Ministro da Defesa: “As contrapartidas não têm historial de sucesso”
João Gomes Cravinho cumpre na próxima semana quatro meses no cargo. Antevê para o Arsenal do Alfeite a reparação de submarinos e quer o património da Acção Social das Forças Armadas em pratos limpos até ao fim de Fevereiro.
- Entrevista ao ministro da Defesa: “O primeiro-ministro deve ser António Costa”
Doutorado em Ciência Política, professor de Relações Internacionais, consultor da Gulbenkian, embaixador da União Europeia no Brasil e na Índia, é, desde 15 de Outubro, titular de uma pasta tornada incómoda. Ambiciona lançar as bases de uma nova cultura de segurança, tem a Lei de Programação Militar em trâmite parlamentar, insiste que o Governo de que faz parte tem uma orientação e uma filosofia diferentes do executivo anterior de Passos Coelho e que teve João Pedro Aguiar-Branco na Defesa. Para ilustrar os novos tempos, é peremptório e condena as políticas de contrapartidas para a compra de material de guerra. “Não têm um grande histórico de sucesso”, ironiza.
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Já há um esclarecimento sobre o Património da Acção Social das Forças Armadas que inviabilize arrendamentos ilegais a turistas?
Já havia por parte do meu antecessor, em Outubro, um pedido de esclarecimento cabal ao Instituto de Acção Social das Forças Armadas (IASFA). O meu gabinete tem acompanhado de perto o desenvolvimento de novas regras no âmbito do IASFA que impedem que militares tenham mais de uma fracção e que haja qualquer tipo de subarrendamento. Havia dois problemas: a falta de regras e a simples desonestidade porque, mesmo sem regras, devemos saber o que é razoável e o que não é razoável. Hoje isso já não seria possível e há, sistematicamente, um acompanhamento por parte do meu gabinete das propriedades do IASFA.
O relatório do Tribunal de Contas vai também fazer luz?
Espero que sim. Temos três auditorias ainda não finalizadas. A do Tribunal de Contas, a da Inspecção-Geral de Finanças, ambas em fase de contraditório e de que já vimos uma versão preliminar, e a da Inspecção-Geral de Defesa Nacional, com um enfoque específico sobre o património. Esses três elementos, que espero ter em mãos ainda em Fevereiro, permitem fazer, é esse o meu objectivo, uma reorganização e reorientação do IASFA.
A nova Lei de Programação Militar (LPM) terá os consensos no Parlamento que deseja?
Vamo-nos esforçar nesse sentido, nomeadamente vou ter conversas aprofundadas com todos os partidos políticos que não rejeitaram a LPM. O Bloco de Esquerda rejeitou, temos obviamente respeito pela posição que cada um assume mas, ao ter rejeitado, não vou procurar convencer o Bloco de Esquerda a apoiar. Os outros partidos manifestaram ou apoio total ou apoio geral com algumas preocupações. O que quero fazer é, no respeito por uma lei que nos parece ser coerente com uma lógica própria, desenvolver conversas para ver se a LPM pode ser adaptada, melhorada. Não tenho a pretensão de ter apresentado uma lei perfeita e nesse processo podemos chegar a um consenso o mais alargado possível. Não pode ser um processo de barganha política, tem de ser respeitada a integridade da lei, a lógica e a coerência de fundo, mas dentro desses parâmetros admito ajustamentos que possam trazer mais conforto a diferentes partidos e criar um respaldo alargado na Assembleia da República.
A dotação orçamental da LPM é suficiente?
A LPM é uma lei para 12 anos e os recursos são sempre inferiores ao que desejaríamos, mas temos algumas prioridades claras. Esta lei corresponde a essas prioridades e sei que com os 4,7 mil milhões de euros temos capacidade para vigiar e defender a nossa plataforma continental que é imensa, de corresponder a um conjunto de objectivos que estão explicitados. Fazendo-o também de uma maneira que procura o duplo uso, grande parte dos equipamentos que vamos comprar podem ser utilizados também em missões de natureza civil, e que a aquisição desses equipamentos seja um estímulo à nossa economia. Podemos ajudar a criar muito emprego, ajudar muito a inovação. A lei tem de ser vista como um investimento e não simplesmente despesa, um investimento com consequências multiplicadoras para a economia.
