Policiamento e autodefesa social
A realidade tem demonstrado que o modelo até agora seguido tem muito pouco “de proximidade”, antes funcionando mais como um prolongamento da polícia.
1. Os recentes acontecimentos ocorridos no Bairro da Jamaica/Seixal e posteriormente em Lisboa e outras localidades periféricas têm dado origem a todo um conjunto de comentários, declarações, culpabilizações e insinuações de todas as cores e matizes. Na generalidade dos casos atribuem-se culpas à atuação da PSP, tida por repressiva e racista; noutros, aponta a razão dos desacatos praticados às condições sociais altamente deficitárias atentatórias da dignidade humana em que vivem muitas famílias.
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1. Os recentes acontecimentos ocorridos no Bairro da Jamaica/Seixal e posteriormente em Lisboa e outras localidades periféricas têm dado origem a todo um conjunto de comentários, declarações, culpabilizações e insinuações de todas as cores e matizes. Na generalidade dos casos atribuem-se culpas à atuação da PSP, tida por repressiva e racista; noutros, aponta a razão dos desacatos praticados às condições sociais altamente deficitárias atentatórias da dignidade humana em que vivem muitas famílias.
Não se pense, todavia, que se tratou de uma ocorrência pontual. Estamos, isso sim, perante um fenómeno recorrente, registado ao longo das últimas décadas, assumindo contornos cada vez mais descontrolados. A problemática não se confina apenas aos bairros sociais e/ou degradados e nem sequer está relacionada à contextura de imigração e, além disso, há que ter a perceção de que nestes bairros até há pessoas boas e trabalhadoras.
Para começar, e parafraseando José Manuel Anes, do Observatório de Segurança, nesta questão “não há santos e demónios”. Também não é socorrendo ao insulto como o de “bosta de bófia“ que se irá encontrar a solução para reduzir o sentimento de insegurança pública. A discussão dos acontecimentos na praça pública só terá sentido se daí dimanar uma qualquer solução positiva para este tipo de situações, o que infelizmente não tem sido o caso por até ao presente assentar em considerandos meramente críticos sobre o sucedido. Por sua vez, o executivo, pela boca do sr. ministro da Administração Interna, esgota a sua vulgar preocupação em apenas reiterar a sua confiança nas forças PSP, nada adiantando sobre a metodologia para alterar o atual estado de coisas.
É caso para dizer que tudo vai continuar na mesma até que uma outra oportunidade surja para que situações semelhantes, em qualquer local, assumam foros de descontrolo. É certo que a problemática subjacente àqueles acontecimentos concretos abrange uma multiplicidade de fatores, entre os quais se destacam o problema de habitação e alojamento sociais, a exigência de um maior empenho de órgãos mediadores no acompanhamento das comunidades a que dizem respeito, o apetrechamento de infraestruturas e serviços básicos e de formação ético-social de vivência comunitária no país.
2. A problemática da (in)segurança) é assaz complexa, envolvendo uma multiplicidade de fatores desde a pequena criminalidade à organizada internacionalmente. Não faltam opinion-makers com pistas para explicar a dualidade criminalidade/insegurança, ditando diversas soluções, que isolada ou em conjunto podem a médio/longo prazo contribuir para aliviar a incidência criminal, mas jamais para dispensar um adequado e produtivo modelo de policiamento. No fundo, o que aqui se pretende é encontrar uma forma mais eficaz para a salvaguarda da ordem pública e tranquilidade da população.
É sabido que tanto a PSP como a GNR dispõem de serviços intitulados de Policiamento de Proximidade (PP), em função de uma Diretiva Estratégica n.º 10/2006, de 15 de Maio, assente no curso/formação ativado em 2000. Porém, um tal empreendimento não teve a virtualidade de evitar os graves incidentes acima referidos, na sequência do historial como o do Bairro do Aleixo/Porto, da Quinta da Princesa/Seixal ou da Cova da Moura/Lisboa ocorrido em 2009.
A realidade tem demonstrado que o modelo até agora seguido tem muito pouco “de proximidade”, antes funcionando mais como um prolongamento da polícia; é o mesmo que dizer que a polícia ainda não alcançou conquistar a tão desejada confiança face ao cidadão. Os programas de Apoio à Vítima, de Escola Segura, de Ajuda aos Idosos e Crianças e outros são sem dúvida iniciativas que integram o PP, mas estão longe de esgotar este modelo. Também a Administração se tem empenhado com o mesmo propósito através de Conselhos Municipais de Segurança, vindo subsidiariamente a ser implementados os chamados Contratos Municipais de Segurança.
Pese embora a boa intencionalidade que subjaz ao objetivo de proximidade, a verdade é que estas tentativas não se têm revelado produtivas, ora porque o PP de iniciativa policial é “contra natura”; ora porque os Conselhos funcionam de cima para baixo, ou seja, com o predomínio de representantes institucionais sem ter em conta a participação qualificada das coletividades representativas das comunidades locais, quando na verdade, secundado na filosofia do PP, deveria partir destas para aqueles. Acresce finalmente que a segurança é uma grandeza que não pode estar dependente de acordos contratuais, mas é antes a realização de um encontro da vontade comunitária na busca de soluções para a sua própria tranquilidade.
3. Com efeito, o policiamento de proximidade, também conhecido por policiamento comunitário, é antes e acima de tudo um projeto nacional, tendo como ponto nevrálgico para a sua realização o empenhamento da população na sua própria segurança. É a auto-defesa social. Apesar de reconhecer a vertente comunitária para este tipo de policiamento, a instituição policial tem tido dificuldade em se adaptar a este figurino, provavelmente por ainda não se ter libertado da tónica algo militarista que ainda parece inspirá-la. O PP envolve uma conceção inovadora de prevenção social e criminal face à evolução e exigência das sociedades comunitárias perante as quais o policiamento preventivo/repressivo clássico se tem revelado inoperante.
No PP há um compromisso da estrutura policial para com a comunidade a fim de alcançar a segurança de uma dada circunscrição pelas características que apresenta. Varia de local para local. Não é em vão que para este tipo de policiamento se aconselha que sejam agentes policiais, preferentemente pertencentes à própria comunidade que policiam.
Este tipo de soluções não é imposto, mas decorre do consenso participativo do Estado securitário e dos núcleos representativos da população – a edilidade e a organizações representativas do local. É isto que se designa por parceria polícia-cidadão. Esta proximidade estabelece-se a partir das características estruturais da comunidade na sua relação com o organismo, também ele estruturado – a polícia – numa base de complementaridade com o interesse da população em que a segurança seja assegurada.
O PP, ao contrário do policiamento tradicional do tipo reativo, distingue-se pela sua vertente proactiva. Em vez de esperar por uma intervenção agressiva e repressiva perante os acontecimentos, procura-se criar condições para o não-aparecimento de contextos geradores de atos anti-sociais.
4. O PP não afasta o policiamento clássico, antes o pressupõe. Como se disse, numa base de complementaridade em conjugação com a dinâmica de participação comunitária. A instituição policial terá assim o seu campo de atuação próprio e um outro, o do PP – os dois contribuindo para a segurança interna do país. Assim, o PP faz parte integrante da estrutura organizativa da sociedade visando também a segurança dos cidadãos. Enquanto projeto nacional, caberá à Assembleia da República determinar, por Lei, as competências daí decorrentes, o envolvimento das entidades e demais organismos, na perspetiva da responsabilidade do cidadão pela sua segurança e o reconhecimento e respeito pela instituição policial como único garante físico para alcançar este objetivo.
O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico