Caso Jamaica: todos os partidos responderam de forma “lamentável”, diz Isabel Moreira
Deputados ouviram grupos de brasileiros e afrodescendentes na primeira audição pública que irá dar origem a um relatório sobre racismo, xenofobia e discriminação. Objectivo é servir de base para partidos usarem nos seus programas eleitorais. Falou-se do caso Jamaica e de apartheid.
O poder político, das juntas de freguesias ao Parlamento, não inclui nas suas listas e lugares de liderança afrodescendentes ou imigrantes. A mesma discriminação acontece no trabalho, onde as posições de liderança estão "fechadas". Poucas queixas de racismo chegam até ao fim, aos tribunais. O sistema escolar segrega. Há "um apartheid" na Área Metropolitana de Lisboa onde os jovens em bairros da periferia não têm como sair depois das 21h porque não há transportes. Isso tem impacto na saúde mental da população negra. Estas foram algumas das ideias abordadas nesta sexta-feira na Assembleia da República pelos intervenientes na audição pública às comunidades de afrodescendentes e brasileira, promovida pela subcomissão parlamentar para a Igualdade e Não Discriminação.
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O poder político, das juntas de freguesias ao Parlamento, não inclui nas suas listas e lugares de liderança afrodescendentes ou imigrantes. A mesma discriminação acontece no trabalho, onde as posições de liderança estão "fechadas". Poucas queixas de racismo chegam até ao fim, aos tribunais. O sistema escolar segrega. Há "um apartheid" na Área Metropolitana de Lisboa onde os jovens em bairros da periferia não têm como sair depois das 21h porque não há transportes. Isso tem impacto na saúde mental da população negra. Estas foram algumas das ideias abordadas nesta sexta-feira na Assembleia da República pelos intervenientes na audição pública às comunidades de afrodescendentes e brasileira, promovida pela subcomissão parlamentar para a Igualdade e Não Discriminação.
Foi a primeira de várias audições que irão decorrer durante a preparação de um relatório sobre racismo, xenofobia e discriminação, que será entregue em Julho, liderado pela deputada do PS e relatora Catarina Marcelino. O objectivo é produzir um documento com recomendações ao Parlamento e que aponte alguns caminhos que os partidos possam usar nos seus programas.
Na sessão foram assim deixadas várias ideias à Assembleia da República, inclusivamente pelos próprios deputados. Depois de várias intervenções fortemente críticas feitas por representantes de grupos afrodescendentes, a deputada do PS Isabel Moreira acusou todos os partidos de terem respondido de forma “lamentável” aos acontecimentos no bairro da Jamaica e de terem tido “medo” de tomar uma posição mais clara sobre os acontecimentos. E acrescentou: “Nenhum de nós tem verdadeiramente inscrito [no seu programa] a luta e políticas anti-racistas, não vale a pena fazer propaganda”, referiu. E acrescentou que "Portugal é um país racista": “Ninguém tem dificuldade em dizer que somos um país machista mas dizemos que Portugal é um país racista — e pára tudo!”
Na sua curta intervenção no final, Vânia Dias da Silva, do CDS/PP, recusou a ideia de Portugal ser um país racista, mas reconheceu que há racismo e muitos aspectos das leis que é preciso passar à prática.
José Manuel Pureza, do Bloco de Esquerda, não hesitou em afirmar que "há um apartheid" que é preciso combater. Face aos últimos acontecimentos e às mensagens de ódio que o assessor do BE, Mamadou Ba, continua a receber “é risível colocar a questão de saber se há racismo ou não”, afirmou.
Convite "não é uma oferta" mas conquista
As intervenções dos grupos tinham sido críticas. Da Associação Moinho da Juventude, Flávio Almada afirmou que este convite da Assembleia “não é uma oferta” mas “fruto das lutas” da população negra. Referiu ser necessário separar “moralismo da política”: “O racismo é uma combinação entre poder e preconceito." E no final disse: “O racismo é transversal à sociedade portuguesa e há responsabilidade dos partidos, seja de direita ou de esquerda."
Também Filipe Nascimento, da Associação Caboverdeana, criticou os deputados por o seu trabalho “estar muito aquém do que era de esperar”. Traçou o retrato do emprego da comunidade afrodescendente, maioritariamente em postos “de limpeza ou construção civil”. Já “as actividades que do ponto de vista intelectual são valorizadas estão vedadas", sublinhou. “O próprio Estado, o maior empregador, não dá o exemplo nessa matéria."
Inevitavelmente, o caso Jamaica veio ao debate. Flávio Almada deu-o como exemplo das “condições em que as pessoas estão a viver”, em que “são tratadas como lixo”. Traçando o “mapa” da Área Metropolitana de Lisboa e acusando o poder público de empurrar para a periferia a população negra que antes morava no centro, referiu os realojamentos nos bairros de Santa Filomena e 6 de Maio, na Amadora, ou de Pedreira dos Húngaros onde “o processo é sempre violento” e as pessoas são postas “no ‘quarto do despejo’”. Os novos espaços onde as pessoas vão habitar seguem uma “arquitectura policial”: “Não é um apartheid jurídico mas é de facto. É segregação."
Também do Moinho da Juventude, Jakilson Pereira acrescentou: “O subúrbio anda a perturbar muita gente. Jovens como eu e o Flávio vínhamos para o Bairro Alto divertir-nos e éramos revistados 10 vezes numa noite." Citou a manifestação de dia 21 de Janeiro na Avenida da Liberdade, que acabou com pedras e balas de borracha da polícia: “Um grupo de jovens a exercer a sua cidadania levanta assim tanto medo?”
Já Beatriz Dias, da Djass, professora numa escola no centro de Lisboa, criticou o sistema de ensino onde há uma esmagadora maioria de alunos afrodescendentes nas vias profissionais, além de sublinhar ser necessário acabar com a ideia de que “a civilização europeia é o epicentro de toda cultura”. “É importante que esta História seja contada como realmente foi”.
Também Rita Rato, do PCP, que sublinhou a importância de se combater o racismo e as desigualdades económicas e sociais em simultâneo, falou do sistema de ensino: defendeu o fim das vias profissionais no sistema de ensino por entender que segregam as populações: “A linha de Sintra tem mais escolas com vias profissionais do que gerais.”
Vários intervenientes, de deputados a representantes de grupos, responderam à intervenção inicial de Elza Pais, presidente da Subcomissão, que reforçou a ideia de que Portugal tem um quadro legal “robusto” em várias áreas, do combate à discriminação às “elogiadas” leis da nacionalidade: mas como a própria sublinhou, das leis à realidade vai uma distância enorme”, razão pela qual o Parlamento está a elaborar este relatório.
A segunda audição está marcada para 19 de Março, e aí serão ouvidos grupos representantes de comunidades ciganas.
Os deputados irão ainda fazer visitas: já na segunda-feira irão a alguns bairros onde vivem comunidades ciganas em Bragança. Irão ainda, durante os próximos meses, visitar outros locais: um parque nómada em Coimbra, uma escola em Moura, o bairro da Bela Vista em Setúbal e o Vale da Amoreira, na Moita, ou a Cova da Moura, na Amadora, entre outros. Vão auscultar especialistas de várias áreas e dirigentes da administração pública, como a Direcção-geral da Educação, a Inspecção Geral da Administração Interna, a Autoridade para as Condições do Trabalho, a Direcção Geral de Saúde ou o Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana. No final, ouvirão os membros do Governo responsáveis por estas áreas.