Ex-gestores da CGD aprovaram 80 créditos sem controlo que custaram 769 milhões

Auditoria final entregue hoje no Parlamento faz as contas às decisões das administrações de emprestar dinheiro sem considerar os riscos das operações. Saldo oficial: 1647 milhões de perdas para a Caixa.

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LUSA/TIAGO PETINGA

É um dos 25 casos citados no polémico documento da EY, que chegou ao Parlamento sem a identidade dos credores. Finalidade do crédito: financiamento à construção; Preço: Euribor e taxa de 0,875%; Parecer da avaliação de risco: desfavorável; colaterais: hipoteca de imóveis e fiança, sem evidência de ter sido feito o acompanhamento do valor das garantias; reestruturação: passagem para contencioso. 

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É um dos 25 casos citados no polémico documento da EY, que chegou ao Parlamento sem a identidade dos credores. Finalidade do crédito: financiamento à construção; Preço: Euribor e taxa de 0,875%; Parecer da avaliação de risco: desfavorável; colaterais: hipoteca de imóveis e fiança, sem evidência de ter sido feito o acompanhamento do valor das garantias; reestruturação: passagem para contencioso. 

Resultado: "A actual situação da mutuária caracteriza-se pelo incumprimento observável em todas as operações contratadas. (...) O actual cenário não permite estimar qualquer regularização das situações de incumprimento, por ausência de disponibilidade financeira do devedor". Não é referido o valor específico da perda, mas é um dos 25 casos que mais danos provocaram nas contas da Caixa.

Na auditoria entregue, esta sexta-feira, pelo actual presidente da Caixa Geral de Depósitos no Parlamento, poucas horas antes de Paulo Macedo apresentar os resultados anuais do banco público, é feita toda a fotografia à anterior gestão da instituição entre 2000 e 2015. E o diagnóstico confirma as centenas de decisões deste tipo tomadas pelas equipas lideradas por António Sousa, Santos Ferreira, Faria de Oliveira e José Matos, à revelia da avaliação de risco feita dentro do próprio banco. 

Nas conclusões da auditoria da EY com data de 26 de Junho do ano passado é explicado, à cabeça, que as perdas sofridas na concessão de créditos concentraram-se em dois períodos, nomeadamente entre 2000 - 2007 e 2008 - 2011, com um peso perto dos 90% do total. 

No foco que os auditores fazem aos créditos que cumprem os critérios utilizados para avaliar o desempenho da gestão, são escolhidas 170 operações. E destas, 80 empréstimos foram aprovados pela gestão do banco público sem que tivessem sido cumpridas as regras, nomeadamente sem ter em conta que os requisitos que devem ser considerados antes de dar luz verde a um empréstimo. As decisões de aprovar os empréstimos avançaram e não foi explicado por escrito as razões de terem avançado sem os requisitos obrigatórios. Resultado: perdas totais de 769 milhões de euros entre as 25 operações de maior dimensão, 43,7% do total de perdas assumidas com estas operações.

É o tipo de violação das regras de boa gestão que mais danos provocou no banco. Mas há mais. Os auditores encontraram 15 operações sem qualquer parecer individual da análise de risco, que resultaram em 86 milhões de perdas entre os 25 maiores créditos. E descobriram 13 operações em que o parecer de risco foi mesmo desfavorável, traduzindo-se em 48 milhões de perdas entre as operações de maior dimensão. No total, esta concessão de crédito sem controlo custou 903 milhões.

Adicionalmente, a EY também identificou situações em que a gestão levou em conta as decisões da análise de risco, mesmo que parcialmente. Mas que também resultaram em danos para a Caixa. No caso em que as condições para a aprovação dos créditos foram acolhidas, verificaram-se 43 operações, nas quais as perdas foram de 122 milhões entre os empréstimos mais relevantes. Quando o parecer de risco foi até favorável - 14 operações - as perdas acabaram por atingir 238 milhões de euros entre o top 25 dos créditos seleccionados pela sua dimensão. 

Este tipo de actuação da cúpula do banco - que já está na mira das autoridades e que abrange quatro lideranças, com maior foco nos mandatos de Santos Ferreira e Faria de Oliveira - salda-se por uma perda total de 1647 milhões de euros para os cofres da Caixa, relativas a 186 operações das 212 analisadas. Deste valor, 76,7% está concentrado nos 25 grandes devedores, que representam uma perda acumulada de 1263 milhões. 

