“Aqui nunca estamos sozinhos”
A Escola Básica e Secundária de Felgueiras é a primeira pública no ranking dos “percursos de sucesso” no secundário. Numa escola nova onde os professores se debatem para “agarrar” os alunos até ao fim de ciclo, a criação de um gabinete de mediação de conflitos praticamente acabou com os problemas de comportamento.
O 10.º ano foi um choque. Vítor Ribeiro estava habituado a “estudar pouco, na véspera” dos testes. Mas na área de ciências e tecnologias, que tende a ser considerada a mais exigente do ensino secundário, isso não chegava. “Estive para desistir. Sentia que era demais para mim. Até que contei à professora de Matemática e ela mostrou-me que eu conseguia, se quisesse muito; que podia concretizar os meus sonhos.” Ele continuou. Fez os exames de Filosofia e Biologia no ano passado e hoje está no 12.º. No final do ano, fará uma nova leva de exames e depois uma candidatura à universidade. Quer ser jornalista. “Se a professora não tivesse puxado por mim, tinha deixado essa ideia cair.”
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O 10.º ano foi um choque. Vítor Ribeiro estava habituado a “estudar pouco, na véspera” dos testes. Mas na área de ciências e tecnologias, que tende a ser considerada a mais exigente do ensino secundário, isso não chegava. “Estive para desistir. Sentia que era demais para mim. Até que contei à professora de Matemática e ela mostrou-me que eu conseguia, se quisesse muito; que podia concretizar os meus sonhos.” Ele continuou. Fez os exames de Filosofia e Biologia no ano passado e hoje está no 12.º. No final do ano, fará uma nova leva de exames e depois uma candidatura à universidade. Quer ser jornalista. “Se a professora não tivesse puxado por mim, tinha deixado essa ideia cair.”
Vítor deu esta resposta quando perguntámos o que faz a Escola Básica e Secundária de Felgueiras, onde estuda, para lidar com os alunos com maiores dificuldades, como puxa por eles. “Eu era um desses alunos. Não me largaram até que eu percebesse que só dependia do meu esforço.” Érica Fonseca, sentada à mesma mesa à conversa com o PÚBLICO, fala também na relação próxima, “quase de família”, que tem com os professores. “Sei que não há professor meu que veja que estou mal e não perca dez minutos da sua aula para me tentar ajudar.” Ao lado, Lara Ferreira, colega do 11.º ano, acrescenta: “Aqui nunca estamos sozinhos. Não há medo nem inferioridade, há uma relação normal de pessoa para pessoa.”
Esta é a primeira escola pública no ranking dos “percursos directos de sucesso” no secundário, onde se considera a percentagem de alunos que não reprovou no 10.º, 11.º e 12º. ano e tirou positiva nos exames. Ainda que apenas 38% dos alunos do secundário desta escola tenham um percurso sem chumbos, estes saíram-se melhor do que os estudantes do resto do país que tinham um desempenho escolar semelhante quando iniciaram o 10.º ano. Este indicador é considerado pelo Ministério da Educação o mais “robusto” e “consistente” para analisar o sucesso escolar em todas as escolas. Em primeiro lugar está, este ano, o Colégio São Miguel, no concelho de Ourém (68% dos alunos não tiveram retenções no secundário).
Esta escola de Felgueiras – que recentemente mudou de nome para Escola Básica e Secundária Dr. Machado de Matos – também não ficou mal nos exames. A média de 10,98 valores nas oito provas que fez (as mesmas que o PÚBLICO considera para ordenar as escolas que fizeram no mínimo 50 exames) coloca-a na 153.ª posição. Na sub-região do Vale do Sousa, olhando para as escolas públicas, só a Escola Secundária de Penafiel se saiu melhor.
