A morte na família: como é que as crianças expressam o seu sofrimento?

A maioria dos adultos considera que a morte vai além da compreensão da criança e tenta protegê-la, evitando abordar o assunto.

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Joseph Greve/Unsplash

Quando alguém morre, não podemos deixar de considerar o impacto desse momento no equilíbrio do sistema familiar, especialmente numa perda dolorosa, como quando se perde um dos pais.

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Quando alguém morre, não podemos deixar de considerar o impacto desse momento no equilíbrio do sistema familiar, especialmente numa perda dolorosa, como quando se perde um dos pais.

A maioria dos adultos considera que a morte vai além da compreensão da criança e tenta protegê-la, evitando abordar o assunto. No entanto, é importante que sejam dadas respostas adequadas ao seu nível de desenvolvimento.

Uma das primeiras preocupações que surge é se a criança deverá estar presente no funeral. A criança deve ter a oportunidade de ir, mas não deve ser obrigada. Também não existe uma idade específica a partir da qual se possa afirmar que pode assistir ao funeral. Deve depender, sobretudo, do facto de isso ajudar, ou não, a criança a compreender e confrontar a experiência de morte.

Pode ser útil explicar antecipadamente o que irá ver, acontecer, ou o porquê de se ir ao funeral. As crianças em luto precisam também de saber que irão ser cuidadas e estimadas, de se sentir importantes e envolvidas e de alguém que oiça as suas dúvidas.

As crianças expressam o seu sofrimento de formas diferentes, através de mudanças emocionais, físicas ou comportamentais. Mas quais são então esses sintomas? E como devemos lidar com eles?

O estado de choque ou negação surge de forma mais intensa durante seis a oito semanas após a morte e em datas simbólicas. Nessa fase é importante o adulto proteger e apoiar a criança, com uma presença calma e estabilizadora.

Por vezes, a criança não sabe o que pensar ou sentir, mas essa falta de sentimentos deve ser reconhecida como forma de autoprotecção, não devendo punir-se a criança por isso.

Mudanças fisiológicas como cansaço ou fadiga/falta de energia, alterações de sono e apetite, aperto na garganta, falta de ar, nervosismo/tremores, dores de cabeça ou de estômago, são também frequentes. É importante ajudar a criança a entender estes sintomas como uma reacção normal e a expressar melhor o seu sofrimento, podendo ser necessário consultar um médico para despistar causas físicas para os sintomas.

Nalguns casos, surgem comportamentos de regressão, como dependência excessiva do progenitor e incapacidade de se separar dele, seja para brincar, ir à escola ou dormir, pedir ajuda para tarefas que já fazia sozinha ou regredir na linguagem. Deve tranquilizar-se a criança de que o progenitor vivo não a vai deixar.

Nos casos de Síndrome do “Homem grande” ou “Mulher grande”, a criança tende a crescer depressa para substituir o progenitor que perdeu, podendo usar palavras ou comportamentos típicos deste. Aí, devem apenas ser encorajadas as competências que são adequadas para o seu nível de desenvolvimento.

Pode acontecer, também, alguma desorganização e pânico, com comportamentos imprevistos, como sonhos, agitação, irritabilidade ou até dificuldade em concentrar-se. É necessário o reconforto e a presença física de alguém em quem confie.

Quando as emoções se tornam explosivas, com sentimentos de desamparo, frustração e mágoa, a criança sente-se zangada com a pessoa que morreu, o que implica perceber e aceitar que a zanga é parte natural do sofrimento e irá desaparecer.

Pode surgir algum temperamento explosivo, conflitos com os pares, desafio à autoridade, ou diminuição do rendimento escolar. Aqui os sermões são pouco produtivos, embora seja necessário pôr limites, bem como satisfazer as necessidades de afecto e segurança.

A criança pode passar a ter medo de não haver mais ninguém que cuide de si, de ver as outras pessoas sofrerem ou até da sua própria morte, sendo preciso reconhecer a necessidade de aceitação e ter sensibilidade para com os seus medos.

É frequente manifestar um sentimento de culpa. As crianças muitas vezes acham que por terem pensado uma coisa que depois aconteceu a culpa é sua. Deve-se evitar comportamentos que reforcem a ideia de que a morte é uma forma de punição e mostrar que é normal zangarmo-nos com as pessoas que amamos.

Podem ainda surgir sentimentos de perda, vazio e tristeza. A morte de um ente querido pode levar à depressão, à falta de interesse nela própria e nos outros, à incapacidade de vivenciar o prazer e a baixa auto-estima. Nesse caso, reconhecer a necessidade de ajuda profissional é essencial.

Ao longo do processo de aceitação da perda, o ente querido é lembrado e estimado e as memórias deixarão saudades, mas estes sentimentos não devem impedir a criança de descobrir novas formas de lidar com isso e ajustar-se ao seu dia a dia de uma forma adaptativa. O apoio do sistema familiar e escolar é nisso fundamental.