Nestes souvenirs, a barca dos corvos de Lisboa é um cruzeiro turístico
A sátira, com uma forte vertente política, é o distintivo do City of All, um projecto que usa a ilustração — pintada em azulejos que querem substituir os tradicionais souvenirs — para falar de uma Lisboa em mudança.
Fartos da recorrente torre de Belém e do típico eléctrico 28 que qualquer turista que visite a capital é tentado a levar na mala para colocar no frigorífico lá de casa, Nuno e Ricardo decidiram tentar revolucionar a oferta de souvenirs de Lisboa e apresentar uma alternativa que vá para além da reprodução dos cartões postais da cidade. O objectivo? “Criar figuras fora do institucional que possam tornar-se virais”, referem. Das suas mãos estão a sair azulejos com ilustrações e banda desenhada que contam a história da cidade em traços contemporâneos.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Fartos da recorrente torre de Belém e do típico eléctrico 28 que qualquer turista que visite a capital é tentado a levar na mala para colocar no frigorífico lá de casa, Nuno e Ricardo decidiram tentar revolucionar a oferta de souvenirs de Lisboa e apresentar uma alternativa que vá para além da reprodução dos cartões postais da cidade. O objectivo? “Criar figuras fora do institucional que possam tornar-se virais”, referem. Das suas mãos estão a sair azulejos com ilustrações e banda desenhada que contam a história da cidade em traços contemporâneos.
Conheceram-se num outro projecto em que ambos participavam mas logo perceberam que tinham em comum a vontade de avançar com uma iniciativa própria. Nuno Saraiva, ilustrador e director criativo, e Ricardo Martins, gestor de negócio, aliaram-se e criaram a City of All, uma marca com nome inglês mas exclusivamente portuguesa. Fruto de longas conversas, é o primeiro projecto de ilustração e banda desenhada pintadas em azulejo tradicional, e à mão.
Mas o projecto não ficaria completo sem a mão especialista de Cristina Lopes, artesã e desenhadora, a responsável por pintar manualmente todos os azulejos (previamente ilustrados por Nuno), e pelo processo de cozedura dos mesmos na Oficina Santa Rufina, junto à Costa do Castelo, que hoje lidera. A juntar-se à equipa, foi também convidada Madalena Martins, designer portuense e responsável por toda a parte de concepção das embalagens e respectivo grafismo das peças.
Revisitando a cultura portuguesa, procuram dar uma voz actual e contemporânea ao antigo e tradicional. E é precisamente na contemporaneidade que reflectem sobre a actualidade lisboeta.
Nuno conta que, além das ilustrações, há sempre uma frase presente nos azulejos que pode ser interpretada de forma ambígua, com “um duplo significado”. Ainda que tenham sempre a arte do azulejo do século XVII como referência, e não querendo fugir dessa estética tradicional, pretendem acrescentar uma dimensão mais crítica: “Alertar para a cidade que temos e estamos a perder”.
“Manter a essência da cidade” nos azulejos “é fundamental”, acrescenta Ricardo, mas olhando para Lisboa com um toque de ironia.
Uma dessas críticas é feita, por exemplo, através da reinvenção do símbolo da cidade de Lisboa: em vez da típica barca, está um gigante cruzeiro cheio de turistas com os dois corvos de São Vicente de cada lado. O próprio logótipo da marca nesta azulejo tem implícita uma sátira: o último L, que foi “despejado”, resulta num City of AL, uma clara referência ao Alojamento Local.
Desde o Santo António a andar de segway, à famosa andorinha de Bordalo Pinheiro a ouvir música, opções não faltam para quem é, ou não, apreciador da arte azulejar.
Além de oito figuras avulsas, as primeiras do projecto que rondam os 26 euros cada, há também a Colecção Ouro Sobre Azul que é a primeira colectânea do projecto e conta quatro episódios clássicos do Fado: o desejo, o ciúme, a morte e a saudade, sempre com a vertente irónica.
Tradicionais ou semi-industriais, todos os azulejos produzidos na Santa Rufina são pintados à mão, “o que faz com que cada um deles seja único”, ressalta Cristina, a artesã nascida na Mouraria.
Começar de novo
Como os próprios gostam de designar, este “é um projecto que se quer a começar tudo de novo”. Numa cidade que hoje deslumbra quem por cá passa, Nuno e Ricardo sentiam que havia uma lacuna por preencher quanto ao conteúdo humano e histórico português, e queriam afirmar-se pela diferença e autenticidade.
Destinados tanto a portugueses, como a migrantes, estrangeiros residentes ou apenas turistas, os produtos da City of All oferecem ilustrações satíricas que viajam ao passado da cidade lisboeta, trazendo-o para o presente.
Passado um mês da inauguração, “o balanço é surpreendente” e assumem que já ultrapassa as próprias capacidades de produção visto ser um processo totalmente artesanal. Ainda assim, assumem a vontade de melhorar e a ambição de se expandirem para outras cidades nacionais e até mesmo para o estrangeiro.
Por agora, o site, onde pode ler-se “Lisboa é City of All (a cidade de todos)”, é a casa deste projecto que não tem ainda morada fixa. No entanto, todas as compras e encomendas podem ser efectuadas na loja online (cityofall.ecwid.com). Texto editado por Ana Fernandes