Alice no País das Maravilhas: uma apologia do nonsense

Alice é uma fantasia, feita de metamorfoses, delírio e absurdo. Dar corpo àquelas personagens todas não é desafio de somenos, e isso o espectáculo logra-o. A última sessão é hoje no Teatro São João, no Porto, às 16h.

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Alice no País das Maravilhas FILIPE FERREIRA

“Ele” é mesmo imparável! Já o tinha escrito há tempos quando, com escassas semanas de intervalo, se sucederam duas encenações suas, de uma ópera, Canção do Bandido, e de um espectáculo infantil, Catamarã. Repito-o agora por maioria de razões.

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“Ele” é mesmo imparável! Já o tinha escrito há tempos quando, com escassas semanas de intervalo, se sucederam duas encenações suas, de uma ópera, Canção do Bandido, e de um espectáculo infantil, Catamarã. Repito-o agora por maioria de razões.

Mas “ele”, que é Ricardo Neves-Neves, tinha ainda de acabar o ano de 2018 com mais outra criação – ou co-criação no caso, como já o fora em Março, no São Luiz, Banda Sonora, proposta brilhantíssima e assinalável êxito, que por isso será em breve reposto, mas desta vez com tournée – cuja digressão se conclui agora, e tinha logo de ser essa referência maior que é Alice no País das Maravilhas de Lewis Carroll – de facto, as duas Alices, essa e a Alice do Outro Lado do Espelho.

Não fora o facto de já antes terem feito um espectáculo em comum, a partir de Um Conto de Natal de Charles Dickens, e maior seria a surpresa por vermos associada a este projecto Maria João Luís, grandíssima actriz mas que mais associamos a outro tipo de propostas teatrais e que, por isso, a priori, dificilmente adivinhávamos atraída também por este universo – e nem conta o precedente de Um Conto de Natal, texto que é de ordem completamente distinta.

Mas já agora falemos desse precedente, para pôr pontos nos ii. Por causa dele, e do facto de esta Alice ter estreado em plena “quadra”, tal poderia fazer supor que se trata de um “espectáculo natalício”. Isso é um absurdo, para invocar um termo que, tratando-se de Alice, até vem particularmente a propósito, ainda que por outros motivos.

Alice é uma fantasia, feita de metamorfoses, delírio e absurdo, uma apologia do nonsense. Dar corpo àquelas personagens todas não é nada desafio de somenos, e isso o espectáculo logra-o, com destaque para o Chapeleiro (interpretado pela própria Maria João Luís) e o Gato de Cheshire. E talvez o contributo de tão experiente actriz tenha sido facto relevante para uma caracterização das personagens (e são toda uma galeria!) bastante mais detalhada do que é habitual nos espectáculos de Neves-Neves.

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Alice no País das Maravilhas FILIPE FERREIRA

E há a fantasia recorrente, de novo com os contributos fundamentais da caracterização de Cidália Espadinha e dos figurinos de Rafaela Mapri, e as constantes metamorfoses de espaço, ampliadas por uma superfície espelhada ondulada.

Mas atenção, muita atenção: as oitos Alices que cantam em uníssono no princípio do espectáculo são uma repetição de Banda Sonora. Sabemos bem que é estreita a diferenciação entre marca autoral e repetição, mas há que estar atento – tanto mais que aqui a repetição é descarada.

Mas esta Alice no País das Maravilhas também nos deixa esperançados de que, se Neves-Neves encontrou agora uma menina para o papel titular, isso também venha a suceder no futuro, se ele enfrentar o texto com o qual os seus mais se aproximam, a Zazie no Metro de Raymond Queneau.