Freiras denunciam casos de abuso sexual às mãos de padres
Depois de o Papa Francisco ter admitido que há casos de abuso e até de escravidão sexual no seio da Igreja Católica, duas freiras falaram dos seus casos à BBC.
Duas mulheres que pertenceram a congregações católicas contaram esta quinta-feira à estação de rádio britânica BBC 4 que foram vítimas de abusos sexuais às mãos de membros da Igreja, o que as levou a abandonar a vida religiosa.
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Duas mulheres que pertenceram a congregações católicas contaram esta quinta-feira à estação de rádio britânica BBC 4 que foram vítimas de abusos sexuais às mãos de membros da Igreja, o que as levou a abandonar a vida religiosa.
Na terça-feira, o Papa Francisco admitiu pela primeira vez que muitas freiras católicas têm sido vítimas de abusos por parte de padres e bispos, mostrando-se empenhado em resolver o problema. Agora, Rocio Figueroa e Doris Wagner Reisinger partilharam as suas experiências com a BBC, mostrando-se satisfeitas por Francisco ter abordado esta questão, depois de vários anos de uma "cultura de silêncio e segredo".
Rocio Figueroa é teóloga e professora universitária no Good Shepherd College de Auckland, na Nova Zelândia. Nasceu em Lima, no Peru, e diz ter sido vítima de abusos, quando era adolescente, às mãos de um padre do Sodalício de Vida Cristã no Peru (uma sociedade de vida apostólica cujos membros devotam a sua vida à religião), segundo informação disponível no site da organização pelos direitos das mulheres católicas Voices of Faith.
Figueroa juntou-se a esta comunidade católica aos 15 anos, depois de ter sido convidada pelo fundador a começar uma caminhada espiritual junto de um vigário. "Depois de meses a ganhar a minha confiança, ele disse-me a mim e a alguns rapazes para levarmos os nossos equipamentos desportivos para praticarmos ioga", contou a mulher à BBC. Após algumas sessões de grupo, estas passaram a ser individuais, altura em que o padre em questão terá aproveitado para se aproximar. "Depois ele disse que me ia ensinar alguns exercícios que me ajudariam a desenvolver o meu autocontrolo sobre a minha sexualidade", descreveu Figueroa.
"Eu era muito ingénua, não tinha qualquer experiência sexual. E depois ele começou a tocar-me", confessou a teóloga, acrescentando que, na altura, "pensava erradamente que ele era bom" e se sentia "culpada e desorientada".
Rocio Figueroa garante que o padre nunca a violou mas que "definitivamente cometeu abuso sexual", tendo apenas percebido que era uma vítima aos 40 anos. "As pessoas em quem eu confiava, aquelas que representavam Deus, eram falsas", conclui a mulher à BBC.
Só depois de o alegado abusador ter morrido é que Rocio Figueroa foi capaz de denunciar o caso, visto que, "à época, ele era considerado um homem sagrado e um santo pelas pessoas da comunidade", diz a actual activista pelos direitos das mulheres católicas.
"Não preciso de acreditar nesse tipo de Deus"
Outra vítima é Doris Wagner Reisinger, teóloga alemã, que chegou mesmo a abandonar a vida religiosa em 2011. "Antes de eu ser abusada sexualmente, eu fui abusada espiritualmente. Não me era permitido ler livros ou falar sobre assuntos pessoais. Perdi a auto-estima e tornei-me muito fraca", explicou Reisinger à BBC.
A teóloga alemã afirma que um padre da comunidade religiosa alemã à qual pertencia se começou a aproximar sempre esta se encontrava sozinha. "Ele abraçava-me e, a certo porto, ele começou a vir à noite ao meu quarto e começava a despir-me e a violar-me", conta.
Doris Wagner Reisinger explica que "foi um choque" e que "não conseguia acreditar", porque se tratava de um padre e de uma comunidade sagrada.
"Passaram-se anos até eu perceber que o que estava a acontecer era violação e até eu conseguir falar sobre o assunto", afirma Reisinger. "Eu tive uma grave crise de fé. O meu primeiro impulso foi pensar que, se eu falasse, iria prejudicar a Igreja e que, por isso, Deus iria querer que eu estivesse em silêncio", acrescenta. Agora, não tem dúvidas: "eu não preciso de acreditar nesse tipo de Deus".