O homem sem qualidades
Christian Bale interpreta Dick Cheney como um homem sem qualidades, uma cifra que nunca poderemos conhecer. Isso torna Vice tão interessante como frustrante.
Eis o dilema a que Adam McKay e Christian Bale se entregam na sua segunda colaboração após A Queda de Wall Street. Como filmar a história do vice-presidente de George W. Bush, Dick Cheney, de acordo com os factos que o condenam desde o primeiro momento como instigador do neo-imperialismo americano e da teoria do poder executivo, sem perder de vista que, afinal, esta criatura de credenciais tão impecavelmente conservadoras e tão odiada pelos liberais é uma pessoa com emoções?
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Eis o dilema a que Adam McKay e Christian Bale se entregam na sua segunda colaboração após A Queda de Wall Street. Como filmar a história do vice-presidente de George W. Bush, Dick Cheney, de acordo com os factos que o condenam desde o primeiro momento como instigador do neo-imperialismo americano e da teoria do poder executivo, sem perder de vista que, afinal, esta criatura de credenciais tão impecavelmente conservadoras e tão odiada pelos liberais é uma pessoa com emoções?
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Vice não responde à pergunta, essencialmente porque não há uma resposta possível. Ou seja: nem aproximando-nos dos factos (os seus problemas cardíacos, a sua aceitação incondicional da filha lésbica, o seu casamento com a namorada de adolescência que ainda dura todos os estes anos depois) conseguiremos penetrar na muralha de Cheney, simultaneamente opaca por não deixar ver nada e transparente por não esconder nada. Tal como Bale, que desaparece dentro da maquilhagem e dos quilos de peso a mais e interpreta Cheney como um “homem sem qualidades” a não ser a capacidade de estar no lugar certo à hora certa, como um mistério cifrado que parece ter apenas um objectivo na vida: o poder. Isso chega para fazer um retrato, e por extensão um filme?
McKay bem tenta, com truques narrativos que vão de linhas cronológicas alternadas ao próprio jogo constante com a quarta parede, com o narrador omnisciente (e às tantas o próprio Cheney) a dirigirem-se regularmente ao espectador. O efeito de sátira “contado ninguém acredita” vem, evidentemente, da Queda de Wall Street, onde McKay explicava em modo entertainment mas com pontaria a crise económica de 2007/2008; a sobreposição de imagens de 2018 para explicar como a política republicana de Cheney e Donald Rumsfeld descambou torna-o num belo exercício de agit-prop com consciência. Mas continua a haver um vazio no centro de Vice, porque o Cheney de Bale (e presumimos que até o verdadeiro) é um buraco negro impiedoso e inescapável, uma zona de mistério onde nada pode alguma vez ser conhecido. Dick Cheney tem qualidades? Ninguém neste filme tem uma resposta cabal. Esse é o seu triunfo, mas também o seu fracasso. E Cheney ri por último.