A urgência do “imposto Google”
A forma como as multinacionais da economia digital são taxadas é obsoleta e completamente ultrapassada.
“Nós pagamos todos os impostos e agimos de acordo com as leis em cada país onde operamos.” Esta afirmação é da Google, num comunicado lançado no início de 2019. O que motivou estas justificações? Descobriu-se que a empresa tinha desviado para um offshore nas ilhas Bermudas 19,9 mil milhões de euros em 2017, num esquema para fugir ao pagamento de impostos.
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“Nós pagamos todos os impostos e agimos de acordo com as leis em cada país onde operamos.” Esta afirmação é da Google, num comunicado lançado no início de 2019. O que motivou estas justificações? Descobriu-se que a empresa tinha desviado para um offshore nas ilhas Bermudas 19,9 mil milhões de euros em 2017, num esquema para fugir ao pagamento de impostos.
A sanduíche holandesa é uma técnica de evasão fiscal e não uma especialidade culinária dos Países Baixos. Foi esta a técnica utilizada pela Google para fugir ao pagamento de impostos. O processo é simples e legal: 1) Uma empresa atribui todos os lucros obtidos a uma subsidiária na Irlanda; 2) a subsidiária transfere os lucros sob a forma de dividendos para outra subsidiária na Holanda, não pagando impostos por serem dois países da União Europeia; 3) a partir da Holanda o dinheiro é transferido ainda para outra subsidiária nas Bermudas, beneficiando do regime fiscal entre estes dois últimos países que permite fugir ao pagamento de impostos.
Atenção, não é só a Google que utiliza este esquema. O Facebook dislike impostos, a Microsoft ou a Apple também. Já percebemos que a maçã não foi a única a levar uma mordidela, as receitas fiscais dos Estados levaram uma dentada bem maior. Tudo isto é possível porque a forma como as multinacionais da economia digital são taxadas é obsoleta, completamente ultrapassada, e porque a legislação internacional e os acordos bilaterais foram feitos à medida da ganância dos gigantes tecnológicos.
Além disso, o tempo da economia digital é mais rápido que o dos sistemas fiscais. O mundo dos serviços digitais vive na internet, com bits e bytes, comunica com clientes e utilizadores pelos sítios eletrónicos ou plataformas digitais, chega a milhões sem passar por uma alfândega ou uma fronteira. Mas nem só da fuga ao fisco é feita a fortuna destas multinacionais.
E se lhe dissesse que o modelo de negócio destes gigantes tecnológicos depende da riqueza que é criada por si, por todos os utilizadores? Já sei a resposta, dirá que não paga nada para aceder às plataformas digitais, às redes sociais, que é tudo gratuito. É aí que se engana redondamente, nem na internet há almoços grátis. A informação das suas preferências, viagens, deslocações, amizades, interesses, é a verdadeira mina de ouro destes gigantes tecnológicos. Com essa informação, a chamada big data, construíram uma rede de serviços que vendem e na qual se baseiam os seus lucros, serviços que não existiriam sem esta informação criada pelos utilizadores. São os utilizadores que criam, pela sua ação, o valor das empresas prestadoras dos serviços.
Que serviços são esses? A publicidade online personalizada, como a que acontece na utilização do Gmail ou do Facebook. A intermediação online, como assistimos no Airbnb. E a transmissão de dados, como foi possível ver na relação entre o Facebook e a Cambridge Analytica.
São serviços que não existiriam sem a ação dos utilizadores e, por isso, devem dar o retorno aos territórios onde esse valor é criado. É isso que motiva o Bloco de Esquerda a propor a criação de um imposto que garanta a justiça fiscal que hoje é negada pela engenharia financeira dos gigantes tecnológicos e pelo atraso dos sistemas fiscais nacionais.
Contudo, além da distribuição da riqueza, há um contributo essencial que este novo imposto pode dar. A nova economia digital tem um lado que nos chega com as fake news e a informação pouco cuidada ou enviesada e cria nuvens negras sobre os regimes democráticos.
As preocupações com a iliteracia digital nascem da constatação desses perigos que a economia digital coloca sobre a cidadania e as democracias. Para responder a estes desafios, temos de garantir uma cidadania informada que não fique refém das campanhas de notícias falsas, de hierarquia de importância definida pelos algoritmos politicamente enviesados. Para isso, precisamos de uma comunicação social forte e independente, capaz de informar. É isso que as receitas deste imposto devem ajudar a alcançar.
O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico