Usar a “casca de camarão” para proteger esculturas públicas?
Investigadores portugueses estão a desenvolver um novo produto, não tóxico e feito com os exoesqueletos de camarão, para protecção de esculturas que se encontram nos espaços públicos das cidades.
No Largo de D. João III, nas redondezas do Museu de Serralves, no Porto, mora Afonso de Albuquerque. É feito de pedra calcária (pedra-ançã), foi concebido por Diogo de Macedo em 1930 e está em mau estado. O conquistador de Ormuz, Goa e Malaca segura uma nau debaixo de um braço, mas o seu “ar desafiador” está escondido na pedra enegrecida pela poluição, clima e outros agentes agressores. Afonso de Albuquerque é uma das sete esculturas analisadas por uma equipa de investigadores portugueses e que poderão vir a beneficiar de um novo produto (uma nanopelícula microbiana) para uma protecção e conservação a longo prazo. A “capa protectora” à base de exoesqueletos de camarão deverá estar pronta no final deste ano.
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No Largo de D. João III, nas redondezas do Museu de Serralves, no Porto, mora Afonso de Albuquerque. É feito de pedra calcária (pedra-ançã), foi concebido por Diogo de Macedo em 1930 e está em mau estado. O conquistador de Ormuz, Goa e Malaca segura uma nau debaixo de um braço, mas o seu “ar desafiador” está escondido na pedra enegrecida pela poluição, clima e outros agentes agressores. Afonso de Albuquerque é uma das sete esculturas analisadas por uma equipa de investigadores portugueses e que poderão vir a beneficiar de um novo produto (uma nanopelícula microbiana) para uma protecção e conservação a longo prazo. A “capa protectora” à base de exoesqueletos de camarão deverá estar pronta no final deste ano.
O projecto Bionanosculp começou com um trabalho de diagnóstico de sete esculturas públicas em vários materiais, da pedra a materiais modernos, que existem na cidade do Porto e Santo Tirso. Rosalía de Castro (1951), por Salvador Barata Feyo, granito rosa, na Praça da Galiza, Massarelos, Porto; Afonso de Albuquerque; e duas peças que se encontram no Museu Internacional de Escultura Contemporânea em Santo Tirso, Sol, Lua e Vento (1997) de Satoru Sato, granito cinzento, e Eu Espero (1999), de Fernanda Fragateiro, de aço inoxidável, ambas no Museu Internacional de Escultura Contemporânea em Santo Tirso. E, finalmente, três esculturas que se encontram no Museu da Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto (no exterior): Movimento (1994), de Augusto Jorge Ulisses, de mármore; Repouso (1953), por Gustavo Bastos, argamassa de cimento; e O Guardador do Sol (1953), de José Rodrigues, bronze.
No artigo de acesso aberto publicado na revista IOP Conference Series: Materials Science and Engineering e que é citado numa notícia da revista Scientific American, lê-se que o objectivo do projecto Bionanosculp é “desenvolver soluções na área de nanomateriais sustentáveis, não-invasivos e de alto desempenho numa abordagem de conservação preventiva [das esculturas]”. Um dos passos essenciais para conseguir prevenir os danos destas peças públicas é perceber primeiro o que lá existe, o que se foi acumulando ano após ano. A equipa coordenada por Patrícia Moreira, microbióloga na Escola Superior de Biotecnologia da Universidade Católica, no Porto, e que contou com a colaboração de investigadores do Departamento de Engenharia de Materiais e Cerâmica da Universidade de Aveiro, começou por analisar a microbiota (a comunidade de microorganismos que é identificada através da extracção de ADN) instalada na superfície das esculturas.
“O projecto está na área de conservação e restauro do património cultural e, neste caso, focámo-nos na arte pública, mais precisamente nas esculturas. É um tipo de experiência de arte que está muito próxima das pessoas, mas que é, muitas vezes, esquecida”, contextualiza Patrícia Moreira em declarações ao PÚBLICO. São esculturas com as quais no cruzamos às vezes todos os dias e muitas dessas vezes sem prestar atenção à peça de arte exposta, sem cobrança de bilhete.
As sete obras que fazem parte deste projecto foram escolhidas tendo em conta que era necessário seleccionar uma amostra limitada e que abrangesse dois grandes grupos de materiais: os metais e a pedra. Após a selecção, foi criado uma espécie de “atestado médico” pormenorizado de cada peça, uma ampla caracterização que incluía não só dados sobre as esculturas, mas também sobre o ambiente à volta. A análise da “pele” das obras mostrou que ali existem bactérias, leveduras, fungos, líquenes e outros “intrusos” e que agora terão de ser relacionadas com os materiais e a localização das esculturas.
Agora, os especialistas estão a desenvolver nanopelículas com uma base de quitosano – componente natural extraída dos esqueletos dos crustáceos –, uma substância capaz de criar camadas protectoras em esculturas públicas. “A nossa ideia sempre foi trabalhar na área da conservação preventiva. Pensar como é que depois de uma limpeza a estas obras as podemos manter durante o máximo tempo possível livres destes problemas de contaminação que depois levam à deterioração dos materiais e a perdas significativas do valor da obra”, explica Patrícia Moreira. É aqui que entram os exoesqueletos de camarão. “O quitosano é um subproduto da indústria do marisco. O que procuramos é precisamente uma solução mais eficaz, mais sustentável e com menos toxicidade para os conservadores.”
O plano é desenvolver uma base semelhante para todo o tipo de materiais e depois trabalhar em diferentes formulações para diferentes tipos de material. A diferença da porosidade entre a pedra e o metal é óbvia, por exemplo. “Neste momento, estamos a fazer testes no laboratório com os nanofilmes em diferentes materiais.” E, claro, terá de ser uma “capa” protectora invisível, adequada a heróis (e outras figuras) imóveis de pedra ou metal que moram no espaço público.