicos foram usados pela primeira vez em contextos clínicos, nos anos 1950, não sabíamos quase nada acerca do seu efeito no cérebro. Na verdade, a descoberta que eles interagiam com a serotonina foi uma grande inspiração para a investigação neste neurotransmissor. Mas depois de eles serem banidos nos anos 1960, a investigação com estes compostos tornou-se muito difícil e foi estigmatizada. Era também muito difícil obter financiamento, um cenário que não mudou muito até hoje. Nestas condições, muito poucos investigadores mantiveram o interesse por esta área e a investigação científica praticamente acabou. Mais recentemente, esta situação começou a mudar e os ensaios clínicos pioneiros na Universidade de Johns Hopkins e na NYU desencadearam um renovado interesse tanto pelo público como por outros investigadores.
Em resumo, actualmente temos aquilo que, pelos parâmetros científicos actuais, é uma classe inteira de moléculas com um potencial poderoso e efeitos psicológicos muito interessantes, mas que está ainda pouco explorada. Sabemos que afecta o sistema da serotonina, mas não sabemos muito mais, até porque ainda não compreendemos bem este sistema.
Falemos então da serotonina. O que sabemos sobre a sua função no cérebro humano e que efeitos se conhecem de substâncias como a psilocibina e o LSD no cérebro?
Sabemos isto: a serotonina é um dos mensageiros químicos presentes no cérebro. É produzida por um agrupamento especial de células que tem a capacidade de comunicar com todo o cérebro. Esta mensagem — a serotonina — é detectada por receptores que têm a capacidade de entender os seus sinais. Os psicadélicos são químicos de composição similar à serotonina e que têm a capacidade de activar selectivamente apenas um de diferentes tipos de receptores de serotonina. Isto significa que eles replicam alguns aspectos da serotonina natural, mas não outros. Ou seja, existe uma proximidade grande entre os psicadélicos e a serotonina.
A serotonina actua a nível psicológico e toda a sua acção biológica levanta questões que me interessam bastante. Devido à sua associação a uma classe de antidepressivos, os SSRI (inibidores selectivos da recaptação de serotonina), a serotonina é classificada como uma “molécula da felicidade”. Contudo, temos pouca evidência sobre se isto é verdade. Ela pode ser libertada quando esperamos algo de bom, mas muitas das coisas que causam a sua libertação são na verdade más: são aspectos que causam stress. Sem aprofundar demasiado, a nossa hipótese actual é que picos de libertação de serotonina são causados por “desafios” de vários tipos — incluindo ameaças e oportunidades — ou seja, qualquer situação que exija uma acção. O mais interessante é que, tal como os desafios podem ser enfrentados ou evitados, o cérebro parece interpretar os picos de serotonina igualmente de duas formas opostas. Um tipo de receptores de serotonina parece desencadear o esforço continuado e procurarmos atingir as metas traçadas, enquanto o outro tipo envia o sinal oposto: para nos mantermos flexíveis e repensarmos os nossos cursos de acção. Os psicadélicos activam ambos os receptores, mas parecem ser mais selectivos para aqueles que promovem a flexibilidade e a mudança. Este modelo encaixa por isso muito bem algumas ideias, que são discutidas desde os primeiros estudos com psicadélicos, que estas substâncias ajudam a promover a mudança de comportamentos no ser humano.
O seu grupo de investigação tem trabalhado sobretudo com modelos animais. No entanto, os psicadélicos são muito conhecidos pelos seus efeitos subjectivos no ser humano. O que podem os modelos animais dizer-nos sobre os psicadélicos e a sua acção nos humanos?Uma das lições mais frequentes da biologia é que somos muito mais parecidos com outros animais do que pensamos — e isto é verdade quer estudemos o genoma, a estrutura do cérebro ou mesmo o comportamento. Acontece também que o sistema de serotonina parece ser dos nossos sistemas mais antigos e mais bem conservados na nossa evolução como espécie. De facto, existe serotonina de forma generalizada no reino animal, e esta parece ter uma função similar em animais tão distantes do homem como a lagosta. Por exemplo, a droga MDMA, que está relacionada de forma próxima com os psicadélicos, demonstrou recentemente causar comportamentos pró-sociais no polvo. Por isso, se conseguirmos compreender como os receptores activados pelos psicadélicos actuam no ratinho, é provável que essas aprendizagens sejam transferíveis para os humanos.
Em geral, a acção das drogas psicoactivas continua a ser algo misterioso e as ferramentas para a estudar em outros animais são mais poderosas do que o são para o ser humano. Este tipo de trabalho vai certamente ser essencial para sermos capazes de maximizar o potencial, e diminuir os efeitos indesejados, de quaisquer drogas, incluindo as psicadélicas.