Joziana e Wolner só sonham regressar ao Brasil e “começar tudo de novo”

Os brasileiros são a maior comunidade imigrante em Portugal mas também os que mais recorrem ao programa de apoio ao retorno voluntário da Organização Internacional para as Migrações. Chegados em Agosto, Joziana e Wolner, com três filhos, aguardam o momento de embarcar de regresso. Sem trabalho nem regularização, o sonho tornou-se um rol de despesas.

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Joziana e Wolner com os filhos Wagner, Enzo e Bernardo em Pêro Pinheiro (SIntra) Miguel Manso

Joziana de Sena, 34 anos, e Wolner de Oliveira, 32, estão juntos desde 2000. Tinham acabado de comprar uma casa na cidade de Governador Valadares, em Minas Gerais, através de um programa social quando um tio dela, imigrado em Portugal, lhes começou a falar da vida à portuguesa. Dizia-lhes: “Vem para cá, o trabalho para o Wolner aqui é bom, eu recebo vocês, ele pode começar comigo nas obras” de construção civil. 

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Joziana de Sena, 34 anos, e Wolner de Oliveira, 32, estão juntos desde 2000. Tinham acabado de comprar uma casa na cidade de Governador Valadares, em Minas Gerais, através de um programa social quando um tio dela, imigrado em Portugal, lhes começou a falar da vida à portuguesa. Dizia-lhes: “Vem para cá, o trabalho para o Wolner aqui é bom, eu recebo vocês, ele pode começar comigo nas obras” de construção civil. 

Depois de algumas conversas por Whatsapp com o tio, com promessas de “mundos e fundos”, Joziana desafiou Wolner: “Vamos. Vamos dar um jeito."

Para terem dinheiro para a viagem, e por causa do plano de imigrarem, venderam as coisas todas que tinham — incluindo os móveis, que estavam “novinhos”, e o carro. Ficou para trás ainda o posto de trabalho de Wolner de Oliveira numa agência funerária, onde estava havia dois anos. 

Vinham em busca de uma mudança de vida, queriam “educar melhor” os três filhos: Wagner com 11 anos, Enzo com cinco e Bernardo com dois. “O que a gente não teve, queria dar aos nossos filhos: uma escola melhor. As escolas aqui são melhores.” Joziana e Wolner não tinham a ilusão de que iriam ficar ricos mas queriam também ter “qualidade de vida”.

Eles, mas também muitos mais brasileiros, têm essa ambição: embora o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) não revele ainda dados concretos sobre o número de brasileiros que viviam em Portugal em 2018, deu ao PÚBLICO a indicação de que houve um "aumento significativo" em relação a 2017 — quando já se tinha registado uma subida de 5,1%, sendo mais de 85 mil.

No consulado do Brasil não se faz registo destes dados, mas sabe-se pelo número de atendimentos – que passaram de 300 para mais de 760 por dia – que há uma maior procura. Por exemplo, é indicativo o facto de ter mais do que duplicado o número de pedidos do certificado de registo criminal, documento necessário para obter a regularização, passando de 13.673 em 2017 para 31.129 em 2018, ainda antes da eleição de Jair Bolsonaro em finais de Outubro. 

Só que nem tudo corresponde ao imaginado. A 6 de Agosto de 2018 Joziana e Wolner saíram do Brasil. E mal chegaram o trabalho prometido para Wolner não aparecia. “Ele [o tio de Joziana] ia enrolando.” Ficaram uns quatro dias na casa dele, e aí sentiram que ele se estava “a tentar” encostar no casal. “Eu tinha vindo com um dinheirinho para não depender dele”, diz Joziana de Sena. Comove-se, começa a chorar. “Não calhou bem. A gente veio nesse intuito e por ele ser meu parente para mim foi… foi acabar com a minha família. A gente vai ter que começar tudo de novo no Brasil.”

Wolner de Oliveira acabou por conseguir um trabalho numa roulotte de comida, que andava por vários sítios, gerida por um brasileiro que o dispensou ao fim de quase três meses pois, segundo diz, não queria fazer-lhe contrato de trabalho. Acabou inclusivamente por não lhe pagar a totalidade do salário, dando apenas 240 euros, quando a renda de casa que pagavam na altura era de 350 euros. “Ficámos em dívida com a senhoria. Bate o desespero, estar num país que não se conhece e ficar em dívida.… O Enzo saiu da escola e ficou devendo um mês de comida”, lamenta a mãe, chorosa.

No Brasil, Wolner era agente funerário, com trabalho fixo e um ordenado que dava para sustentar a família. Fazia “um pouco de tudo”, desde atendimento aos familiares do defunto, a “mexer em preparação de corpo”, motorista ou venda de caixões. Estava na empresa havia dois anos, mas trabalhava na área há mais tempo, “inclusive eles [os patrões] não queriam que eu viesse embora”.

Lidar de perto com a morte não lhe fazia impressão. “Para mim hoje é a coisa mais tranquila." Foi por isso que em Portugal procurou emprego nas agências, “mas a gente não tem documento”. Este foi o principal problema de adaptação da família. Sem autorização de residência procurar emprego tornou-se difícil; sem emprego, ter a autorização de residência é quase impossível.

Dívidas acumulam-se

Antes de virem para Portugal, dizem que não pesquisaram, nem perguntaram a mais ninguém como era, basearam-se nas informações do tio. Mas muita gente no Brasil os avisou para não imigrarem. “Não vai, lá não é Brasil, as coisas são mais difíceis, e não tem ninguém para ajudar”, ouviram.

