Ainda bem que Marcelo foi ao Jamaica
O pior que um Presidente poderia fazer era acentuar a perigosa divisão entre nós e eles, os do outro lado e os deste lado, os do bairro e os da Avenida da Liberdade.
Marcelo fez bem em ir ao bairro da Jamaica, no Seixal, de surpresa e sem holofotes. Um Presidente da República não pode confinar-se a Belém — o sarcófago onde Cavaco se ensimesmou durante dois mandatos —, nem pode aceitar que existam guetos que lhe sejam vedados. Era uma questão de dias. Marcelo Rebelo de Sousa já tinha deixado subtendido no final do mês de Janeiro, a propósito da passagem do terceiro ano do seu mandato, que o iria fazer “mais dia menos dia” por uma simples e compreensível razão: não podemos generalizar incidentes como os deste caso para anatemizar todo um bairro ou toda uma força de segurança. E, claro, temos um Presidente que tanto vai cumprimentar o Papa ao Panamá como à queda de uma avioneta em Tires, porque estava ali ao lado. Quem exerce a ubiquidade com tanto denodo tem esta coerência.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Marcelo fez bem em ir ao bairro da Jamaica, no Seixal, de surpresa e sem holofotes. Um Presidente da República não pode confinar-se a Belém — o sarcófago onde Cavaco se ensimesmou durante dois mandatos —, nem pode aceitar que existam guetos que lhe sejam vedados. Era uma questão de dias. Marcelo Rebelo de Sousa já tinha deixado subtendido no final do mês de Janeiro, a propósito da passagem do terceiro ano do seu mandato, que o iria fazer “mais dia menos dia” por uma simples e compreensível razão: não podemos generalizar incidentes como os deste caso para anatemizar todo um bairro ou toda uma força de segurança. E, claro, temos um Presidente que tanto vai cumprimentar o Papa ao Panamá como à queda de uma avioneta em Tires, porque estava ali ao lado. Quem exerce a ubiquidade com tanto denodo tem esta coerência.
Num contexto propenso a que o radicalismo possa gerar ainda mais radicalismo, o pior que um Presidente poderia fazer era acentuar a perigosa divisão entre nós e eles, os do outro lado e os deste lado, os do bairro e os da Avenida da Liberdade. Só faltava que fôssemos presididos por alguém que contribuísse para esse discurso tão estereotipado sobre os bairros periféricos (no qual os media têm a sua responsabilidade), que generaliza tudo o que é maligno e que estigmatiza quem lá vive sem hesitar.
A urticária que a visita de Marcelo provocou de imediato à Associação Sindical dos Profissionais de Polícia é, precisamente, um contributo para alimentar um clima de tensão racial e para essa lógica que divide o mundo entre polícias e ladrões. Não é digno do papel da polícia confrontar um Presidente da República com a opção do ou nós ou eles, com base no facto de Marcelo ainda não ter recebido com a formalidade devida os dirigentes associativos. Como se a sua deslocação ao bairro da Jamaica fosse uma tomada de posição contra os agentes da PSP.
De certeza que esta não foi a primeira vez que o Presidente fez uma selfie com um suspeito de um crime e quem viaja com camionistas entre Lisboa e Porto, ou passa a noite com populações sem-abrigo, mais dia menos dia, também acompanhará os agentes da polícia num giro nocturno. É só uma questão de dias. A Marcelo ninguém pode negar esse exímio equilíbrio entre a primeira linha de Cascais e os bairros da área metropolitana das nossas cidades.