Afinal, que escola é esta? É nova e, talvez por isso, diz o director António Bragança, “mais dinâmica”. Foi criada há sete anos, na freguesia de Pombeiro de Ribavizela, tornando-se sede de um agrupamento que até então não tinha ensino secundário – até 2011, a maioria dos alunos do antigo agrupamento de Lagares, que servia dez freguesias de Felgueiras, ia para o centro da cidade para continuar a estudar. Além da proximidade de casa, beneficiam desta escola ser mais pequena, ter um quadro docente relativamente estável, “com uma motivação e dedicação que não são normais”, sublinha o director. Demonstra isso com a participação dos docentes em formações e o seu envolvimento em diversos projectos pedagógicos.
“Aqui não somos mais um”, torna Érica. Diz que não lhe faltam momentos para tirar dúvidas com os professores. “Na verdade, aqui não conheço ninguém que ande em explicações.”
Outra forma de melhorar os resultados passa pelo comportamento. Até há três anos, “a indisciplina no 2.º e 3.º ciclo era um problema”, refere António Bragança. Houve no ano lectivo 2014/2015 um total de 138 ocorrências disciplinares no universo de 1500 alunos do agrupamento. Foi, então, criado um gabinete de mediação de conflitos, que conta hoje com uma professora a tempo inteiro, Manuela Soares. Cabe-lhe estar atenta ao que se passa nos corredores, intervir na resolução de discussões, ouvir, acompanhar e, “muitas vezes, dar o apoio que não existe em casa”. No ano lectivo passado, o registo de ocorrências disciplinares caiu para 11.
Xadrez e mindfulness
Concluído o 9.º ano, uma fatia dos alunos escolhe o ensino profissional. A escola debate-se para “agarrar” uma parte dos restantes ao ensino regular. Lá fora, “há a tentação da fábrica”, a fonte de rendimento quase garantida num concelho fortemente ligado à indústria do calçado. “Conseguir manter alguns destes alunos na escola é um desafio”, diz Anunciação Rocha, professora de Biologia. A escola insere-se no contexto mais desfavorecido dos três caracterizados pela Universidade Católica: os pais dos alunos do secundário estudaram, em média, menos de sete anos; 35% são abrangidos por apoios do Estado (acção social escolar).
“Nem sempre conseguimos agarrar em todos, como aconteceu com o Vítor”, diz a professora de Matemática, Sofia Braga. “Se eles desistem da Matemática, lá se fecham uma série de portas.” São cada vez mais os jovens desta escola que querem seguir para o ensino superior. Grande parte deles serão os primeiros da família a fazê-lo.
A escola tenta, por isso, ir ao encontro dos interesses dos alunos, explicam os professores. A Matemática, por exemplo, fazem-se pequenas alterações no programa do 10.º ano que “não os cativa”. O xadrez é, desde há um ano, uma modalidade de desporto escolar e, graças a um professor de Educação Física, há uma equipa federada de voleibol feminino. No âmbito de um projecto europeu, as duas turmas do 12.º ano têm sessões semanais de mindfulness com uma psicóloga, para melhorarem a concentração.
Anunciação Rocha, de Biologia, praticamente não dá aulas em que os alunos não trabalhem em grupo. “Além de estimular o trabalho em conjunto, liberta-nos tempo para estar junto dos que têm mais dificuldade”, explica. A professora incentiva, além disso, a participação em concursos. No ano passado, as duas equipas que levou às Competições Nacionais de Ciência na Universidade de Aveiro conquistaram o primeiro e segundo lugar. Sara Mendes e Jorgina Carvalhais, agora finalistas, encabeçaram o pódio. Vítor e a colega Joana Sousa ficaram em segundo.
Sara agradece às actividades extracurriculares o facto de ser hoje melhor a gerir o tempo. “Apesar da carga horária elevada, o ano passado foi o meu melhor ano. Sabia que tinha os treinos, as competições e as aulas e isso obrigou-me a ser organizada.” Jorgina conta agora, tal como Vítor, ter a possibilidade de “inspirar os mais novos e mostrar-lhes que ter sucesso não é só para os outros".