Sabiam que ia ser difícil por não terem documentação, mas não esperavam que fosse tanto. Agora, com os meses a passar e sem trabalho fixo, perceberam que iam ficar cada vez mais endividados. “A gente veio a pensar que seria difícil no começo, toda a gente passa por uma dificuldade, mas depois a coisa se ajeitava. Todo o mês a preocupação são as dívidas e não ter dinheiro para as pagar”, desabafa Joziana.  

Conseguiram finalmente encontrar uma casa por 220 euros, em Pêro Pinheiro, através da ajuda de um padre na igreja de Assafora. Depois algumas pessoas que conheceram — brasileiros e portugueses — ajudaram-nos com compras, com coisas para a casa e “até com fraldas” para o filho mais novo. 

O pequeno apartamento fica no rés-do-chão das traseiras de uma espécie de complexo de casas geminadas onde há outras famílias a viver. Entra-se pelo pátio, aparecem cães a ladrar. Lá dentro há dois quartos, onde as paredes brancas mostram humidade e bolor, uma sala que é mais um corredor entre a porta da rua e a cozinha, uma pequena casa-de-banho e um pátio com brinquedos de rua. Os rapazes estão sentados no sofá, a ver televisão e a jogar.

Recapitulando os trabalhos que Wolner conseguiu até agora, desde Agosto: dois meses na roulotte, um mês numa pastelaria onde diz que não lhe pagavam o prometido — e por isso veio embora — e agora pequenos biscates de vez em quando na padaria, durante a noite, para substituir trabalhadores que folgam. “Chamam dois dias, depois fico quatro parado, depois chamam dois…”, conta. É um trabalho que dá apenas — e com dificuldade — “para a gente comer”.  

Ela não trabalha, e nem chegou a procurar, porque não conseguiu pôr o filho mais novo na escola, era preciso pagar a mensalidade e não há dinheiro. Quando se mudaram para Pêro Pinheiro a única opção para o filho do meio era uma escola longe, onde teriam que o levar de carro. “Tudo requer muito gasto”, queixa-se Joziana. Mas ela tem vontade de voltar a trabalhar: “Estar o dia todo dentro de casa não é bom”, diz.

Desfeito o sonho da imigração, decidiram recorrer à Organização Internacional para a Migrações em Dezembro, que tem um programa de apoio ao retorno voluntário e à reintegração, no qual se subsidia a viagem, faz o acompanhamento e ajuda na reintegração a curto ou médio prazo no país de origem, incluindo assistência na criação de um pequeno negócio, formação profissional ou assistência médica. Como são uma família grande, disseram-lhes que o processo demora. “Deram até Março, mas não sei, porque é Carnaval e as passagens são mais caras."

Joziana não dorme, com a ansiedade. Tem medo das contas, tem medo das dívidas. “A nossa vida está parada até no Brasil, a prestação da casa está atrasada. Nenhum dos familiares tem modo de nos apoiar: são cinco viagens de avião, fica puxado."

Wolner tem esperança de voltar ao antigo trabalho. “Ele não fixa num emprego aqui, não dá. O melhor é voltar para o nosso país. Lá tem os nossos parentes, aqui a gente não tem ninguém.”

Brasileiros quem mais recorre ao apoio ao retorno

Os brasileiros foram, em Portugal, os que mais recorreram ao apoio da Organização Internacional para a Migrações (OIM) ao longo dos anos — em 2018 representaram 90% das 684 inscrições totais, constituindo ainda 93% dos 380 migrantes que regressaram. E é justamente o estado de Minas Gerais aquele que mais está representado nestes retornos, com a cidade de Governador Valadares — a mesma de Joziana e Wolner — a ter grande expressividade, afirma Luís Carrasquinho, ponto focal para o Apoio ao Retorno Voluntário e à Reintegração da Organização Internacional para a Migrações (OIM) em Portugal.

Olhando para os dados de pedidos e regressos, os números variam de ano para ano. Em 2013, por exemplo, houve mais de mil inscritos, 790 desses eram do Brasil — houve 692 embarques, desses, 593 eram de brasileiros. Em 2016, por exemplo, só se inscreveram 244 imigrantes, mas em 2017 foram 437. Os pedidos variam consoante a situação económica — nos anos de crise eram mais, diz o técnico. “Se a tendência agora é para subir ou diminuir é difícil prever."

A família de Joziana e Wolner corresponde ao padrão que tem aparecido na Organização Internacional para a Migrações, diz Luís Carrasquinho. “Nos casos que analisámos em 2018 verifica-se um período de permanência curto em Portugal, regra geral inferior a cinco anos, com forte incidência de pedidos no ano de chegada ou nos dois anos seguintes. Muitos destes casos não encontram nem têm rede de suporte no país; não conseguem um trabalho fixo que lhes permite estabilizar (quando conseguem encontrar alguma coisa) e encontram-se muito rapidamente numa situação de carência e vulnerabilidade. Estes são os principais factores mencionadas nas entrevistas."

Criado desde a década de 1990, o programa é financiado pelo Fundo Asilo Migrações e Integração em 75%, e os restantes 25% pelo Governo português — em 2016, 2017 e 2018 o orçamento foi de 1,5 milhões de euros. O número de apoios ao retorno concedidos também varia de acordo com o orçamento disponível.