"Não nos podemos sentar no sofá à espera que o desejo apareça"

Numa altura em que abrem as candidaturas para o segundo ano do “único” doutoramento em sexualidade na Europa, Pedro Nobre, presidente da Associação Mundial de Saúde Sexual, alerta para a necessidade de uma boa saúde sexual.

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Pedro Nobre é psicólogo e professor associado com agregação na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto, onde dirige o SexLab Adriano Miranda

Para o presidente da Associação Mundial de Saúde Sexual (WAS), Pedro Nobre, é um mito dizer que “o desejo sexual vem espontaneamente”, assim como que os homens estão sempre prontos para o sexo. Essa crença de “macho” até lhes pode causar alguns problemas. E quando não há desejo? Há que criar estímulos eróticos e até fantasias sexuais e pensamentos positivos numa relação, responde. Estes são alguns dos temas abordados naquele que classifica como o “primeiro doutoramento em Portugal e único na Europa” em Sexualidade, na Universidade do Porto. E que conta com especialistas nas áreas de sexologia clínica, do género e identidades sexuais, educação sexual, medicina sexual, e saúde sexual e reprodutiva.

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Para o presidente da Associação Mundial de Saúde Sexual (WAS), Pedro Nobre, é um mito dizer que “o desejo sexual vem espontaneamente”, assim como que os homens estão sempre prontos para o sexo. Essa crença de “macho” até lhes pode causar alguns problemas. E quando não há desejo? Há que criar estímulos eróticos e até fantasias sexuais e pensamentos positivos numa relação, responde. Estes são alguns dos temas abordados naquele que classifica como o “primeiro doutoramento em Portugal e único na Europa” em Sexualidade, na Universidade do Porto. E que conta com especialistas nas áreas de sexologia clínica, do género e identidades sexuais, educação sexual, medicina sexual, e saúde sexual e reprodutiva.

O também director do SexLab da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto diz que “existe uma necessidade crescente de formação avançada e especializada na área da sexualidade”. Estes doutorandos poderão depois investigar e intervir nas várias dimensões da sexualidade e “promover a saúde sexual que é uma necessidade básica de todos, mas a que tem sido dada pouca atenção”, alerta. As candidaturas para a nova edição terminam a 1 de Março. 

É um mito dizer que o homem tem sempre desejo sexual?
Tradicionalmente os homens referem ter mais desejo sexual do que as mulheres. A grande maioria dos estudos mostra isso. No entanto, estamos sempre a falar de estudos que dependem da resposta das próprias pessoas (e por isso sempre subjectivas). É verdade que os homens têm mais testosterona (hormona relacionada com o desejo) e que, segundo as teorias evolucionistas, é fácil explicar por motivos reprodutivos um maior desejo nos homens comparativamente às mulheres. Mas também é importante perceber que a diversidade é a “norma”. Ou seja, há entre os homens e entre as mulheres uma grande diversidade, e por isso há muitas mulheres com desejo sexual elevado (e maior do que muitos homens) e vice-versa. Isto cria um problema acrescido a muitos homens, uma vez que a crença de que estes devem estar sempre prontos e ter actividade sexual sempre que possível é muito central e definidora da masculinidade.

Quer dizer que este mito pode causar graves problemas no homem, no seu desempenho sexual?
Para um homem que se identifica com esta crença, será muito difícil reconhecer abertamente quando o seu desejo não é tão elevado como seria suposto, e também lidar com a “pressão” de se comparar com o mito da masculinidade/infalibilidade sexual. Por isso, também tradicionalmente existem muito mais mulheres a “queixarem-se” de baixo desejo comparativamente aos homens. 

Nos dias de hoje, quem tem mais vontade? Eles ou elas, porquê?
Curiosamente e, apesar de historicamente os homens relatarem mais desejo sexual, cada vez mais vemos homens a queixarem-se de problemas de desejo e a procurarem ajuda. Os estudos mais recentes mostram uma tendência clara para este aumento, curiosamente mais visível em países ditos desenvolvidos e mais equitativos em termos de igualdade de género. O que pode significar uma menor adesão às crenças de masculinidade por parte dos homens e maior capacidade de reconhecer o baixo desejo. Outro aspecto muito importante é a discrepância do desejo nos casais. Isto tem sido estudado e significa que, muitas vezes, o mais importante não é se o desejo é alto ou baixo, mas o nível de compatibilidade no seio de um casal. Podemos ter casais em que ambos têm baixo desejo e que isso é vivenciado como não problemático e adaptativo. E depois podemos ter casos onde o problema não é o baixo nível de desejo, mas o facto de um dos membros ter muito mais desejo do que o outro e isto pode acontecer quer a homens quer a mulheres. Nestes casos, muitas vezes isto é vivido com grande angústia e o problema não é o baixo ou elevado desejo em cada um, mas sim a compatibilidade no desejo. 

Quando isso acontece, o que é que os casais podem fazer?
Nestes casos, a comunicação sexual é fundamental numa relação. Reconhecer que o desejo é muito diferente é um ponto de partida e depois procurar “negociar” estratégias para que ambos possam ter satisfeitos os seus desejos é a via mais frutífera. Obviamente isto está longe de ser fácil para muitos casais, mas pensar que se resolve sem investimento, partilha e comunicação/negociação, é um mito. E as nossas crenças sobre a sexualidade, o papel tradicional do homem (como activo) e da mulher (como passiva), acabam, muitas vezes, por não ajudar.

