Fundador da Blackwater cria centro de treino em Xinjiang... para quê?
O polémico fornecedor de serviços de segurança, que se tornou famoso com o caso dos seus funcionários que mataram civis em Bagdad, está na província chinesa de maioria muçulmana onde há campos de "reeducação".
A Frontier Services Group, empresa de segurança fundada por Erik Prince, o criador da polémica empresa Blackwater, vai construir o que é designado como um centro de treino em Xinjiang, na região ocidental da China, onde cerca de um milhão de muçulmanos foram colocados em campos de detenção extrajudicial.
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A Frontier Services Group, empresa de segurança fundada por Erik Prince, o criador da polémica empresa Blackwater, vai construir o que é designado como um centro de treino em Xinjiang, na região ocidental da China, onde cerca de um milhão de muçulmanos foram colocados em campos de detenção extrajudicial.
A empresa de segurança disse que o projecto se encontra ainda numa fase inicial e não pode revelar que tipos de treino serão prestados na base, que vai ser construída por uma empresa chinesa apoiada pelo Estado.
Nos últimos dois anos, o Governo chinês tem feito uma campanha abrangente para “tornar mais chinês” o Xinjiang, onde vive uma população muçulmana da minoria étnica Uigure. Foram criados “campos de treino vocacional” para “desradicalizar” o que Pequim designa como extremistas islâmicos.
Centenas de milhares de uigures em Xinjiang foram detidos em campos cercados por arame farpado, onde são obrigados a falar mandarim e a prometer fidelidade ao Partido Comunista Chinês. Estes campos são denunciados pela ONU, Governos ocidentais e defensores de direitos humanos como prisões, onde o Estado chinês está a tentar forçar a erradicação da língua e a cultura uigure, enquanto fortalece o controlo sobre a região.
A 11 de Janeiro, a Frontier Services Group assinou um contrato para a construção de um centro de treino no parque industrial de Caohu, na cidade de Tumxuk, em Xinjiang, disse a empresa num comunicado em chinês no seu site. A cerimónia de assinatura contou com a presença das autoridades de Tumxuk, uma cidade controlada por um grupo agrícola e paramilitar de Xinjiang conhecido como "bingtuan", e pela empresa de construção CITIC, parte de um enorme conglomerado estatal.
O acordo foi divulgado pela agência Reuters, e de imediato a declaração desapareceu do site da empresa. Contudo, ainda é possível aceder a uma cópia armazenada em cache. Marc Cohen, um porta-voz da empresa, disse que foi um erro divulgar o comunicado online e não respondeu a perguntas sobre que tipo de treino seria feito na base.
O grupo iria investir cerca de cinco milhões de euros no centro, que teria a capacidade de treinar oito mil pessoas por ano, de acordo com a rede noticiosa estatal Foshan News, que reportou a cerimónia de assinatura.
A foto da cerimónia de assinatura, agora apagada do site da Frontier, mostrava autoridades chinesas mas não o fundador da empresa, Prince, irmão da Secretária da Educação norte-americana Betsy DeVos. Erik Prince, o fundador da Blackwater é um ex-SEAL da Marinha, que com a Blackwater assumiu contratos de fornecimento serviços militares para para o Departamento de Estado e Pentágono nas guerras do Iraque e do Afeganistão, e que gerou séria polémica pelo comportamento do seu pessoal.
Um ex-segurança da Blackwater foi condenado a prisão perpétua e outros três a 30 anos em 2015 por matar 14 civis desarmados numa rotunda de Bagdad em 2007.
O porta-voz da Frontier tentou distanciar Prince do projecto de Xinjiang. "O senhor Prince é um accionista minoritário da FSG e vice-presidente. Não tinha conhecimento nem esteve envolvido neste memorando preliminar sobre a actividade da empresa em Xinjiang", disse Cohen através de email. "Qualquer potencial investimento desta natureza iriar requerer o conhecimento e a contribuição de cada membro da direcção da FSG além de uma deliberação formal", disse o porta-voz.
O Senado dos EUA está a considerar sancionar a China devido ao programa de detenção e doutrinação em massa. As Nações Unidas afirmam que cerca de um milhão de pessoas foram detidas, mas um funcionário do Departamento do Estado dois EUA no mês passado elevou o número para dois milhões.
"Os relatórios indicam que a maioria dos detidos não vão ser acusados de nenhum crime e que as suas famílias têm pouca ou nenhuma informação sobre a sua localização", disse Scott Busby, vice-secretário assistente de direitos humanos, segundo o jornal The Hill. O objectivo aparente é forçar os detidos a renunciar ao Islão e a abraçar o Partido Comunista Chinês", disse Busby.
A empresa Frontier, com sede em Hong Kong e listada na Bolsa de Valores de Hong Kong, concentrou os seus negócios na China. Há um escritório em Pequim e outro na cidade de Kashgar, em Xinjiang.
Em 2017, a Frontier abriu a escola International Security Defense em Pequim, que pretendia tornar-se “a maior escola privada de treino em segurança da China”. O objectivo anunciado era o de proteger as empresas chinesas em África - tem negócios em Moçambique, por exemplo - e na Ásia, em vez de dar apoio à polícia ou militares da China.
A empresa também está à procura de negócios nos países em que a China ambiciona espalhar a iniciativa Belt and Road, que consiste na construção de infra-estruturas e a propagação da influência chinesa no mundo.
A empresa assinou acordos em países como o Cazaquistão e Birmânia, assim como, em toda a África. Em Dezembro, a Frontier recebeu uma licença para explorar um negócio de segurança no Camboja, e vai em breve começar a oferecer “serviços como escolta de dinheiro, segurança aeroportuária e proteção VIP no Camboja”, informou a companhia no seu site.
Tradução de Raquel Grilo
Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post