Bolsos cheios e estádio vazio: eis o Basaksehir, líder do campeonato turco
Numa altura em que os principais clubes do país estão em crise, o actual primeiro classificado e principal candidato ao título tem poucos adeptos, mas tem um aliado de peso: Recep Tayyp Erdogan.
O Basaksehir de Istambul é uma dupla contradição no futebol turco. Numa altura em que os grandes clubes da Turquia atravessam uma crise financeira asfixiante, o Basaksehir tem os bolsos cheios e dinheiro para conseguir contratar gente de nome. Mas falta-lhe aquilo que Galatasaray, Besiktas ou Fenerbahçe, mesmo em crise, têm a rodos: adeptos. Num país em que o futebol é mais que uma paixão, o Basaksehir vai bem lançado para conquistar o seu primeiro título de campeão da Turquia, mesmo tendo a segunda média de espectadores mais baixa do campeonato. Mas quem precisa de adeptos quando se tem um amigo chamado Recep Tayyp Erdogan?
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O Basaksehir de Istambul é uma dupla contradição no futebol turco. Numa altura em que os grandes clubes da Turquia atravessam uma crise financeira asfixiante, o Basaksehir tem os bolsos cheios e dinheiro para conseguir contratar gente de nome. Mas falta-lhe aquilo que Galatasaray, Besiktas ou Fenerbahçe, mesmo em crise, têm a rodos: adeptos. Num país em que o futebol é mais que uma paixão, o Basaksehir vai bem lançado para conquistar o seu primeiro título de campeão da Turquia, mesmo tendo a segunda média de espectadores mais baixa do campeonato. Mas quem precisa de adeptos quando se tem um amigo chamado Recep Tayyp Erdogan?
A primeira divisão turca é praticamente um assunto reservado aos três grandes de Istambul, que dividem entre si quase todos os títulos: Galatasaray (21), Fenerbahçe (19) e Besiktas (15). Apenas Trabzonspor (6) e Bursaspor (1) conseguiram furar este domínio tripartido, mas pode estar para breve um campeão inédito. Com 20 jornadas disputadas, o Basaksehir já leva oito pontos de vantagem sobre o segundo classificado, o Galatasaray, e 11 em relação ao Besiktas, terceiro. Depois de dois quartos lugares (2015 e 2016), um segundo (2017) e um terceiro (2018), ser campeão parece a evolução natural para uma equipa que em 2014 estava na segunda divisão.
Se esse título acontecer, não haverá muita gente a celebrar na rua. O Basaksehir tem uma assistência média nos jogos em casa de 2766 espectadores, a segunda mais baixa entre os 18 clubes da superliga turca – oito estão acima dos dez mil por jogo e o Fenerbahçe, que lidera esta tabela, tem assistências acima dos 35 mil. Isto acontece mesmo com um estádio novo com capacidade para 17 mil espectadores e com uma equipa com muitos nomes familiares do futebol internacional, como Robinho, Emmanuel Adebayor, Arda Turan, Emre Belozoglu, Gael Clichy ou Demba Ba, entre internacionais de outros países (tem jogadores de 14 nacionalidades diferentes) e alguns “velhos” conhecidos do futebol português, como Júnior Caiçara (ex-Gil Vicente) e Márcio Mossoró (ex-Sp. Braga).
Se é verdade que as receitas de bilheteira nem sequer chegam para pagar as contas da electricidade, como escreveu recentemente o diário turco Cumhuriyet, citado num artigo do El País, e sem uma base de associados a pagar quotas, como sobrevive e prospera o Basaksehir? Basicamente, o clube é uma empresa que é gerida como tal e sem ter de prestar contas a sócios (que não tem) nem de se preocupar com eleições, mas isto não explica tudo. É um clube que tem fortes ligações a Recep Tayyp Erdogan, Presidente da Turquia, e tem um conselho de administração com membros ligados a várias empresas estatais, e patrocínio, por exemplo, da Turkish Airlines ou do banco Ziraat. O presidente do clube Goksel Gumusdag, não só é membro do Partido da Justiça e Desenvolvimento (o partido de Erdogan, o AKP), como é casado com uma sobrinha da mulher do Presidente turco.
A relação de Erdogan com o clube vem dos tempos em que ele era presidente da câmara de Istambul. Durante a sua gestão, entre 1994 e 1998, foi o responsável pela criação, nos arredores da cidade, de Basaksehir, um subúrbio destinado a uma população mais conservadora e que conheceria um forte crescimento económico e populacional (tem actualmente cerca de 400 mil habitantes) nos anos seguintes, já com Erdogan como primeiro-ministro do país. Nesta altura, o clube ainda existia como Istambul Buyuksehir Belediyespor (BB), fundado em 1990 e financiado pela companhia das águas da cidade.
Começou por baixo, conseguiu a promoção à primeira divisão turca em 2007 e ainda chegou a ser treinado por Carlos Carvalhal em 2012, mas no ano seguinte desceu de divisão. A permanência entre os “grandes” valeu-lhe de pouco para quebrar o domínio popular dos três maiores clubes da cidade – jogava no Estádio Olímpico Ataturk, mas os adeptos visitantes estavam sempre em maior número.
A época 2013-14 foi contraditória para o clube. Em termos desportivos, conseguiram a promoção, mas, por pressão popular, o clube deixou de ter apoio municipal. Como tinha subido de divisão e, para não acabar, avançou-se para a privatização, e o clube mudou de nome, passando a ser o Istambul Basaksehir, para além de se ter mudado para o estádio Fatih Terim. Erdogan, que chegou a ser futebolista amador na sua juventude, jogou na inauguração do recinto (marcou três golos, muito consentidos pela equipa adversária) em Julho de 2014 e o número que usou, o 12, foi retirado.
De volta à primeira divisão, o Basaksehir estabeleceu-se de imediato como uma das forças dominantes do futebol turco, aliando o recrutamento de futebolistas trintões com passado no futebol internacional ao desenvolvimento de uma estrutura de formação e à contratação de jovens jogadores a outros clubes turcos – e que até já resultou em 2017 numa grande transferência para a Série A italiana, do avançado Cengiz Under por 14 milhões de euros. Mas, com todo o seu sucesso, continua a ser um clube sem adeptos. Se for campeão, como tudo parece indicar, essa vai ser uma noite calma em Istambul.