Nigéria adia eleições e baralha ainda mais a escolha pouco apetecível dos eleitores
Entre dar um novo mandato para um Presidente ineficaz e confiar num candidato corrupto, os nigerianos hesitam sobre a quem confiar o seu voto. Problemas logísticos vão prolongam a indecisão e aumentam o receio de violência.
A poucas horas de abrirem as urnas para as eleições deste sábado na Nigéria, a Comissão Eleitoral anunciou que não era possível realizar a votação e que as eleições seriam adiadas uma semana, para 23 de Fevereiro.
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A poucas horas de abrirem as urnas para as eleições deste sábado na Nigéria, a Comissão Eleitoral anunciou que não era possível realizar a votação e que as eleições seriam adiadas uma semana, para 23 de Fevereiro.
A Comissão Eleitoral e diplomatas ocidentais avançaram que a incapacidade de transportar boletins de voto e as tabelas com os resultados eleitorais para algumas zonas do país. Mas o anúncio, feito já de madrugada, gerou incómodo entre os eleitores. "Não estou nada satisfeito com a suspensão [da votação]. Já tinha saído de casa para ir votar e soube a meio do caminho. Não compreendo porque é que suspenderam a eleição", disse Kabiru Sale, 27 anos, que vende petróleo na cidade de Kano, no Norte do país, citado pela Reuters.
Esta não é, no entanto, a primeira vez que são adiadas as eleições na Nigéria – em 2011 e 2015 aconteceu o mesmo, também devido a problemas logísticos e de segurança. E no ano passado soube-se que a empresa Cambridge Analytica esteve envolvida nas eleições de 2015.
Escolha difícil
Nestas eleições, presidenciais e legislativas, a Nigéria encara uma escolha difícil, em que é praticamente nula a esperança de que haverá progressos nos desafios que o país continua a enfrentar – a corrupção, o desemprego e a insegurança.
Apesar de haver um número recorde de 71 candidaturas, a generalidade dos observadores acredita que a presidência se vai disputar entre os candidatos dos dois partidos que têm dominado a vida política da Nigéria: o actual Presidente, Muhammadu Buhari, e o ex-vice-Presidente, Atiku Abubakar.
Ambos fizeram apelos à calma, após o adiamento do voto, cientes que outras eleições foram marcadas pela violência, intimidação e fraude.
Aliás, os apelos à paz já vinham da campanha:os dois principais candidatos assinaram um “acordo de paz”, mediado por observadores internacionais, em que se comprometeram a apelar à contenção por parte dos seus apoiantes e a tudo fazer para que as eleições sejam limpas.
Uma das prioridades é assegurar que os progressos alcançados nas eleições de 2015 – em que pela primeira vez houve uma transição democrática pacífica – são protegidos. “A questão é se a Nigéria irá conseguir manter este progresso, e ter eleições livres e justas em 2019”, escreve o especialista do Council on Foreign Relations John Campbell.
A campanha ficou marcada pela decisão de Buhari, no final de Janeiro, de suspender o presidente do Supremo Tribunal, Walter Onnoghen, sob acusação de não ter revelado a sua declaração de rendimentos. Onnoghen ocupava o topo da hierarquia do sistema judicial e, entre os seus poderes, estava a supervisão de queixas sobre o processo eleitoral. Abubakar disse que a decisão era um “acto de desespero” do Presidente.
Violência e desemprego
São vários os problemas que afligem os nigerianos que escolhem um Presidente para os próximos quatro anos. A insegurança continua a fazer parte do quotidiano de milhões de pessoas, especialmente no Nordeste, onde o grupo islamista radical Boko Haram, apesar de enfraquecido, continua a aterrorizar a população. Na quarta-feira, um ataque à comitiva eleitoral do governador do estado de Borno deixou dez mortos, segundo o Governo, lembrando que a ameaça do grupo se mantém.