Existem segredos para ter uma vida sexual gratificante numa relação amorosa de longa duração?
Não existem segredos nem receitas iguais para todos, uma vez que a forma como cada um vive a sexualidade é muito própria e a diversidade é a norma. Curiosamente, a questão da diversidade nos comportamentos, preferências e fantasias sexuais foi uma das principais conclusões do histórico estudo conduzido por Kinsey nos anos 40 e 50 do século XX, nos Estados Unidos da América. No entanto, há aspectos importantes que devem ser tidos em conta. Alguns estudos, sobre o que melhor prediz a satisfação sexual, sugerem que mais do que medir se o pénis tem uma erecção de cinco, dez ou 20 centímetros ou estar preocupado com o tamanho do pénis, ou com a aparência física e o desempenho sexual – e isto são preocupações de muitos homens e mulheres –, aquilo que parece determinar mais a satisfação sexual das pessoas são os pensamentos sexuais e as emoções positivas com que vivem as experiências sexuais.

Defende, então, nos seus estudos que a parte cognitiva é mais importante?
Os estudos mostram isso claramente. Se uma mulher ou homem estiver sobretudo centrado no tamanho do pénis ou das ancas, ou no que quer que seja relacionado com a imagem corporal ou desempenho, dificilmente vai ter uma experiência sexual prazerosa e satisfatória, estejam com quem estiverem. Se não estivermos atentos e focados nas pistas e estímulos eróticos e no prazer – o que pode ser através de pensamentos ou fantasias –, dificilmente teremos uma experiência sexual satisfatória.

Alguns destes dados resultam de estudos que realizam no laboratório SexLab?
Sim, e que mostram que, independentemente da idade, da condição física e da duração da relação, o mais importante para explicar a resposta sexual e mesmo o desejo sexual é a forma como a pessoa vivencia em termos de pensamentos sexuais e emoções positivas a própria experiência sexual. Portanto, se queremos ter uma vida sexual mais satisfatória, temos de criar condições para aumentar a nossa capacidade para focar a atenção em estímulos eróticos e emoções positivas no decorrer de uma relação. 

Que tipo de estratégias é que os casais podem adoptar?
As estratégias podem depender de pessoa para pessoa, mas implicam criar condições para ter uma experiência sexual gratificante e prazerosa com o nosso parceiro ou parceira. E também depende, em grande medida, da forma como numa relação ambos os parceiros partilham desejos semelhantes ou estão abertos para partilhar os desejos e preferências do outro. Ou seja, a comunicação sexual e a capacidade de integrar e aceitar as preferências do parceiro também são fundamentais.

Como é que o podem fazer?
Não há nenhuma dica simples, porque aquilo que funciona para uma pessoa pode não funcionar para outra. Mas se quiserem ter uma vida sexual prazerosa e satisfatória têm de investir, ter tempo, e motivação. Existe um mito de que o desejo é sempre espontâneo e que todos devemos ter desejo para nos envolvermos sexualmente. E muitos homens e sobretudo mulheres (muitas vezes em relações de longa duração) se queixam que o seu desejo já não é o mesmo do que quando começaram a relação. E muitos acham que isto significa o fim da relação ou é um grave problema que deve ser tratado (incluindo com medicação). No entanto, e retirando casos mais extremos onde existem problemas médicos (doenças endócrinas que diminuem o desejo), na maior parte das situações o que temos é uma diminuição do desejo espontâneo que ocorre na maior parte dos casais ao longo do tempo. 

O que fazer?
A boa notícia é que mesmo quando o desejo espontâneo é baixo todos nós temos capacidade para responder e ter desejo perante situações e estímulos eróticos. A isto chamamos desejo responsivo, o que implica estar disponível e motivado para nos envolvermos sexualmente e quando a situação se proporciona termos uma resposta sexual e também desejo sexual. Mas é preciso criar condições e um contexto erótico, onde haja estímulos que nos façam ter prazer e aumentem a nossa vontade e isso tudo facilita a resposta sexual e o desejo de continuarmos a envolver-nos sexualmente. 

Porque é que refere que o desejo espontâneo é um mito?
Há desejo espontâneo, sim. Mas pensar que temos de esperar pelo desejo espontâneo para ter uma vida sexual satisfatória é o início de algo que não vai correr bem. Por exemplo, quando estamos numa relação estável há dez anos e já não estamos na fase da paixão, da descoberta, onde tudo tem um carácter mais erotizado, o desejo sexual espontâneo (sobretudo pelo parceiro/a) não surge tão frequentemente. Menos ainda, quando se tem filhos, tarefas exigentes, se sai tarde do trabalho, e temos cansaço acumulado. Seja que tipo de relação for (homossexual, heterossexual ou até poliamorosa), a grande questão é que as pessoas têm de criar momentos e isso significa pensar nisso, estabelecer prioridades na agenda: um dia, uma tarde ou noite para poder estar com os parceiros para criar condições para que haja envolvimento sexual, o prazer possa surgir e o desejo também.

Defende, então, que se deve investir na vida sexual.
Imaginemos que temos um jantar romântico ou outra coisa, e depois disso sentamo-nos no sofá e o desejo não vem. Não é assim. Não nos podemos sentar no sofá à espera que o desejo apareça, porque a probabilidade é volátil. A pessoa tem de investir e isso depende de cada um e pode ser através de fantasias, de estímulos visuais ou auditivos, de uma carícia, um toque ou através de mil e um pormenores. Mas é preciso investir. Normalmente, as pessoas sabem o que o outro gosta e o que o faz sentir mais desejado. Se isso for feito, o desejo acaba por vir.

É possível ter uma relação onde a parte sexual não existe?
Sim. É mais difícil obviamente, mas há pessoas para quem a vida sexual é menos importante do que para outras. O prazer sexual é fundamental para a grande maioria das pessoas, mas há, por exemplo, pessoas que se identificam como assexuais e que preferem viver uma vida saudável e satisfatória sem vida sexual (e existem estudos que o demonstram). Quem somos nós para as rotular como patológicas?