A ciberdefesa implica rever as remunerações de técnicos altamente especializados e disputadíssimos no mercado. Há meios?
Não chegámos à questão da grelha salarial dos especialistas de ciberdefesa que serão militares, alguns, e civis, outros. Diria, no entanto, que as nossas Forças Armadas – oficiais, sargentos e praças – têm de estar em condições de competir no mercado com o sector privado. As Forças Armadas não podem ser entendidas como solução de recurso para quem não tem outro tipo de emprego. Queremos criar condições ou melhorar as condições. Começamos por procurar aqueles que têm vocação, mas tendo vocação precisamos de dar aos nossos militares a capacidade para trabalharem ao longo de uma carreira sem serem penalizados por terem feito a opção militar. As recompensas são, por um lado, monetárias, o salário conta sempre, mas também podem ser de outra natureza, relacionadas com a formação que os militares vão tendo, com apoios de natureza social no período em que estão nas Forças Armadas, como creches ou outros, e depois para o período da reforma em que também devem merecer atenção especial.
Tudo isso entronca numa nova cultura de segurança nacional. Lançar essas bases é o seu grande repto?
Tenho plena consciência de que não é no prazo de um ano que isso se faz, mas obviamente que no prazo de um ano podem-se apontar caminhos. A minha grande preocupação é que o conforto que resulta de várias décadas em que não temos guerra, ou que as guerras existem lá longe e participamos apenas selectivamente como contribuintes para a segurança internacional, induza um falso sentimento de conforto. O futuro é incerto e, nessa medida, temos obrigatoriamente de partilhar com a opinião pública essa noção. Temos de ajudar a criar as condições para que a opinião pública se reveja na necessidade de Forças Armadas bem equipadas e que nos possam dar alguma garantia de segurança.
Seria uma frustração, ao fim de um ano, abandonar essa tarefa?
O Estado tem continuidade e os estados de alma pessoais pouco importam. O Estado tem continuidade e acredito que quem for ministro da Defesa na próxima legislatura deve ter esta preocupação, porque é algo que se sente muito quando sentado aqui nestas funções.
A Empordef vai mesmo fechar?
Há um processo de liquidação da Empordef que está em curso, isso não quer dizer que o interesse do Estado no sector industrial de Defesa vá cessar, muito pelo contrário. As circunstâncias de hoje, 2019, são bem diferentes das de 2015, para além de haver um Governo com uma orientação diferente e uma filosofia de fundo diferente sobre a relação do Estado com o sector privado. Hoje temos um desafio muito grande que é saber se devemos participar com as nossas indústrias de defesa, do Estado e do sector privado, a chamada base tecnológica industrial de defesa, nos projectos da Cooperação Estruturada Permanente. Estou a montar uma equipa que, por um lado, é interna, com os ramos das Forças Armadas, as diferentes direcções-gerais – Recursos de Defesa, Política de Defesa –, os sectores empresariais do Estado da área, com o sector privado e outros ministérios, a Economia e a Ciência. Para juntos pensarmos quais os projectos que mais interessam à participação portuguesa. Seja juntando, criando sinergias entre perspectivas mais de natureza militar, e as de natureza industrial-económica. Este é um desafio muito grande e não termos um sector empresarial do Estado na área da Defesa seria muito prejudicial para as nossas capacidades nesta área. Veja-se o que se passa na generalidade dos outros países europeus, em que o Estado está também presente nas indústrias de Defesa.
Qual o futuro das participações da Empordef, em especial nas OMGA?
As OMGA têm uma participação de 35% do Estado e o que me diz a Embraer é que se mantém inteiramente comprometida com as OMGA, que não é directamente afectada pelo negócio da Boeing com a Embraer. A Embraer tem três componentes, a aviação civil, que vai passar a ser maioritariamente controlada pela Boeing, a componente dos jactos executivos e a militar, que também ficará em mãos exclusivas da Embraer. Sabemos, evidentemente, que há sinergias entre os diferentes pilares, mas as OMGA estão na parte militar e, portanto, não são directamente afectadas pela fusão. Por outro lado, a fusão com a Boeing é algo que está a ocorrer, não sabemos exactamente se vai ser como previsto há alguns meses ou vai haver ajustamentos, mas a garantia que me dão os executivos da Embraer é que as OMGA não serão afectadas.
