O fôlego free jazz de Evan Parker e Peter Evans festejam dois anos de Solilóquios
O saxofonista veterano estreia-se no domingo neste ciclo de concertos que desde 2017 tem sede numa recatada sala da Baixa do Porto, em dueto com o trompetista repetente. A festa de aniversário arranca já no sábado com o regresso da harpista Jacqueline Kerrod.
Mestre da improvisação, figura proeminente do jazz, uma das mais relevantes pós-Coltrane, Evan Parker regressa a Portugal para participar num dos concertos de celebração dos dois anos de actividade dos Solilóquios – um ciclo dedicado à desconstrução musical de inspiração espontânea, sem rede e sem composições anteriormente ensaiadas.
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Mestre da improvisação, figura proeminente do jazz, uma das mais relevantes pós-Coltrane, Evan Parker regressa a Portugal para participar num dos concertos de celebração dos dois anos de actividade dos Solilóquios – um ciclo dedicado à desconstrução musical de inspiração espontânea, sem rede e sem composições anteriormente ensaiadas.
Numa sala recatada do último andar de um prédio do Porto com vista para os Clérigos, assinado pelo arquitecto Marques da Silva (1869-1947), Parker junta-se, este domingo, ao trompetista norte-americano Peter Evans, que recentemente escolheu Lisboa como sua casa e foi um dos primeiros músicos a passar pelo Edifício Quatro Estações no arranque do ciclo, em 2017.
Cada um desenhará um solo, o primeiro com o fôlego da sua experiência de veterano, o segundo com o sopro da inovação de quem já há muito saltou do lugar de promessa do free jazz a confirmação. Reúnem-se mais tarde, no mesmo dia, para um improviso a dois, missão que, pela cumplicidade comprovada em experiências conjuntas como a que tiveram no Evan Parker Quartet, tem tudo para correr bem.
Os dois são presença habitual em solo nacional; a de Peter Evans, pela condição de residente, é agora mais assídua. Parker já cá tinha estado uma série de vezes, entre elas, na última década, em 2012, a monitorizar uma residência artística em Pedrógão Pequeno, e, em 2016, no Out.Fest, no Barreiro. Regressa agora com Evans para marcar presença numa celebração que se estende por dois dias.
A festa arranca já no sábado, com o regresso da harpista Jacqueline Kerrod ao mesmo espaço por onde passou há um ano, para assinalar o primeiro aniversário do Solilóquios. A artista nascida em Joanesburgo, agora com base em Nova Iorque, dará no domingo outro concerto, no Conservatório de Música do Porto, com o baterista Pedro Melo Alves. Esta parceria nasceu da última visita de Kerrod à cidade, onde actuou com Anthony Braxton, no dia em que o multi-instrumentista, lenda do free jazz, celebrou 73 anos no palco do Edifício Quatro Estações, ao mesmo tempo que o Solilóquios festejava o primeiro ano de vida. Braxton também protagonizou então um solo, que foi registado em áudio e brevemente será eternizado em disco.
Depois, a 14 de Fevereiro, a harpista, que integra grupos como o ensemble de Anthony Braxton, o American Modern Ensemble, o International Contemporary Ensemble, o Metropolis Chamber Ensemble ou o duo pop Addi & Jacq, ruma a Coimbra para uma actuação no Salão Brazil, com um quarteto do qual também fazem parte Pedro Melo Alves, João Grilo e Mariana Dionísio.
Abrandar, mas pouco
Em dois anos, passaram pelo Solilóquios cerca de 50 músicos. Só no último contam-se aproximadamente três dezenas de concertos. Além dos nomes já referidos, fazem parte do portfólio do ciclo artistas como o contrabaixista Mark Dresser, o violoncelista Ernst Reijseger, o acordeonista João Barradas, a cantora Fátima Miranda, o compositor de world music Stephan Micus, Rob Mazurek, o guitarrista Gary Lucas, que tocou com Jeff Buckley, para quem compôs o tema Grace, o pianista Matthew Shipp, a saxofonista Ingrid Laubrock, o percussionista Hamid Drake ou a violoncelista Anja Lechner
O fundador do ciclo, Luís Baptista, diz ao PÚBLICO que ao terceiro ano o ritmo vai abrandar. “Vou organizar menos concertos”, avança com pouca confiança, prevendo que no final de 2019 vá contar mais concertos do que os que tinha planeado. Continua a agendar os solos sem qualquer apoio institucional, o que se por um lado tem desvantagens, por outro lhe dá a independência de que necessita para poder continuar a ter a liberdade de escolher os músicos.
O Solilóquios não é a sua actividade principal, nem nunca, a continuar assim, poderia ser. “Faço isto de forma a ser viável para mim”, diz, o que, trocado por miúdos, significa que as salas constantemente cheias lhe dão um prejuízo que consegue suportar.
Novidade para este ano é a parceria que estabeleceu com a Bienal de Fotografia do Porto, a realizar-se entre Maio e Junho, que integrará os solos do ciclo. Por agora, ainda sem data definida, está confirmada a presença do músico brasileiro Luís Bittencourt, que utiliza a água como matéria-prima para as suas composições.
Antes disso, o Solilóquios acolherá actuações do duo composto pela vocalista Sara Serpa e pelo guitarrista André Matos, a 28 de Março; o regresso do percussionista Hamid Drake, em duo com o contrabaixista William Parker, outro histórico do free jazz, a 17 de Abril; a estreia do contrabaixista argentino Juan Pablo Navarro, a 23 Abril; outro regresso, o do contrabaixista Mark Dresser, agora com a pianista Eve Risser; e uma residência artística com solo de Rodrigo Amado, ainda em data a definir.
Com a maior parte da agenda ainda por definir, já estão confirmados seis concertos para 2019. Esperemos para perceber se este “ano de abrandamento” não se traduz afinal num resultado que supere os 30 concertos do ano anterior.