O velho selfie
Quanto mais mentiroso for o selfie sorridente mais essa pessoa precisa de ser animada.
Chega uma altura em que a denúncia de uma coisa se torna mais incómoda do que a coisa. Acontece agora com o selfie. Ao ver mais uma pessoa a tirar um selfie num parque de estacionamento ocorreu-me que aquilo que eu estava a ver era um comportamento humano muito antigo, tão antigo como nós humanos: fingirmos que estamos bem.
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Chega uma altura em que a denúncia de uma coisa se torna mais incómoda do que a coisa. Acontece agora com o selfie. Ao ver mais uma pessoa a tirar um selfie num parque de estacionamento ocorreu-me que aquilo que eu estava a ver era um comportamento humano muito antigo, tão antigo como nós humanos: fingirmos que estamos bem.
Não havia telemóveis mas havia todas as outras maneiras de descrever o nosso estado de espírito. Perguntam-me "como é que estás" e, se eu me portar bem, respondo que estou bem. Se quiser ser um chato digo a verdade e ponho-me a recitar a minha lista de queixumes.
As pessoas que vêem os selfies, tendo escolhido seguir quem os publica, estão efectivamente a dizer que querem saber como é que essas pessoas estão. Elas respondem que estão bem. Mentem para poupar tempo. Mentem para não incomodar. Não há nada mais antigo, mais precioso e mais digno de treino e estudo do que a mentira.
Para mais, quantas pessoas acreditam que o sorriso num selfie é espontâneo e genuíno? Pode-se dizer com exactidão: nenhuma. O que o selfie diz é "cá estou eu!". Os likes e comentários são para animar. Quanto mais mentiroso for o selfie sorridente mais essa pessoa precisa de ser animada. Sendo assim é como se estivesse a pedir bocadinhos de atenção e de elogios.
É como fazer uma palhaçada para fazer rir os amigos mas, quando um deles pergunta se está tudo bem, vamos abaixo e contamos a desgraça que nos aconteceu. Um like pode ser um "não há-de ser nada".
O selfie sempre esteve connosco. E dá muito jeito.