Os confrontos na região central da Nigéria entre grupos de agricultores sedentários e criadores de gado nómadas também endureceram, e foram responsáveis por quatro mil mortos nos últimos dois anos. A violência entre os dois grupos, que lutam pelo acesso a terreno fértil e à água, é muitas vezes descrita como a primeira guerra não declarada causada pelas alterações climáticas.
A Nigéria é conhecida como uma das maiores exportadoras de petróleo e gás natural do mundo, mas esta riqueza em recursos naturais não evita que a pobreza aflija grande parte da população. Cerca de 90 milhões de pessoas vivem com menos de 1,7 euros por dia e a tendência é que esse número aumente nos próximos anos se nada for feito. O desemprego é galopante e será provavelmente a grande causa de uma potencial derrota de Buhari. Em quatro anos, a taxa de desemprego passou dos 8,2% para 23,1% e afecta mais de metade da população com menos de 35 anos.
O historial dos dois principais candidatos não parece, porém, fornecer pistas sobre como resolver estes e outros problemas do “Gigante de África” – na verdade, por motivos diferentes, Buhari e Abubakar põem em evidência esses mesmos problemas.
Os “avôs políticos”
Para a vitória histórica de Buhari em 2015 muito contribuiu a impopularidade do incumbente, Goodluck Jonathan, acusado de ineficácia na luta contra o Boko Haram e pouco interessado em combater a corrupção. As credenciais de Buhari – a quem chamavam de Mai Gaskiya (senhor Honesto), por não lhe ser conhecido qualquer envolvimento em esquemas corruptos –, foram suficientes para o eleitorado lhe perdoar até o seu passado como ditador nos anos 1980.
Mas quatro anos depois, a posição de Buhari assemelha-se cada vez mais com a do seu antecessor. À ineficácia tanto no combate à corrupção como na economia, junta-se um estado de saúde cada vez mais frágil, e que o obrigou a passar longas temporadas fora do país em tratamento. Os rumores de que teria morrido e sido substituído por um duplo foram tão insistentes, que o próprio Buhari se viu obrigado, no fim do ano passado, a assegurar publicamente ser ele próprio.
O seu adversário faz da luta contra o desemprego a grande bandeira da campanha, com o lema “Vamos fazer a Nigéria trabalhar outra vez”. Abubakar apresenta-se como um empresário de sucesso que quer trazer investimento estrangeiro para o país para criar empregos, mas o seu passado está recheado de suspeitas de corrupção. Um dos casos com maior repercussão foi o que envolveu o congressista norte-americano William Jefferson, que terá subornado Abubakar quando este era vice-Presidente para que fossem concedidos contratos a duas empresas tecnológicas. Jefferson foi condenado por vários crimes de corrupção, mas Abubakar negou sempre as acusações.
Ambos os candidatos são veteranos da política nigeriana e a sua posição de destaque nas eleições deve-se às grandes máquinas partidárias que os apoiam – o Congresso Progressista, de Buhari, e o Partido Popular Democrático, de Abubakar. A Deutsche Welle chama-os “avós políticos”, já que ambos têm mais de 70 anos e propõem-se governar um dos países mais jovens do mundo, onde 60% da população tem menos de 25 anos.
Entre os candidatos mais próximos daquilo que seria uma lufada de ar fresco na política nigeriana estão o orador motivacional Fela Durotoye, o ex-ministro da Educação que promoveu o movimento Bring Back Our Girls, Oby Ezekwesili, ou o economista Kingsley Moghalu.
Num artigo no Guardian, a escritora Chibundu Onuzo, imigrada no Reino Unido, prefere olhar com esperança para o longo prazo, e não para as eleições deste sábado. “É possível ter um Presidente que não tenha organizado um golpe. É possível ter um Presidente que não tenha tido acusações de corrupção a rondar a sua Administração, como moscas à volta de um cadáver. É possível ter um Presidente que não faça os nigerianos encolher-se de vergonha sempre que abre a boca e mostra a sua falta de ideias.”