A compra de material de guerra não devia ser feita por uma entidade pública de Defesa?
Temos vários concursos que foram alocados ao NSPA, agência da NATO...
O NSPA disciplina as compras?
Nisto estou bastante à vontade, porque tudo data do período anterior à minha entrada em funções, mas parece-me que haver uma agência especializada no âmbito da NATO que todos os anos faz concursos para diferentes países da Aliança facilita porque há, automaticamente, um fundo de conhecimento dos mercados e de como fazer concursos públicos internacionais que, no nosso caso, seria muito mais escasso pela nossa dimensão.
Há economias de escala?
Há economias de escala e há profundidade de conhecimento. Por outro lado, as pessoas dizem que há influências deste ou daquele grupo quando tratamos no plano nacional. Bom, é também uma maneira de eliminarmos as desconfianças. Nós estabelecemos parâmetros, dizemos qual o tipo de equipamento que queremos e a partir daí há um processo internacional no qual Portugal participa, acompanha, verifica e faz todo o exercício de monitorade necessário. Sai ligeiramente mais caro porque é preciso pagar à agência para fazer esse trabalho, mas temos o sentimento que há um trabalho sólido e bem feito.
Qual é a incorporação nacional na compra e modernização do material?
Depende do que resultar das negociações, da lei final da LPM, e vai depender da nossa capacidade em maximizar o envolvimento nacional nos processos de aquisição. Nalguns casos, estamos a falar de concursos internacionais, noutros, como os navios patrulha oceânicos e mesmo o navio polivalente logístico, que podem ser feitos em Portugal, depende do produto exacto que se quiser. Temos estado a produzir navios patrulha oceânicos em Viana do Castelo e espero bem que seja possível chegar a um entendimento sobre preços, não admito outra hipótese. Em relação ao navio polivalente logístico, um termo que abrange uma grande gama de possibilidades, algumas estão ao alcance de estaleiros nacionais.
Deve haver contrapartidas para a indústria nacional?
As contrapartidas não têm um grande histórico de sucesso, prefiro olhar para o envolvimento da indústria nacional directamente na produção do equipamento do que estar a criar contrapartidas que só à distância se relacionam com o que se vai adquirir. Esse não vai ser o enfoque da nossa abordagem.
A modernização das MEKO e classe M será em regime de concessão?
O que está em cima da mesa diz respeito a como tratar o fim de vida das fragatas Vasco da Gama. Isto é alvo de debate, na medida em que esse final de vida pode ser mais prolongado com investimento de algum peso, ou mais curto se o dinheiro for reafectado para a aquisição de novas fragatas. Nos anos 30 deste século, no final do período da LPM, teremos de ter novas fragatas ou nos anos de 2024 ou 2025 fazer a actualização, e temos dois a três anos para chegar a uma conclusão.
Continuará no Arsenal do Alfeite o upgrade e revisão dos submarinos?
Estão a ir à Alemanha trabalhadores do Alfeite para fazer formação para fazerem aqui o upgrade do Arpão para 2019. Isto é muito importante porque vai dar uma nova capacidade aos estaleiros do Alfeite que permitirá concorrer para receber submarinos de outras marinhas que deixarão de ir à Alemanha fazer a reparação. Estamos a ganhar no Alfeite uma nova competência que representa novos mercados possíveis.
Há uma hipótese de nova linha de negócio?
Que já está a ser pensada pela direcção do Alfeite. Sabemos que há um conjunto de marinhas, da Grécia e do Egipto, entre outras, com submarinos semelhantes e que o próprio estaleiro de Kiel está mais interessado em produzir novos do que ocupar o seu espaço com reparações, pelo que temos uma abertura de mercado muito interessante que compete à direcção do Alfeite saber aproveitar.