Irlandeses cada vez mais ansiosos com perspectiva de “Brexit” sem acordo

O país seria o mais afectado, mas responsáveis avisam que as ondas de choque vão chegar a todos, de formas que ninguém pode antever.

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Os países do Mediterrâneo exportam muitos frutos e vegetais para o Reino Unido - no caso de uma saída sem acordo vão regressar ao mercado europeu, desestabilizando-o Reuters

A saída do Reino Unido da União Europeia está a trazer notas de exasperação e isso nota-se muito na vizinha Irlanda – um dos países mais afectados pelo "Brexit" e que mais sofreriam os efeitos de uma saída em acordo, que cada vez mais começa a ser vista como possível.

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A saída do Reino Unido da União Europeia está a trazer notas de exasperação e isso nota-se muito na vizinha Irlanda – um dos países mais afectados pelo "Brexit" e que mais sofreriam os efeitos de uma saída em acordo, que cada vez mais começa a ser vista como possível.

“Estamos na situação única de alguém que está a procurar acordos comerciais para ficar pior do que está, quando tem um mercado mesmo à porta de casa”, diz David Croughan, da Confederação de Empresas e Empregadores da Irlanda, referindo-se à saída do mercado comum do Reino Unido.

“Quem no Reino Unido diz ‘Vamos voltar ao que era’, está a esquecer-se que o país hoje é totalmente diferente do que se juntou à União Europeia”, diz John Bryan, antigo presidente da Associação de Agricultores da Irlanda. Nada funciona como na altura.

“Sendo socialista e irlandês, nunca pensei que um dia ia ficar deprimido com o caos do Partido Conservador. Mas realmente é deprimente”, diz Jack O'Connor, antigo líder da União de Sindicatos da Irlanda, sem se rir.

Os responsáveis são membros do Conselho Económico e Social Europeu (organização que representa a sociedade civil em Bruxelas), que falaram com o PÚBLICO por telefone sobre o "Brexit".

Quando o medo de uma saída sem acordo aumenta, todos estão de acordo num ponto: o problema mais imediato é político, ou de paz. É a fronteira entre a República da Irlanda e a Irlanda do Norte. “O backstop é apenas a Europa a dizer ao Reino Unido que cumpra um acordo de paz”, de 1998, que foi facilitado por todos serem membros da União Europeia, argumenta David Croughan.

“O primeiro problema e o mais grave são as implicações políticas de um regresso a uma fronteira”, sublinha O’Connor. Qualquer infra-estrutura seria logo alvo de actividade paramilitar de grupos da Irlanda do Norte que querem a união com a Irlanda. A complicar tudo está a paralisação das instituições de governo da Irlanda do Norte criadas com o Acordo de Sexta-Feira Santa. 

O problema de fundo, diz Croughan, é a insistência do Reino Unido em sair do mercado comum e da união aduaneira, e para isso, insiste, é preciso um período de transição. Sem este, todos darão um passo para o desconhecido: Reino Unido e União Europeia.

Uma saída sem acordo “está para além da nossa compreensão”, nota Croughan​. “Não posso responder a essa pergunta, seria absolutamente especulativo”, diz O’Connor. Mas é cada vez mais provável. “O meu maior medo é que o Reino Unido se deixe andar sonâmbulo até a uma saída sem acordo”, afirma Croughan​.

“O modo como tudo funciona agora faz com que ninguém consiga saber exactamente qual o impacto do Brexit”, nota Croughan, e isto para qualquer país da União Europeia. “Uma empresa pode achar que não tem exposição ao 'Brexit', mas não sabe que o subfornecedor do seu principal fornecedor é britânico”, sublinha O’Connor.

Os produtos de agricultura e pecuária enfrentam problemas especiais - após uma saída sem acordo teriam de ser sujeitos a inspecções, aponta John Bryan, antigo presidente da Associação de Agricultores da Irlanda e membro do Grupo de Reflexão dos Criadores de Ovelhas da Comissão Europeia​.

“É quase impensável, com o modo como o comércio é feito, como a cadeia de fornecimento é feita…Haveria demoras imensas, verificações veterinárias extra nos dois lados da fronteira, certificações extras”, enumera Bryan. “No Reino Unido, é difícil imaginar como dez dias depois de um 'Brexit' sem acordo ainda teriam comida nas prateleiras do supermercado.”

O problema parece irresolúvel a tão curto prazo. “Acho que o único país europeu que fez algum trabalho neste sentido foi a Holanda, que já contratou pessoal extra para alfândega e inspecções veterinárias para o caso de uma saída dura”, diz Bryan. Mas a tarefa é impossível: não há sequer disponível o número de inspectores de veterinária que seriam precisos. Era preciso tempo para os formar.

O mercado europeu de agricultura e pecuária está actualmente equilibrado, e uma saída repentina vai desestabilizá-lo, explica. “Há uma enorme quantidade de comida que é exportada de vários países europeus para o Reino Unido. Se este sai sem acordo ou sem período de transição, estes produtos vão regressar ao mercado europeu, com um efeito desestabilizador”, diz. “Os países mediterrâneos, por exemplo, exportam muita fruta e vegetais frescos, com prazo de validade curto, para o Reino Unido, e o regresso destes produtos aos países da União Europeia vai ter efeitos.”

Em conclusão, uma saída sem acordo “vai ter um enorme custo para o Reino Unido, um enorme custo para a Irlanda do Norte, um enorme custo para a República da Irlanda... e um custo substancial para muitos países na Europa”, diz Bryan.