Maduro “não aceita ultimatos” e a Europa mobiliza-se em redor de Guaidó

Portugal integra grupo de mais de uma dezena de países europeus que reconhecem Guaidó como Presidente interino. Líder chavista recusa marcar eleições, vai “rever” relações diplomáticas e pede ajuda ao Papa.

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O prometido é devido. Ultrapassado no fim-de-semana o prazo do ultimato lançado a Nicolás Maduro para convocar eleições presidenciais livres e justas na Venezuela, um grupo alargado de países europeus, nos quais se inclui Portugal, decidiu reconhecer Juan Guaidó como Presidente interino do país. Mesmo sem angariar o apoio de todos os Estados-membros da União Europeia, o gesto aumenta a pressão sobre o regime chavista. Mas não altera, por enquanto, a posição de fundo do chefe de Estado venezuelano, que ameaçou “rever as relações laterais com esses Governos”. E pediu ao Papa Francisco para mediar o diálogo.

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O prometido é devido. Ultrapassado no fim-de-semana o prazo do ultimato lançado a Nicolás Maduro para convocar eleições presidenciais livres e justas na Venezuela, um grupo alargado de países europeus, nos quais se inclui Portugal, decidiu reconhecer Juan Guaidó como Presidente interino do país. Mesmo sem angariar o apoio de todos os Estados-membros da União Europeia, o gesto aumenta a pressão sobre o regime chavista. Mas não altera, por enquanto, a posição de fundo do chefe de Estado venezuelano, que ameaçou “rever as relações laterais com esses Governos”. E pediu ao Papa Francisco para mediar o diálogo.

“Vamos aceitar que façam ultimatos à Venezuela? Eu não aceito ultimatos de ninguém”, afiançou o Presidente, numa concorrida marcha militar em Maracay, no estado venezuelano de Aragua. “Vou continuar a governar, em conjunto com o povo, durante os seis anos a que tenho direito a governar. [E vou] defender a pátria com a minha própria vida, se for necessário”.

As críticas de Maduro foram dirigidas sobretudo ao presidente do Governo de Espanha Pedro Sánchez – um dos líderes europeus que, no passado dia 26 de Janeiro, lançou o prazo de oito dias para a convocação de eleições. O líder chavista rotulou de “cobarde” e “nefasta” a adesão de Madrid ao “golpe intervencionista” que diz ser promovido pelos Estados Unidos, e alertou Sánchez para as responsabilidades num cenário de conflito.

“No dia em que houver um golpe, no dia em que houver uma intervenção militar dos ‘gringos’ [norte-americanos], as suas mãos ficarão manchadas de sangue, sr. Pedro Sánchez. Tal como as mãos de José Maria Aznar [ex-presidente do Governo espanhol] ficaram cobertas de sangue na Guerra do Iraque”, disse Maduro.

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Mas o Presidente chavista não se ficou apenas pelas palavras. Através de um comunicado divulgado pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros, que decretava que “a soberania do povo venezuelano não está sujeita a qualquer tipo de reconhecimento por parte de uma qualquer autoridade estrangeira”, Maduro prometeu “rever” as relações bilaterais com os Governos europeus que apoiam Guaidó.

“O Governo da República Bolivariana da Venezuela vai rever integralmente as relações bilaterais como esses Governos, a partir deste momento, até que se produza uma rectificação que descarte o seu apoio aos planos golpistas e os reconduza até ao estrito respeito do direito internacional”, lê-se na nota. 

Desunião europeia?

A atravessar uma gravíssima crise económica e social, que já motivou a fuga de quase três milhões de pessoas, a Venezuela está a ser disputada por dois Presidentes que entendem ser os legítimos detentores do poder político. O sucessor de Hugo Chávez conta com o apoio da Rússia, da China e da Turquia para contrariar a reivindicação do presidente da Assembleia Nacional – baseada no não-reconhecimento das presidenciais de Maio de 2018, que deram a vitória a Maduro –, respaldada desde a primeira hora por EUA, Brasil, Canadá e Argentina.

O braço-de-ferro, transferido da Venezuela para a arena internacional, levou Maduro a enviar uma carta ao Papa Francisco, a pedir ao chefe da Igreja Católica que “ajude a um processo de facilitação e de fortalecimento do diálogo” entre as partes desavindas.

A onda de apoios de países europeus a Juan Guaidó, iniciada esta segunda-feira, já era esperada. Depois de, num primeiro momento, a UE ter optado por se manter fiel ao seu guião, reconhecendo “o poder legítimo da Assembleia Nacional”, um conjunto de países aderiu à imposição de um ultimato de oito dias para que Maduro agendasse eleições. Findo o prazo, a Europa tomou partido.

Mas nem toda. Se Espanha, Reino Unido, França e Alemanha – para além de Portugal – não hesitaram em reconhecer o Presidente interino, Itália ou República da Irlanda, por exemplo, recusaram aderir ao movimento. 

O ministro dos Negócios Estrangeiros português garantiu haver unanimidade, no seio da UE, sobre esta questão, mas a verdade é que não foi divulgada uma posição conjunta dos 28 sobre a Venezuela que, de acordo com fontes diplomáticas citadas pela Reuters, terá sido travada pelo Governo italiano e motivada pela posição irredutível do Movimento 5 Estrelas. 

Ao invés disso, foi apenas divulgado um comunicado assinado pelos 19 Estados-membros que reconheceram Guaidó como Presidente interino, acompanhado por uma declaração da responsável pela Política Externa da UE Federica Mogherini, a defender a Assembleia Nacional como “único órgão legítimo” da Venezuela.

Santos Silva afasta-se dos EUA

Augusto Santos Silva convocou uma conferência de imprensa para explicar a posição portuguesa de “reconhecer e apoiar” a “legitimidade” Guaidó “como Presidente interino”, “com o encargo de convocar e organizar eleições livres e justas”, e rejeitar divisões na UE.

Na base dessa posição conjunta, explicou o chefe da diplomacia portuguesa, está a criação de um Grupo de Contacto Internacional, promovida pela UE, que terá a sua primeira reunião na quinta-feira, em Montevideu, capital do Uruguai. Portugal é um dos oitos países europeus representados, num grupo que inclui Alemanha, Itália, Espanha, Reino Unido, Suécia, Uruguai, Costa Rica, Equador e Paraguai.

Santos Silva fez ainda questão de destacar as diferenças entre o posicionamento da União e o dos EUA: “Não dizemos que todas as opções estão em cima da mesa. Queremos eliminar o conflito interno e a intervenção externa”, afirmou, confrontado com a posição norte-americana que defende que a intervenção militar “é uma opção”.

A movimentação europeia foi naturalmente celebrada por Guaidó. O presidente do Parlamento – controlado desde 2015 pela oposição ao chavismo, mas “substituído” pela Assembleia Constituinte, convocada em 2017 por Maduro – recorreu ao Twitter para agradecer individualmente a cada um dos Governos europeus e, numa conferência de imprensa às portas da Assembleia Nacional, em Caracas, voltou a congratular-se pelo “pronunciamento generoso da UE. Enviou ainda uma mensagem para Roma: “Continuamos à espera de Itália”.

Reforçando que a “democracia continua sequestrada” na Venezuela e que o país “está em ditadura”, o dirigente da Voluntad Popular insistiu na necessidade urgente de ajuda humanitária para combater a fome e a pobreza. E com ela, lançou novo e repetido apelo às Forças Armadas para abandonarem Maduro e aderirem ao movimento que lidera: “Está nas vossas mãos deixar a ajuda humanitária entre [na Venezuela]. O momento é agora, soldado da pátria”.