Nove mulheres mortas em contexto de violência doméstica desde o início do ano
Mulher de 60 anos foi segunda-feira encontrada morta no Seixal, presumivelmente às mãos do genro que terá fugido com a filha de dois anos. No dia 1, a PJ deteve septuagenário que esfaqueou a mulher.
O homicídio de uma mulher de 60 anos, que foi encontrada morta esta segunda-feira no interior da sua residência, no Seixal, elevou para nove o número de mulheres assassinadas em contextos de violência doméstica desde o início do ano. Em Janeiro do ano passado, o observatório dinamizado pela UMAR — União de Mulheres Alternativa e Resposta contava cinco casos.
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O homicídio de uma mulher de 60 anos, que foi encontrada morta esta segunda-feira no interior da sua residência, no Seixal, elevou para nove o número de mulheres assassinadas em contextos de violência doméstica desde o início do ano. Em Janeiro do ano passado, o observatório dinamizado pela UMAR — União de Mulheres Alternativa e Resposta contava cinco casos.
“Estes crimes tendem a acontecer nas alturas em que o contacto entre vítima e agressor é maior, nomeadamente aos fins-de-semana e nas férias”, adiantou o director do Observatório Nacional de Violência e Género, Manuel Lisboa. Sem dados que permitam aferir se estes números são casuísticos ou traduzem alguma escalada de violência contra as mulheres, o investigador admite, embora não haja estudos que o confirmem, que o mês de Janeiro possa ser igualmente propício a estas explosões de violência, por se seguir ao Natal, altura em que as tensões familiares podem também agudizar-se.
“É cedo para fazermos uma avaliação, mas o que se sabe é que estes processos de violência exercida contra as mulheres tendem a ser cíclicos. A violência vai-se arrastando, por vezes durante vários anos, e há um momento de explosão que tende a ocorrer de forma mais intensa nos períodos em que os contactos entre as vítimas e os agressores são mais frequentes", adiantou.
O levantamento feito pelo Observatório das Mulheres Assassinadas mostra que 503 mulheres foram mortas em contextos de violência doméstica ou de género entre 2004 e o final de 2018. E, efectivamente, os meses de Julho, Agosto e Setembro surgem nos diferentes anos como aqueles que somam o maior número de femicídios."São meses de férias, em que as pessoas passam mais tempo juntas e há uma agudização das situações", reforça Elisabete Brasil, responsável do observatório, para ressalvar, porém, que "a violência sobre mulheres ocorre independentemente dos meses".
Suicídios e depressões
No ano passado, a contabilidade ascendeu a 28 mulheres mortas, ainda segundo o observatório da UMAR. “É horrível”, afirmou Elisabete Brasil, para lembrar que o femicídio não está a diminuir. “A maior parte dos crimes contra mulheres não acontece da mesma forma que a restante violência. Não cessa. Enquanto o homicídio, como crime mais grave, entre os crimes violentos, tem registado uma tendência de diminuição, o femicídio tem-se mantido estável. A morte de mulheres não está a baixar”, alerta.
Há facetas da violência que tem as mulheres como objecto que não surgem espelhadas nestes números. “Os estudos que fizemos mostram que há muitas mulheres que se suicidam após terem sido sujeitas a longos períodos de violência. Não conseguem aguentar e há um momento em que se suicidam”, nota Manuel Lisboa. Aos homicídios e suicídios acrescem “os processos de morte lenta, com as mulheres vítimas de violência a aparecerem com doenças psicossomáticas, depressões e todo um processo de degradação da saúde física e mental que tem, às vezes, desfechos muito dramáticos”, acrescenta o responsável do Observatório Nacional de Violência e Género, da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.
Genro terá sido visto a fugir
Sobre o homicídio da sexagenária agredida com uma faca no interior da sua habitação, em Cruz de Pau, no Seixal, pouco se sabia ao início da noite desta segunda-feira. O director adjunto nacional da Polícia Judiciária, Carlos Farinha, remeteu pormenores para depois, mas a PSP apontou desde logo o genro da vítima como o principal suspeito do crime.
O homem terá fugido e estará na posse da filha de dois anos, tendo sido visto por vizinhos a abandonar o local. Não é claro o que foi fazer a casa dos sogros. É possível que tenha ido tentar falar com a mulher, de quem estava separado há algum tempo, que apesar de ter casa própria, se encontrava a dormir em casa dos pais nos últimos dias. O suspeito encontrava-se com a filha que terá ficado no carro, enquanto o crime ocorreu. Sabe-se igualmente que o homicídio coincidiu com o dia em que estava marcada, no Tribunal de Família e Menores do Seixal, uma sessão que se destinava a definir as responsabilidades parentais sobre a criança.
Contactada pelo PÚBLICO, fonte da Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Protecção das Crianças e Jovens garante que na congénere do Seixal “não há qualquer processo a decorrer relativo a esta família”.
E os nove casos registados desde que o ano começou poderiam ter sido mais. No passado dia 1, a Polícia Judiciária deteve um homem de 71 anos pela prática de um crime de homicídio qualificado na forma tentada. Em reacção à decisão da esposa terminar a relação, o indivíduo, que não tinha antecedentes criminais, abordou a vítima na casa em que esta passou a viver após a ruptura conjugal, em Santo Tirso, e atingiu-a com uma facada no pescoço. Não fosse a intervenção de um vizinho, que conseguiu suster as agressões, o homicídio poderia ter-se consumado.
Para Elisabete Brasil, o país não tem conseguido “fazer uma prevenção capaz” de reduzir o número de mulheres mortas. “Neste contexto temos de ir às causas. Sabemos que este tipo de crime tem como causa a discriminação de género. Temos de aliar a sensibilização, a informação, com acções que permitam mudar uma cultura patriarcal que legitima a violência contra mulheres”, defendeu.
Este trabalho tem de ser feito nas escolas, nas associações, na saúde, nos tribunais, na sociedade civil. Elisabete Brasil recordou relatórios recentes para lembrar que as “entidades públicas e privadas não estão a fazer a prevenção que devem fazer”.
“É preciso passar a informação e trabalhar de forma articulada. Não é possível que uma mulher apresente uma denúncia e 90 dias depois ninguém tenha feito nada. Não é dizer às vítimas que denunciem. Os organismos e o Estado têm de agir em concordância, sob risco de as vítimas perderem a confiança no sistema de apoio”, alertou. Reconhecendo “o longo caminho que ainda há a percorrer, e que vai demorar várias gerações”, Manuel Lisboa enfatiza a necessidade de o país se lançar “num trabalho consistente e aturado de preparar os jovens para que não sejam agressores nem vítimas”.
* Com Ana Maia, Patrícia Carvalho, Mariana Oliveira e Liliana Borges