A auditoria entregue no Parlamento não identifica os nomes destes grandes devedores, mas na versão preliminar que foi divulgada nas últimas semanas destacam-se nos nomes de clientes como Manuel Fino, Joe Berardo, a Artland de Sines, ligada à La Seda, a Finpro, de Américo Amorim e Banif ou empreendimentos imobiliários como a Quinta do Lado ou a Birchview. Os sete maiores clientes foram responsáveis por mais de 500 milhões de perdas. 

Por sector, os maiores responsáveis por estas perdas encontram-se no sector da construção (18,3%), no imobiliário (21%) ou em project finance (projectos de investimentos) relacionados com Estradas ou Indústria. Mas também se destacam casos de financiamento para a aquisição de acções que tiverem perdas acumuladas superiores a 500 milhões de euros.

Fracas garantias

Mas os consultores da EY não se limitaram ao momento da decisão de aprovar os créditos feita sem o acompanhamento da análise de risco. Também avaliaram a solidez das operações, através da prestação de garantias reais que cumpram pelo menos 120% dos empréstimos. E desenterram 72 operações em que foram prestadas garantias reais (hipotecas ou penhores) que não cobriam 120% do empréstimo. E que resultaram em perdas de 716 milhões entre os grandes devedores. 

Neste diagnóstico, também foram identificadas 12 operações com garantias pessoais e 34 operações sem quaisquer garantias (associadas a crédito titulado, como papel comercial ou obrigações). 

O documento dá ainda conta do curso que os empréstimos levaram, nomeadamente quando começavam a revelar alguns problemas. E nessa análise identificaram que as reestruturações também demonstraram um padrão de irregularidades por parte da Caixa, que replicaram em muitos casos o mesmo tipo de falhas praticadas no momento da concessão. 

O trabalho da EY não se limita à concessão de crédito, já que o âmbito da análise é estendido também à aquisição e alienação de activos, bem como às decisões estratégicas, em particular a expansão internacional da instituição. É nesta parte do relatório em que é feita uma análise a decisões como o investimento em produtos financeiros de risco (identificado na versão preliminar, mas não naquela que chegou ao Parlamento) ou a expansão da actividade para Espanha. Dois capítulos da história do banco público que resultaram em elevadas perdas para as contas da Caixa ao longo dos anos.

Paulo Macedo promete

O presidente da Caixa teve uma sexta-feira agitada. Depois da entrega do documento no Parlamento, onde recusou julgar os ex-administradores na praça pública, confirmou em conferência de imprensa dos resultados que o documento foi remetido ao Banco de Portugal, Banco Central Europeu e à Procuradoria-Geral da República. E que após ter solicitado um parecer jurídico, o banco requereu a um gabinete de advocacia (VdA) que avaliasse os actos de gestão das administrações visadas na auditoria, para que se apurem as responsabilidades civis dos ex-gestores.

Questionado sobre se tinha ficado chocado com o resultado da auditoria da EY aos actos de gestão das anteriores administrações, Paulo Macedo disse que “o relatório pedido foi a actos de gestão que correram mal, e não aos que correram bem". "Um enviesamento" que foi propositado, sublinhou.

Macedo considerou ainda que se se olhar para os factos "à luz de hoje" conclui-se que alguns correram mal e "não são aceitáveis."

Sobre as decisões de crédito e as decisões de investimento referidas pela EY que terão sido instruídas politicamente, começou por dizer que um grupo público recebe sempre orientações do accionista. E acrescentou que existem "diferentes interpretações do que é interferência política".

O antigo ministro da Saúde fez ainda questão de sublinhar que "uma coisa que sou totalmente contra é achar-se que todas as pessoas que passaram pela Caixa são culpadas”, considerando inadmissível que se diga que quem passou pela administração da Caixa "ou é culpado" ou tem "cadastro". Macedo lembra mesmo que "não há nenhum antigo gestor da CGD com processos contra-ordenacionais movidos ou abertos pelo Banco de Portugal".

Quando inquirido sobre se a CGD ia instaurar acções criminais por actos praticados por anteriores gestores, Macedo avisou que "a CGD não é um tribunal" e irá "procurar ser ressarcida caso isso seja viável”.