O ciclo natural da descentralização
Fora da capital, já só o silêncio responde à inevitabilidade de continuarmos a ser um dos países mais centralistas da Europa.
Lembram-se do Infarmed? Sim o da “decisão do Governo é que o Infarmed vá para o Porto”, que o primeiro-ministro repetiu cinco vezes no Parlamento e que agora está algures enterrada numa comissão, como é próprio desta democracia, sempre que se deseja que uma decisão mais complicada não veja a luz do dia.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Lembram-se do Infarmed? Sim o da “decisão do Governo é que o Infarmed vá para o Porto”, que o primeiro-ministro repetiu cinco vezes no Parlamento e que agora está algures enterrada numa comissão, como é próprio desta democracia, sempre que se deseja que uma decisão mais complicada não veja a luz do dia.
Como António Costa admitiu, o Governo “foi muito inábil” na condução desse processo, mesmo que a oposição e a esquerda não se tenham aproveitado deste tropeção como podiam porque, enfim, será sempre difícil ter a coragem para assumir que uma descentralização lógica e relevante só se fará se corresponder a uma diminuição do aparelho do Estado na capital.
Com as Jornadas da Juventude não houve lugar a inabilidades. Quando se soube da intenção do presidente Marcelo Rebelo de Sousa de se deslocar ao Panamá para o anúncio da localização das jornadas de 2022, já a decisão estava tomada e Lisboa era o destino. Não houve lugar a discussão como no caso da Agência Europeia do Medicamento ou do Infarmed. O ciclo natural de “Lisboa é que tem melhores condições, por isso vamos investir mais em Lisboa” fechou-se mais uma vez.
É pena que a Igreja Católica – que até já tem em Fátima um recinto próprio para estas celebrações – não tenha mostrado maior sensibilidade para o país, como é pena que o governo, perante uma oportunidade concreta de demonstrar vontade política de equilibrar o país se tenha comportado como habitualmente: deixando todo os pesos num dos lados da balança.
Desta legislatura ficará essa ausência de qualquer gesto – a deslocação de um organismo, a realização de um grande evento – que mostre que a ideia de descentralização não é um enunciado vazio, enredado em processos legislativos sem sustentação orçamental para ir entretendo as consciências.
O país fora da capital conforma-se neste ciclo natural que agora, com as legislativas à vista, se voltará a manifestar com uma discussão sobre regionalização para esquecer em mais alguma comissão no dia seguinte às eleições. Este mesmo ciclo se encarregou de exaurir da periferia o capital humano capaz de ser uma voz crítica e actuante, basta ver a triste figura dos autarcas da Área Metropolitana do Porto no processo do passe único que, em Abril, nos dará a oportunidade de ver se também aqui o ciclo se cumpriu.
Fora da capital, já só o silêncio responde à inevitabilidade de continuarmos a ser um dos países mais centralistas da Europa.