Inspecções no terreno não evitam que escolas inflacionem notas há dez anos
Um grupo de 11 escolas e colégios está há pelo menos uma década a atribuir notas internas aos seus alunos mais elevadas do que aquelas que eles conseguem nos exames. Tutela diz que vai continuar a intervir, mas os instrumentos ao dispor dos inspectores são limitados.
A intervenção que a Inspecção-Geral de Educação e Ciência (IGEC) realizou em 2017 em escolas que têm inflacionado as notas internas dos seus alunos, facilitando o seu acesso ao ensino superior, não teve impacto na lista daquelas que sistematicamente recorrem a esta prática, mostram os dados relativos a 2017/2018, agora divulgados no portal Infoescolas.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
A intervenção que a Inspecção-Geral de Educação e Ciência (IGEC) realizou em 2017 em escolas que têm inflacionado as notas internas dos seus alunos, facilitando o seu acesso ao ensino superior, não teve impacto na lista daquelas que sistematicamente recorrem a esta prática, mostram os dados relativos a 2017/2018, agora divulgados no portal Infoescolas.
O mesmo grupo de 11 escolas continua a atribuir aos seus estudantes classificações mais elevadas do que as que eles conseguem ter nos exames nacionais (e que valem apenas 30% da nota final). Fazem-no consecutivamente há dez anos. São quase todas privadas — só há duas públicas na lista, as secundárias de Monção e de Fafe — e do Norte do país: colégios D. Diogo de Sousa e Carvalho Araújo, de Braga; D. Duarte, Ribadouro e Luso-Francês, no Porto; Camões e Paulo VI, ambos em Gondomar; e ainda o Colégio da Trofa e o Colégio de Lamego.
Estes 11 estabelecimentos estão sempre entre o grupo dos mais desalinhados desde que o Ministério da Educação (ME) começou a fornecer este indicador, o que cobre um período de dez anos. Os dados na infografia que pode encontrar nesta página são os mais recentes divulgados pela tutela e analisam apenas cinco anos lectivos: de 2013/14 a 2017/18. Conclusão: às 11 escolas já referidas, juntam-se outras sete que, durante este período, tiveram sempre médias de notas internas acima do que seria de esperar.
Mesmo depois da intervenção da IGEC, o panorama não muda, algo que não espanta Gil Nata, investigador do Centro de Investigação e Intervenção Educativas (CIIE) da Universidade do Porto, que foi pioneiro no tratamento científico desta problemática: “A inspecção não tem os mecanismos ao seu dispor que permitam exercer real pressão."
O desalinhamento das notas não tem enquadramento legal e, portanto, a IGEC não pode penalizar as escolas pelo simples facto de encontrar uma prática de inflação de notas. A inspecção pode apenas emitir recomendações e aconselhar mudanças de procedimentos. Só em casos de violação de lei – como falhas na fixação e comunicação dos critérios de avaliação, por exemplo – pode haver uma intervenção punitiva. “Não há por onde os apanhar a não ser em questões administrativas, mas não é disso que se trata em casos como estes”, prossegue o investigador.
Gil Nata discorda também do caminho seguido pela IGEC, que começou a sua intervenção, em 2017, pelas escolas com maiores desalinhamentos registados no ano lectivo 2015/2016. Para o investigador do CIIE, teria sido mais proveitoso que a intervenção tivesse começado pelos estabelecimentos de ensino onde a inflação de notas internas é “sistemática” e se verifica ao longo de vários anos. Dos 11 elencados pelo PÚBLICO, apenas o Externato Ribadouro recebeu a visita dos inspectores.
O Ministério da Educação garante que, depois da primeira intervenção em 2017, a IGEC continuou este trabalho junto dos estabelecimentos de ensino. Durante o último ano, “foram seleccionadas as escolas que apresentavam maiores desalinhamentos e que ainda não tinham sido intervencionadas”, garante fonte da tutela, que promete que a intervenção "vai continuar este ano", com base nos dados agora divulgados.
O colégio Casa Mãe, em Paredes, foi um dos colégios visitados pela IGEC em 2018 – é uma das novidades entre os estabelecimentos de ensino que inflacionaram notas nos últimos cinco anos – e ficou “mais do que à vontade” com os resultados dessa intervenção, garante a directora pedagógica Paula Loureiro. “Temos tudo em ordem”, garante. Aquela responsável diz que a explicação para o desalinhamento das notas no colégio é estatística: “Temos um número reduzido de provas [154 no ano passado] e basta que dois ou três resultados sejam mais baixos para que isso tenha interferência no resultado”.
A diferença entre as notas de um aluno ao longo do ano e o seu resultado no exame é “perfeitamente lógico”, defende o director geral do Colégio D. Duarte, Paulo Silva. Este estabelecimento de ensino privado do Porto é um dos que, sucessivamente, tem aparecido na lista das escolas que atribuem notas internas inflacionadas aos seus alunos. “O nosso foco não é só o exame nacional”, afirma também. Ao longo do ano, os resultados nos testes de avaliação têm um peso de 60% a 70% nas classificações dos alunos, deixando espaço para outras dimensões da avaliação que o exame “não reflecte”. "Recuso que o colégio inflacione as notas por algum tipo de estratégia", sublinha.
Fenómeno regional
Os dados agora no Infoescolas elencam as 18 escolas que mais inflacionam as notas, tendo em conta apenas os cinco anos lectivos mais recentes. Entre estas, há três escolas públicas e apenas um dos 15 colégios listados, o Rainha Santa Isabel, em Coimbra, não se situa nos distritos de Braga e Porto.
“Estes desajustes regionais [maiores inflações a Norte] são graves e geram claras injustiças no acesso dos alunos ao ensino superior”, considera a investigadora da Católica Porto Business School Conceição Silva, que relaciona este facto com a concentração de colégios à volta do Porto — 20% dos alunos do distrito estão em escolas privadas — e com o peso no mercado que tem o Externato Ribadouro. Com 1722 provas realizadas, é a escola do país onde mais exames são feitos. Os colégios Camões, em Gondomar, e da Trofa, que também pertencem ao grupo Ribadouro, também estão na lista dos mais “desalinhados”.
O PÚBLICO visitou o Ribadouro para este trabalho, mas os seus responsáveis, que autorizaram a visita, acabaram por recusar prestar declarações gravadas. O colégio D. Dinis, que também está na lista dos que mais inflacionam notas, não respondeu aos contactos feitos.
Em sentido contrário, 87% das escolas com desalinhamento negativo — escolas que atribuem sistematicamente notas internas mais baixas do que aquelas que os alunos conseguem tirar nos exames — estão no distrito de Lisboa. É o caso dos Salesianos do Estoril, que já têm a fama de ser “forretas nas notas”, diz Nelson Silva, director do ensino secundário. Mas a antiga directora pedagógica, Paula Baptista, acha que essa é uma ideia “falsa”. “Em 2015, essa questão colocou-se e fomos ver que só havia duas únicas disciplinas em que isso tinha acontecido: Matemática e Matemática Aplicada às Ciências Sociais. Isso continua, de modo geral, a acontecer. Porque a escola tem uma cultura muito enraizada de Matemática. A dois meses dos exames, os alunos de 18 e 19 são capazes de ter, por dia, duas e três horas de explicações. Querem mais. Querem o 20. Por isso, é perfeitamente normal que estes miúdos cheguem ao exame e estejam muito além daquilo que lhes é pedido.” com Margarida David Cardoso