Quanto custa fazer um jardim no Martim Moniz?

A câmara de Lisboa está num colete de forças. O Martim Moniz corre o risco de ser um caso excepcional de oportunidades perdidas. Mas ainda pode ser um exemplo histórico.

Reparei hoje que a carpete de sisal que forra o chão da entrada do meu prédio passou a ter duas cores: castanho escuro no lado direito e castanho claro no esquerdo. A razão é simples: há dois anos que temos uma guest house no rés-do-chão cuja porta é à esquerda.

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Reparei hoje que a carpete de sisal que forra o chão da entrada do meu prédio passou a ter duas cores: castanho escuro no lado direito e castanho claro no esquerdo. A razão é simples: há dois anos que temos uma guest house no rés-do-chão cuja porta é à esquerda.

Como o movimento para a guest house é maior do que para as escadas de acesso aos andares dos moradores, o tapete está mais gasto desse lado — tão gasto que mudou de cor. Passam por dia mais pés e mais malas.

Em versão nano, o nosso tapete é o espelho do que está a acontecer ao centro histórico de Lisboa. O bairro está mais cheio, mais sujo, mais barulhento. É por isso que centenas de moradoras pedem um jardim para a praça do Martim Moniz.

A falta de espaços verdes sempre foi um problema do bairro. Mas tornou-se flagrante desde que os passeios, os cafés, as ruas pedonais e até o Terreiro do Paço passaram a estar cheios de esplanadas e de turistas.

Agora que não há um metro quadrado livre, agarramo-nos à hipótese de fazer nascer no Martim Moniz um espaço onde o projecto seja não haver um projecto. Hoje, a praça é uma fonte de receitas para a câmara, mas esse é um modelo antiquado.

Não é fácil. Debaixo do Martim Moniz há um parque de estacionamento, o que impede criar um novo Monsanto. Mas há jardins e jardins. Em Nova Iorque, nunca vi raízes a furarem a ponte de ferro da West Village que em 2009 foi transformada num jardim suspenso, a High Line — vi, sim, que salvou uma parte abandonada da cidade e tornou-se um ícone do pensamento urbano do futuro. Em último caso, podem comprar-se lugares do parque de estacionamento e usá-los para silos a encher com terra.

Custaria dinheiro? Sim. Por isso temos de saber quanto custa fazer um jardim no Martim Moniz e que tipo de jardim seria realista. A seguir, é preciso saber como seria pago. Depois, se for utópico, é preciso explorar alternativas. Mesmo não fazer nada custaria dinheiro.

Segundo o contrato de concessão para o Martim Moniz, a MoonBrigade vai pagar à câmara de Lisboa uma renda mensal de 5610 euros e 46 cêntimos, mais IVA. Não são 60 mil, são cinco mil euros por mês. Além desses 100 ou 150 mil euros por ano de renda que deixa de receber, a CML perde outros 150 mil euros da dívida do antigo concessionário que tinha conseguido receber ao negociar a transferência para o novo concessionário. Se li bem o contrato, a CML recebeu metade dessa dívida em Setembro, no dia em que passou a concessão para a MoonBrigade. Aqui, vamos em 300 mil euros de prejuízo.

Também temos de saber quais são as consequências financeiras de uma rescisão, caso a CML abra um processo negocial para dizer aos promotores que não tem condições políticas para avançar. No contrato, não vi cláusulas com cálculos de rescisão, mas na 1.ª cláusula li que a MoonBrigade não tem “direito a reclamar qualquer compensação” se o projecto a apresentar não for aprovado nem tiver “pareceres internos” positivos. Haverá aqui margem para se rescindir sem que os advogados da brigada da Lua queiram esvaziar os cofres camarários? Se os vereadores chumbarem os projectos, um após outro, seria isso aceite pelo Tribunal de Contas como uma razão de interesse público? A tudo isto é preciso somar o custo da construção e manutenção do jardim, relvado ou praça pedonal.

No sábado, fui para a rua com os meus filhos dar a mão na roda gigante de moradores que pedem um jardim para o Martim Moniz. Mas isso não chega. Não podemos continuar a discutir a cidade no abstracto.

O protesto dos cidadãos veio tarde. Andámos todos a dormir. Os moradores, a junta de freguesia de Santa Maria Maior e os autarcas, do PCP ao CDS.

Perdemos a primeira oportunidade em 2015, quando o antigo concessionário devia à câmara 150 mil euros. O não pagamento da renda é um incumprimento legal e razão para rescindir sem indemnização. Fernando Medina herdou as dívidas da EPUL e pediu ao antigo concessionário os 150 mil euros em falta. Podia ter aproveitado o momento para repensar a praça. Isso não aconteceu. Ninguém teve essa ideia. Nem a câmara, nem a oposição, nem a junta, nem os moradores.

Agora, a câmara está num colete de forças e o Martim Moniz corre o risco de ser um caso excepcional de oportunidades perdidas. Ou não. Ainda pode ser um exemplo histórico. A CML pode concluir que o centro precisa de um espaço aberto e tranquilo, pode usar a taxa turística para uma nova ideia, pode pedir apoio à oposição, pode fazer ver aos concessionários o efeito nocivo que uma bravata por um projecto contestado dos populares de Marvila aos intelectuais da academia terá na sua reputação. Uma coisa sabemos: se o projecto dos contentores avançar, será um exemplo da fragilidade da nossa democracia.